quinta-feira, 31 de março de 2011

Os que pagam

A minha amiga anda muito azeda, o que sinceramente me arrepia, dado o meu natural de paz, fortalecido pelos conselhos colhidos nas conversas com as testemunhas de Jeová que frequentemente me interrompem os percursos das compras ou do café matinais para me confortarem com as promessas num justo além. Mas também porque não gosto de me assustar com as histórias macabras que a minha amiga me conta e a que sou alheia pelos motivos expostos do meu natural e de alergia ao susto.


É por isso que, na baralhação a que andamos sujeitas, sem saber quem é que fala verdade dos que se revelam conhecedores dos nossos desmazelos ou imperícias causadores do profundo deficit e das probabilidades de entrada ou não aqui de quem nos ajude com novos empréstimos para liquidar os nossos anteriores deficits e assim podermos continuar a fortalecer consoladamente os deficits seguintes, prefiro muitas vezes alhear-me do que por cá se passa, murmurando, brandamente, o aliciante “se cá nevasse fazia-se cá ski”, que tantas perspectivas nos abre para o deslize dos deficits, que há quem ache irreparáveis, contrariando o nosso PM demissionário que obstinadamente acha que não precisa da neve.


E a minha amiga observa vivamente, na sequência da sua atenção ao exterior: - Eles vão cortar nos ordenados, nas pensões, vão acrescentar nos impostos, nos juros… Mas eles andam com os seus carrões, com o chofer, com o assessor de imagem… Eles não desistem de nada. É cada carrão! Uma engrenagem! Os milionários aumentaram os milhões. Mas os dinheiros deles não devem cá estar. Há direito? É como o programa “Prós e Contras”, sobre o estado das economias do país, que dão conselhos e não os aplicam, prolongando um programa por altas horas, que quem trabalha não pode ver… E isto há anos, e o contribuinte pagando…


E a seguir conta as histórias que escutou na SIC, de gente que foi ao programa da tarde ou telefonou a contar como foi maltratada pelos bandos. Não por ódio, atacantes e atacados não se conhecem para apurarem ódios. Apenas por diversão, por insensibilidade, por hábito de ver programas de vandalismos, que os ensinam primorosamente a vandalizar como objectivo de vida, gente que pratica o mal escudada no seu bando e na inércia da polícia e da justiça - com perícia e impunidade.


Foi a história do sujeito que foi à SIC: foi seguido por alguém até ao carro, que lhe pediu lume, que o homem negou por não fumar; e o bando surgiu do nada, e, sem usar armas torceu-lhe a rótula até lha quebrar, com mãos de ferro, de seguida abandonando-o e sumindo-se no nada, como surgira. Sem ninguém que testemunhasse, embora houvesse gente a passar… Pesadelo que continuou no hospital, com a operação, dois meses de baixa, o dinheiro gasto, a participação às entidades judiciais, e como não se conseguiram provas competentes do crime, o sujeito teve que pagar as custas do processo.


Arrebatadamente, a minha amiga conclui:


- Aqui ficámos a saber que as vítimas é que pagam as custas.

quarta-feira, 30 de março de 2011

BRUNO

Por motivo de aparente imaturidade, o Bruno começou tarde a sua carreira de responsabilidades escolares, prolongando uma infância de mimo, sempre acompanhado por pedagogos e terapeutas, que prometiam êxito futuro, quando o Bruno despertasse para a maturidade.


Passou para a segunda classe sem saber ler nem escrever, começou em Julho, nas férias, uma aprendizagem a sério, a começar no A B C, mas numa disciplina mais rigorosa, estudando, na escola, ao começar o novo ano escolar, para o qual não estava minimamente preparado, pelos livros da primeira classe, e pelos livros da segunda, em casa dos avós preocupados, que nas férias grandes tinham usado aqueles e outros livros, com os quais foi desbravando os segredos da leitura, escrita e cálculo, que as outras crianças iniciam muito mais cedo.


Hoje, na sua escola, o Bruno já acompanha razoavelmente os seus colegas da escola, e as professoras já não dizem que ele tem uma baixa auto-estima, que resultava, julgamos, da marginalidade a que fora sempre votado, por não acompanhar os outros, pela sua incapacidade de percepção.


Creio que o excesso de mimo, ao impedir uma orientação de responsabilização, está na origem de muitas derrapagens escolares. Compete aos pais um bom senso na dosagem desse mimo, pensando essencialmente na criatura que estão a educar para a cidadania, e mesmo para a sua própria felicidade, que surgirá com o sucesso escolar.


O Bruno fez maravilhas, nestes oito meses de estudo a sério, nem sempre pacífico, com muita impaciência pressionante. Mas teve sorte, porque teve pessoas disponíveis para o acompanhar. É necessário exigência, que não é, forçosamente, contrária ao carinho. Porque a vida não se condói com o atraso, mas todos os patinhos feios poderão tornar-se cisnes. Se os pais quiserem.


Todavia, o textozinho que segue, em honra do Bruno, mereceu à minha amiga um comentário trocista: - Pobre criança! Até no seu aniversário chupa com contas e problemas!


Mas não, foi na véspera dos seus anos que o Bruno leu o texto e fez os problemas aí contidos. Desconcentrado, a pensar no bolo que amanhã vai levar para a escola:




Para o Bruno


Nasceste em 2002


No dia 30 de Março,


Diz-me lá, Bruno, a correr,


- Quantos anos vais fazer


Este ano 2011? ________


E depois ainda diz:


- Quantos anos tens a mais


Que a Mafalda e a Beatriz


Que este ano fazem seis,


(Em Abril e em Setembro)? ________


- E do que o Sebastiãozinho


Que em Outubro faz um aninho? _______


São situações problemáticas


Que estudas nas Matemáticas,


Muito fáceis, como vês.


As mais difíceis virão


Seguidamente,


Que resolverás igualmente.


Brunito,


Vamos depressa aprender


A somar, subtrair,


Multiplicar, dividir


E a ler e a escrever


E o que mais te apetecer,


Para decifrares o mundo


Que as letras e os números


Te irão



Ajudar a perceber.


E hoje, nos teus nove anos,


Damos-te os parabéns


Não só por esse motivo,


Mas porque


Em poucos meses aprendeste


Aquilo que é tão preciso:


- Ler, escrever e contar -


E deste


Um grande salto em frente


Na tua pequena vida


Que será


Cada vez mais preenchida.


Como uma árvore segura


Tu darás frutos de jeito,


Mais bonitos que os do desenho


Que pela avó te foi feito.


Mas antes tens que contar


O presente dos avós,


Para calculares o dinheiro


Que vais pôr no mealheiro


E aprenderes o valor


Das notas e das moedas


Que estudas no programa


Do teu ano escolar:


Euros:


Notas:


- de vinte euros: _____ =________E


- de dez euros: _____= ________E


-de cinco euros: _____=________ E


Moedas:


- de dois euros: ______= _________E -


De um euro: _______ = ________ E


Total (em euros): +__________E


Cêntimos:


Moedas:


- de 50 cêntimos: ___=______C


- de 20 cêntimos :___=______C


- de 10 cêntimos: ___= ______C


- de 5 cêntimos: ____=______C


- de 2 cêntimos: ____= _____C


- de 1 cêntimo: _____= _____C


Total: ________C = _____ E


Total Final = _______+____= ______ E


E agora, querido Bruno,


Deixemos o estudo


Bicudo.


Cantemos alegremente


Os parabéns da canção


Nesta data tão querida,


Desejando-te fortemente,


Do fundo do coração,


Felicidade na vida.

domingo, 27 de março de 2011

Menina de lá d’além…

E a minha mãe contou, dos tempos em que guardava os gados, juntamente com as amigas com o mesmo ofício – do lado de lá do rio do Inço, no Vale dos Barreiros, ela com a Maria Pia, do lado de cá do rio, no Crasto, (passando pelo Cabeço Murado, Souto, Ribeira das Vinhas) a Rosinda do Bispo, a chefe, por ser a mais velha, sua futura cunhada, que ia com a Palmira do Castanheira, filha da tia Rufina, irmã do seu pai, e a Eurides do Guieira - pastoreando e intercomunicando-se com a cantiga de “loar”, para reconhecimento mútuo. A menina de lá d’além respondia, e as vozes, avolumadas pela barreira dos montes, eram perfeitamente audíveis, e assim as pastoras desfiavam os passos das suas andanças, em “facebooks” primitivos, não de tipo visual mas acústico, remontando, provavelmente, aos tempos recuados da transumância, de eco onomatopaico audível no próprio estribilho fónico precedendo o verso seguinte da comunicação:
Eh! Lá! Ou! em… Menina de lá d’além!
Eh! Lá! Ou! ais… Diz p’r’a onde é que tu vais…
Eh! Lá! Ou! eiras… Vais para as Corgas Salgueiras?
Eh! Lá! Ou! oite… Ficas lá até à noite?
Eh! Lá! Ou! is…
Ó menina ora diz… Ou…
A loar a loa lou…
Outras mais coisas contou, com uma animação extasiada, de quem aprecia auditório - dos cabritinhos que nasciam nos montes e elas transportavam ao colo para as quintas, como a do Vale dos Barreiros, onde havia figueiras de todas as qualidades, do choro da nossa futura tia Rosinda quando lhe mandavam deixar no curral da sua casa as cabras e os cabritinhos que ela sabia que iam ser mortos, para as panelas, no estrume que o gado fazia, bom para as terras, nos lugares onde elas iam roçar carqueja para as vacas comerem, da primeira carta que a futura sua sogra, de Destriz, ponto extremo das suas andanças com os rebanhos, lhe entregara, do meu futuro pai, chegado recentemente à terra, ido de Macau, onde fizera a tropa e estudara… Descreveu o Cabeço Murado como uma serra só de penedos, que dum lado dá para o rio, onde há moinhos de maquia, e do outro é o caminho do Crasto, com o Rochão, uma planície de terra, e mais a Quinta do Bacelo, e o Forno dos Mouros, uma cavidade na rocha… E cantava a cantiga que se cantava na terra:
Da banda d’além do rio
Tenho eu os meus amores,
É o padre Santo António
Mais a Senhora das Dores.
Contava a minha mãe e revivia as saudades nas recordações tão presentes no seu espírito, a passos largos para os cento e quatro anos. E a gente escutava e espantava-se de uma memória tão precisa, que outras quadras, algumas das quais impregnadas de secular malícia popular, tem vindo a desbobinar, nestes últimos tempos:
Sete estrelas, sol e lua
Tudo p´r’ó mar embarcou.
Se não era do teu gosto,
Meu amor, quem te obrigou?

Ó minha mãe quem me dera
O que a minha alma deseja:
As portas do céu abertas
Como estão as da igreja.

Está o céu estreladinho
De estrelinhas amarelas
Já o rei não quer soldados,
Já se acabaram as guerras.

Ó minha mãe quem me dera
Minha mãe quem me daria,
Um cantinho lá no céu
Ao pé da Virgem Maria.

Caçador que vai à caça
Não vai lá pelo coelho,
É só pela rapariga
Do saiotinho vermelho.

Se ouvires dizer que eu morri
Não tenhas pena, meu bem,
Que a morte é tão desgraçada,
Não causa pena a ninguém.
Não, a última quadra, não sei se recordada em assustada previsão de partida, não a aplicamos à nossa Mãe, ainda, a quem admiramos a memória e desejamos muitos mais anos de vida, neste domingo dos seus 104 anos, 27/3/2011.
Preferimos respeitar-lhe a saudade, e mandar um beijo dela para as suas companheiras da mocidade, “meninas de lá d’além” – a Rosinda, a Eurides, a Maria Pia, a Palmira. “Eh! Lá! Ou!”



sexta-feira, 25 de março de 2011

VAE VICTIS!

O nosso PM demissionário disse que era o único que pensava no país – cuido que no seu – e foi lá para fora para comprovar isso e receber os beijos e os abraços, que se via que eram sentidos, dos seus correligionários. Ele estava bem no seu elemento, protegido e confortado pelos parceiros sociais, alguns dos quais dirigiram repreensões aos que, no seu “paizito”, se atreveram a chumbar as coisas cozinhadas entre eles e aplicáveis entre nós, chumbo, aliás, que ele ajudou a perpetrar, com as suas pressas provocatórias, sem dar cavaco aos que mereciam recebê-lo, tais o PR, por ser o representante mor do “paizito”, e o PSD que faz parte da coligação com o seu governo minoritário, como todos sabemos.
O Dr. Pacheco Pereira na “Quadratura do Círculo” até explicou muito bem a armadilha montada pelo PM, contrário a acordos (acôrdos mesmo, os acórdes são coisa de música), de provocação para o chumbo do PEC, para que novas eleições se fizessem que o desresponsabilizassem a ele, armadilha na qual o Dr. Passos Coelho se apressou a cair, contrariamente ao Capuchinho Vermelho, que se escondeu no armário com a Avozinha e não se deixou tragar pela boca do Lobo, que ela descobriu não poder pertencer à vovó, por ser superiormente grande.
Comentámos sobre a cena das fotos parlamentares europeias, a minha amiga lembrou, em paralelo evocativo, as meninas da escola que rodeiam com amizade a menina rica em lágrimas – de mimo e não de crocodilo, como apelida o Dr. Lobo Xavier as da estratégia de vitimização do Sr. PM - por castigo da professora, apesar de brando, porque menina rica não deve, em princípio, ser castigada, nem sequer brandamente - mas eu logo demonstrei que os pobrezinhos aqui foram os que castigaram, chumbando o PEC – pois imediatamente o Sr. PM demissionário se deslocou à Europa, a queixar-se e acolher-se entre os seus pares europeus que têm a força e lançam sobre nós as pedras, indiferentes aos desmandos cometidos pela nossa menina rica, muito aldrabona, muito trapalhona, autêntico tsunami da sua pátria, e que promete continuar, sempre apoiada pelos que lhe dão força e que não se importam com as suas aldrabices e desígnios destruidores - (encobertos sob virtuosa capa patriótica, que convence idênticos Tartufos e os Orgons anjinhos).
E são esses - ou os seus pares europeus que, se o desprezam não o confessam, e que de longe ditam as regras, como sempre ditaram; ou os parceiros de cá que se vê que souberam aproveitar-se dos desmandos de uma governação à base do arranjinho e da trafulhice e que não querem perder as benesses; ou até os intervenientes na opinião pública da SIC, Canal 5, sobretudo as senhoras que se vê que adoram o Sr. Engenheiro que é maneirinho e bem vestido e até sabe apelar à lágrima sincera, não a de crocodilo como a dele, mas isso da lágrima é só o que pensa o Dr. Lobo Xavier, que, tal como os seus pares do CDS antigo – Amaro da Costa, Freitas do Amaral, Lucas Pires e Adriano Moreira sem esquecer Pacheco Pereira, embora doutro clube - são expoentes da nossa Pátria que mereciam mais atenção/eleição do seu povo, autênticos príncipes na dignificação da língua e da pátria portuguesa, ao contrário de todos os que a têm vandalizado, das mais diversas formas.
Indiferente à elegância de expressão e pensamento dos intervenientes na “Quadratura do Círculo” que eu lhe aponto, com entusiasmo, a minha amiga só diz, ao seu jeito emotivo:
- Ele agora atira as culpas para os outros, tentando convencer-nos da sua inocência no processo, e vem aí uma borrascada medonha. Isto vai derrapar à doida.
- Pois vai, mas todos temos culpa, com as greves manipuladas por uma esquerda que só exige porque não se responsabiliza nunca, e nós, pobres anjinhos, caímos na manipulação, indiferentes à salvação do país, que há tantos anos anda em derrapagem, achando que todos temos o direito de mergulhar no saco, mesmo furado, dos dinheiros que outros ganharam com a sua produção e trabalho.
E a nossa conclusão é de amargura:
- Não, o País não mereceria ser considerado mendigo, pois já foi pátria credora de respeito, pela sua participação na visão do mundo.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Mais do mesmo

A minha amiga tem uma forma muito ligeira de definir as pessoas. Quanto ao Soares, que houve quem o apelidasse de Só Ares, afirmou com malandrice que ele estava muito assustado e que o Jorge Sampaio também. Perguntei-lhe também sobre o silêncio do Cavaco que o Dr. Soares tanto menospreza e respondeu prontamente, sem aprofundar, que o Cavaco não era falador.
E se mais não disse, foi porque são personagens que actualmente actuam mais nos bastidores, sobretudo se o Dr. Cavaco continuar com as suas boas maneiras, após ter ganho as presidenciais, na base de promessas de acção e de expressão da sua rectidão, e parece que, afinal, vai recolher à continuação do seu doce envolvimento com a família, em S. Bento, que a minha amiga prefere apelidar de S. Beto, embora aquele não tenha nenhuma culpa, acho eu.
Hoje o governo deverá cair, embora por pouco tempo, já que eles acusam os outros de porem a Nação em risco, se chumbarem o novo PEC, ocultando, maquiavelicamente, diria até que cinicamente, o risco permanente em que a Nação se encontra com o governo deles, de muitos PECs, que sempre se revelaram falsos, pois não permitem estabilidade e muito menos crescimento, como todos sabemos, apesar das badalações do PM a respeito dos seus êxitos e trabalhos governativos de muito bons resultados, e que nos deixam sempre esperançados, mau grado a dúvida que teima em se nos infiltrar no espírito perplexo.
O meu marido conta também dos buracos orçamentais que eles não apresentam, sonegando a verdade, e eu mais uma vez evoco as idas à “Europa”, por imposição europeia, do nosso PM, muito familiar e acenando de lá. Para cá, que absorvemos a sua boa presença com carinho, como se irá revelar nas próximas eleições.
Isto, dissemo-lo de manhã, à hora do café, e ao meio dia, à hora do almoço.
À tarde fomos escutando a Assembleia, com o PM ausentando-se discretamente, depois da exposição do seu Ministro das Finanças.
O PM, herói moderno, bem falante, acusador displicente, foi certamente tratar da sua próxima eleição, os seus camarilhas não o deixarão fugir, após a apresentação da sua demissão.
Que o PR não se atreveu a tomar ele a iniciativa de demitir o PM, apesar da severidade do seu discurso da própria posse.
E assim temos, bem à letra, que “le Roi est mort, vive le Roi”. O mesmo.

terça-feira, 22 de março de 2011

As histórias macabras

Hoje foi a referência a um medicamento que o seu marido toma há trinta e cinco anos para funcionamento das glândulas supra-renais – hidrocortone - que os traumas da revolução fizeram parar, necessitando desse reforço medicamentoso o qual, segundo lhe foi explicado, deixou de existir nas farmácias por ser barato, e, como o genérico substituto não produz o mesmo efeito de manter viva a pessoa, a minha indignada amiga pergunta se assim se deixa morrer os que o necessitam – e que são muitos. Eu só pude responder que, para todos os efeitos, na Líbia e outras terras a vida humana ainda era mais desprezível do ponto de vista dos chefes, e que o nosso PM o sabia, daí o seu desinteresse, revelado noutros seus gestos políticos de encerramentos, despedimentos, entretenimentos, ouvidos cerrados aos lamentos.
Ontem foi a venda de edifícios estatais que mereceu à minha amiga a designação de mais “histórias macabras”. Insistiu em que eu devia ter visto o programa na SIC, mas eu expliquei que àquela hora do Jornal teledifundido eu estaria a ver antes o programa do Dr. José Hermano Saraiva e que por isso os telejornais se me escapavam constantemente, até porque a minha idade já não me permitia sofrer tanto pesadelo do mundo, sem trauma grave.
É claro que a minha amiga não foi na conversa, atribuindo antes a preguiça mental tal indisponibilidade das minhas células cinzentas que, segundo ela já mudaram para uma cor mais alva devido à sua inactividade. Como é uma pessoa sempre em vibração com as atribulações do mundo, entende que todos devem ser como ela, pessoas indignáveis. Por isso ontem falou nas negociatas do Governo, de venda a retalho de edifícios estatais para pagar a dívida, saindo prejudicado, pois se for o Estado a alugar, futuramente, fá-lo-á por um preço altamente superior ao do aluguer ou venda, autêntica história macabra, como a dos laboratórios farmacêuticos.
- A gente pensa que é mentira e que devia vir alguém desmentir, tão brutal é tal descalabro de preços do país em saldo. Mas ninguém desmente, nem ninguém vai preso.
E foi então que eu me socorri dos meus recentes conhecimentos históricos, obtidos com as lições do Dr. José Hermano Saraiva e assim demonstrar que os saldos nacionais já são pecha antiga, e contei da compra por uma ninharia daquele espaço entre a Pena e o castelo dos Mouros, em Sintra, pelo rei consorte da nossa D. Maria II, D. Fernando de Saxe Coburgo, que, contudo - ao invés de fazer dali uma praça de touros ou um mercado de carne, peixe, ou mesmo loja de panos, para exploração capitalista, como faria qualquer um dos nossos milionários comerciantes da actualidade, com o olho do Paulino - nos favorecera com um dos mais singulares palácios do nosso património artístico, o qual até, actualmente, rende bastante, com a exploração turística.
- Vai ver que o nosso PM ainda se vai tornar num mecenas favorecedor, não digo que de artistas, que está mais virado para os artífices, mas de um qualquer espaço de beleza ou de cultura para o nosso futuro turístico. Vale bem a pena investir nos saldos da nação.
A minha amiga, ressabiada pela nossa catastrófica irresponsabilidade, tão tendenciosamente funcionando segundo vertentes de megalomania, presunção e compadrio, arranca os seus exemplos, entre muitos outros da nossa singular “mediocritas”, cujo dourado foi soterrado, num retrocesso ao período neolítico, se não mesmo da pedra lascada:
- Ora! Para o nosso presente e futuro cultural já temos o CCB e a Fundação Mário Soares, para a glória dos respectivos - não digo patronos mas beneficiários - não se precisam mais edifícios glorificadores. O que não se pode é vender o país a retalho.
- Para lhe provar que o nosso PM não é assim tão responsável por tais danos, não resisto à tentação de transcrever um texto extraído de um livro meu editado recentemente, sobre o convento de S. Domingos de Santarém, onde viveu S. Frei Gil, transformado sucessivamente, após a extinção das ordens religiosas por decreto de Joaquim António de Aguiar, em palheiro, recinto de espectáculos, praça de touros, penitenciária, até ser destruído, ocupado o espaço por empresas de rentabilidade. Verá que esse menosprezo pelo nosso património cultural nos está na massa do sangue, e portanto no sangue dos nossos condutores políticos. Ora veja:
“Também o Catálogo citado – (“S. Frei Gil de Santarém e a sua época”, editado pela Câmara Municipal de Santarém, em 1997) – apoiado em extensa documentação, não garantindo o seu – (de S. Frei Gil) – nascimento em Vouzela, desenvolve as várias temáticas em torno do Santo, integrando-o na sua época, dando conta dos vários registos escritos e iconográficos sobre o mesmo, referindo a história do Convento de S. Domingos de Santarém, em cuja igreja, ainda no século XVIII existia uma “capela de S. Frei Gil”, a sucessiva degradação do convento, iniciada por altura das vitórias liberais de 1834, com a extinção das ordens religiosas, impostas pelo ministro Joaquim António de Aguiar, sendo o convento transformado em palheiro do Comissariado, depois os seus túmulos devassados, sendo palco, a seguir, de representações dramáticas e espectáculos taurinos. Por 1850 convento e claustro são transformados numa praça de touros, em 1866 a tampa sepulcral de S. Frei Gil é levada para o Convento do Carmo em Lisboa. Dez anos depois a igreja é destruída e a pedra lavrada utilizada na construção de uma Penitenciária Distrital de Santarém. O convento servirá de tourel até à sua destruição no nosso século, por uma “medida impensada” que o substitui por edifícios de rendimento e Banco de Portugal, destruição apontada como “uma das maiores perdas patrimoniais da cidade de Santarém e do nosso país”. (Pgs. 159/160 de “O Maravilhoso Mundo das “Lendas de Santos” de Eça de Queirós”).
Assim, bem podemos sentir-nos descansados e mesmo orgulhosos da nossa química, hábil demonstração da lei de conservação da matéria, segundo Lavoisier: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”.
O nosso PM está plenamente justificado.

domingo, 20 de março de 2011

O nosso tempo

Chegou-me, por e-mail, o seguinte texto que me permito transcrever, como uma justa análise destes nossos tempos, não de encruzilhada mas de precipício para onde tendemos irremediavelmente, por falta de recursos materiais e espirituais que nos foram sonegados, em governos sucessivos não só de deficiente orientação cultural, como de utilização esbanjadora de dinheiros de empréstimo e que nós próprios também não soubemos gerir, num consumismo descontrolado, guiados pela própria dinâmica social feita essencialmente - despudoradamente - de atractivos materiais e lúdicos:

«Geração à Rasca - A Nossa Culpa»
«Um dia, isto tinha de acontecer.
Existe uma geração à rasca?
Existe mais do que uma! Certamente!
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.
Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.
Foi então que os pais ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.
Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.
Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja!, que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la.
Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam. Haverá mais triste prova do nosso falhanço?
Pode ser que tudo isto não passe de alarmismo, de um exagero meu, de uma generalização injusta.
Pode ser que nada/ninguém seja assim.»
http://assobiorebelde.blogspot.com/2011/03/geracao-rasca-nossa-culpa.html

Não, a culpa da criação de uma geração desorientada é nossa, não morreu solteira, não nos podemos eximir a essa responsabilidade, mas não podemos assumi-la inteiramente sem lembrar o sentido desresponsabilizador na marcha da nossa Educação, em sucessivos governos pós-Revolução de Abril e que culminaram – para já - num conceito depravado de Educação, feita esta de excesso de festa e liberdades para os alunos, e, para os professores, de um absurda falsa ocupação com montões de nadas representados por grande número de horas passadas com jorros idiotas de papeladas e reuniões impeditivos de uma consciente preparação das matérias.
Várias vezes o disse, em vão, como vão é o texto transcrito, como vãos são estes dizeres, para o povo de brincalhões que somos. Sem emenda.

sexta-feira, 18 de março de 2011

O Coiso

- O Sócrates está contentíssimo porque fica livre de uma camada de coiso…
Fiquei baralhada, julgando que o rebentamento das centrais nucleares japonesas tivessem forjado já uma camada de irradiação radioactiva sobre os pobrezinhos de nós que não pudéssemos escapulir-nos, o que não seria o caso do nosso PM, que teria condições para isso, na opinião desabrida da minha amiga, adepta de doutrinas mais igualitárias do que as que costumamos seguir por cá. Mas pedi esclarecimentos, pois ainda não ouvira que ela – a camada - já cá chegara:
- Qual coiso?
- Ora, os encargos de governação de que ele se tem esforçado por se desprender, cometendo barbaridades e rebeldias de pessoa que se está nas tintas para as boas maneiras. Esta do Sócrates ter ido à Europa sem dar cavaco nem ao Cavaco…
Não quis mostrar menos certezas:
- Pois! E na tomada de posse do Presidente o ter dado cavaco preferencial aos jornalistas, desdenhando o protocolo de saudação ao PR, como convinha ao seu lugar cimeiro…
Mas a minha amiga tinha a sua fisgada, como um detective ou mesmo um psicólogo atrás das pistas:
- E a questão do novo PEC, que não foi esclarecida aquando do seu discurso de satisfação e contra-ataque, e logo a seguir, chamado por quem de direito, apresentou ao seu povo, com ou sem partido, um novo PEC drástico, para surpresa de toda a gente.
Marquei o meu saber, com severidade:
- Mas os dogmas unionistas europeus seguem a lei do poder mais forte, tal como se fez em todos os tempos, até nas fábulas, e por isso ele teve mesmo que lá ir, à Sr.ª Merckle, receber abraços fortalecedores e imposições de nova economia ao que se diz, enfraquecedora, mas mais dos fracos habituais.
- Ora! Saiu-lhe a sorte grande! Ele está a fazer tudo para se ver livre e passar a pasta das responsabilidades ao seguinte. O que é que deu na cabeça destes governantes de julgar que se iam aguentar!? Já para não falar na pouca-vergonha destes carros topos de gama e não tenho a certeza se já tiraram os assessores de imagem…
- Os jobs dos boys… , tentei a minha tímida colherada. Mas continuou, que estava embalada, no ataque ao escândalo – a parte dele:
- Ora este país porque é que se ia aguentar? Durante dez anos ninguém deu por ela, o próprio Cavaco, e esse tem diploma e tudo, e não deu por ela.
- Ora essa! Até deu o seu contributo! –
aventei, ainda timidamente.
- E aquele juiz que tem a coragem de pôr a Face Oculta às claras? Já lhe tiraram um complemento que ele recebia por trabalhar noutro cargo… Isto é ou não ditadura? Vai levá-los a Tribunal. Eles não percebem e estão escandalizados.
Embalei também:
- Não me parece ditadura. Trata-se de ordem, de conveniência, de bons costumes, de costumes discretos…
A minha amiga retrocedeu, embora com a altivez do costume, porque ela é das que protesta altivamente:
- Eu é que devo estar calada. Porque há tanta ratoeira nas ruas, tantos buracos e pedras à solta… E ninguém protesta. Só dizem que sim, que com efeito… sempre que eu falo… E Nosso Senhor castiga sempre. Eu já caí e muita gente que conheço… Mas porque é que os Portugueses têm esta carga da calçada à portuguesa? Que ainda por cima fica mais cara e morosa do que a de cimento…
- Ora, o remédio está para cá de Roma. O que é preciso é olhar-se mais para o chão, ao contrário do peixinho quatro-olhos do Sermão do Padre Vieira, o qual tanto pode olhar para cima como para baixo, lembrando-se de que há o Céu por cima e o Inferno por baixo. Mais vale prevenirmo-nos e olharmos hoje só para baixo. É muito grave o nosso coiso. Os budistas e outros intelectuais diriam karma.

quarta-feira, 16 de março de 2011

As maroscas activistas

Foi José Manuel Pureza do BE que insistiu em atacar o PSD, representado por Miguel Macedo, dizendo não acreditar nas boas intenções de um partido que reparte com o PS as prerrogativas e benesses das suas maiorias, pese embora os trejeitos arrumados de uma seriedade ponderosa do seu chefe orador – Passos Coelho. Já o deputado do CDS, Pedro Mota Soares, expusera com rigor e sabedoria, como sempre se encontrou no CDS, já Francisco Assis dissertara, inteligentemente, desvendando, no principal opositor, uma responsabilidade provocadora de desgraça nacional, caso resolvesse contrariar as medidas do PM na imposição dos sucessivos PECs – do próximo já – já, enfim, Bernardino Soares, do PC, atacara como sempre. Tudo isso no “Prós e Contras” de segunda-feira, que Fátima Campos Ferreira dirigiu.
Contei ao meu marido as minhas razões de enfastiamento contra o Pureza, que repete, qual disco rachado, as suas ironias contra o PSD, sem estar ali senão para isso - para atacar as vilanias do PS e PSD, que se vilipendiam à frente das câmaras e por trás se dão palmadinhas nas costas. Não, ninguém tenta, realmente, um esforço de salvação nacional, que a ninguém, pelos vistos, interessa - CDS à parte, alguns do PSD também, amando esta terra e este povo, que, ingratamente, os despreza, neles vendo apenas o espelho de um passado odioso, e por isso desde sempre distribuindo pelos outros os votos e as responsabilidades da ruína.
O meu marido, contudo, que nunca foi do BE, deu suavemente razão ao Pureza, e mesmo ao do PC, considerando quanto, de facto, sempre assim fora, já no seu Serviço assim era, assim continuaria a ser, enquanto reinasse entre nós aquela política que, aparentemente partindo do povo, era, na realidade, uma democracia talhada por elites que, comendo a polpa, atiravam os caroços para o tal povo, assim cumprindo os objectivos que pretendera construir numa revolução benfazeja desse mesmo povo.
De facto, no seu Serviço, a que concorrera em 75, com boa classificação entre os milhares de concorrentes, chegados das hordas ultramarinas, ele observara, até à sua reforma, a larga estrada dos protegidos, do PSD ou do PS, dividindo-se cargos, colocando os amigos e os familiares, protegendo-se, distribuindo-se, animando-se, amando-se, impedindo futuros concursos, no país que ficou a saque desde então.
Mas eu lembrei que, também nesses tempos gloriosos, no viaduto das minhas experiências, quem não fosse adepto das esquerdas estava arrumado, pelo menos nos de cá debaixo, das esferas inferiores, pois os governantes do nosso rotativismo, a par das políticas económicas, educativas, de saúde, etc, que, bem ou mal, tinham necessariamente que implementar com os dinheiros das ajudas externas, a quem tinham que prestar algumas contas justificativas dos seus gastos, foram também usando esses auxílios em proveito próprio e dos seus boys.
Tinham razão o BE e o PC em acusar essas maroscas dos partidos maioritários. Mas faziam-no porque cientes das suas próprias maroscas, impeditivas de bem governar, eles próprios manipulando o povo da sua democracia, lembrando a greve, o desalinho, a não obediência a normas, num país de um povo mal esclarecido sempre e sem desejo de o ser bem nunca.

segunda-feira, 14 de março de 2011

E o burro é ele?

Diz-se que os burros são muito teimosos,
Embora formosos.
Di-lo Esopo,
Na fábula do “burro e o burriqueiro”,
Que me chamou a atenção
Pelo que tem de verdadeiro,
Embora eu não devesse,
- Mau grado a democracia -
Fazer qualquer analogia
Na minha alegoria
Entre o que se passa aqui
E o que Esopo notou lá.
O certo é
Que os nossos dias são geridos à má fé
Por quem deveria ser menos batoteiro,
- Menos charlatão -
Pois ao povo deve a sua eleição.
E se mais não digo é por pudor
De expor
O que a todos – ou, pelo menos à maioria –
Merece desaprovação,
Embora ele insista que tem sempre razão,
E por isso não se importe de resvalar
No despenhadeiro,
Tal como o Burro do Burriqueiro,
Tanto mais
Que está sempre protegido
Pelo vencimento pretendido,
Sem, pois, a redução
Que, sem nenhuma consideração
Nem sequer preocupação,
Ele aplica aos demais:
Vejamos, assim, se a fábula de Esopo
Se aplica ou não a quem de nós faz pouco,
Sempre teimoso, embora formoso,
Com o fato bem assente,
Feito por um qualquer
Alfaiatinho valente
Daqueles que matam sete
Duma só vez
Com muita desfaçatez:

«O Burro e o Burriqueiro»
«Depois de uma caminhada prolongada
Um burro, que um burriqueiro guiava
Por um caminho bem desbravadinho,
Deixou a via certa para se lançar
Pelos penhascos de uma ribanceira.
Como ia cair num abismo,
O burriqueiro agarrou-o pela cauda
E esforçou-se por o puxar para cima,
Para a berma…
Mas o burro arqueava-se em sentido inverso,
Para baixo...
Enfim o burriqueiro estas palavras lhe atirou
Sem mais insistir
Em o puxar:
“Amarga vitória essa tua! Eu não ta disputarei!”
A fábula aplica-se ao disputador
Ou seja, o que quer sair sempre vencedor,
Ser, em suma, o maior… »

Eu não sei
Se o burro desta alegoria
Se aplica, de facto, ao governante.
Principalmente,
Porque vendo o abismo à sua frente,
O governado,
Ou seja, a gente,
Não se dispõe a deixá-lo
Mesmo cair,
Para tentar
Ainda erguer,
- Se o conseguir -
Esta pobre nação
Prestes a falir.
Dá que pensar.

domingo, 13 de março de 2011

Pela calada

Nem sequer dá para discutir. Só comentámos, numa revolta que vem das entranhas. É certo que, perante esses sismos e tsunamis que tudo levam na enxurrada, mal nos sentimos com coragem para referir o nosso casozito, de um país tão pobrezito e miserável que aguenta na sua governação estes seres pequeninos que dizem e se desdizem, que ocultam e mentem, e tudo fazem pela calada, que curvam a cerviz ao estrangeiro que o manda – vê-se que o manda - mas não têm a coragem de o confessar, no seu país, de se afirmar como pau mandado, querendo aparentar antes, garbosamente, o de paizinho que sabe o que faz, que tudo faz bem, para o filho pequenino que o não questiona e que somos nós que só nos choramos com o tautau do papá.
Apesar de se dizer que os papás agora já não têm poder, que os filhinhos é que sabem como é. Este nosso papá age, em todo o caso, como os filhos de agora que tudo sabem e não admitem o saber dos pais. Filho imaturo, é ele o pai ditador.
Faz o que quer, sem se confessar a ninguém, gritando que está tudo a andar, mesmo quando tritura o país inteiro com novas mexidas nos vencimentos, nas tributações, desleal com os parceiros que despreza, prepotente e sem educação, menino birrento no seu país, menino bem comportado lá fora, prometendo resolver, indiferente ao coro das angústias em progressão no país que ele diz governar bem, do que vai mal não sendo ele o responsável, na crise à escala mundial.
A minha amiga só diz, muito desconexamente, vê-se que está engasgada:
“ - É capaz de já estar maluco. Parece um país de doidos. Sabem tudo e não sabem nada. Hoje há uma manifestação que ele despreza. Mas pode-se pedir mais sacrifícios?”
Voltemos ao tsunami. A minha amiga falou num largo alguidar onde as hortaliças se entrechocam, assim lhe pareceram aqueles carros a baloiçar na onda pavorosa, virando-se, deslizando, amachucando-se, sem travão, sem Deus.
Assim somos nós. Hortaliças entrechocando-se, despenhando-se, boiando. Na enxurrada. Sem Deus.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Um país pequeno

Falámos de expressões faciais. Concordámos que Herman José era o mais expressionista, para utilizar o termo, com um significado não de escola pictural de uma arte expressiva de um universo agressivo interior, mas de uma arte teatral histriónica, de variedade de trejeitos, em imitação de personalidades, composta com muita arte, pese embora um acentuar de jeitos, por vezes, já vistos no seu passado de actor, mas indiscutivelmente enriquecidos de maturidade que nos pareceu o projectaria a novas glórias na sua carreira, que por culpa própria talvez, por se ter deixado manipular por programadores pouco escrupulosos, ia perdendo, na senda provocatória contra a decência e a sensibilidade alheias.
Na questão de jeitos oratórios, lembrámos também alguns dos nossos parlamentares, admirando, no nosso PM, a arte de bem falar, de denunciar, de simular, e simultaneamente de se desenvencilhar da rede de acusações alheias, contra-atacando com saber, atropelando realidades, descartando responsabilidades, na indiferença pela situação de desastre nacional, do seu país de penúria, histrião inteligente.
Foi a propósito da “moça magrinha”, na expressão da minha amiga, que muda muito de cabelos, mais claros ou mais “foncés”, mais compridos ou mais curtos, mas de grande destreza expressiva a respeito das coisas e dos seres deste país e mesmo doutros países, em profusão de conhecimento só comparável à elegância e ironia dos seus discursos. Clara Ferreira Alves.
A minha amiga captou-lhe uma frase, que eu depois encontrei no seu Prefácio a um livro de João Gaspar Simões - “Fernando Pessoa – Ensaio Interpretativo da sua Vida e da sua Obra” da colecção “A minha vida deu um livro”: «para ser génio, bastava-lhe ter escrito “Tabacaria”».
Concordei com a afirmação. “Tabacaria” é o poema do ser genial mas consciente da realidade banal, universo de náusea, para o “eu” superior, com a consciência da sua nulidade, num mundo absurdo, sem sentido. Lê-se, interioriza-se, vibra-se e sofre-se lendo-o, no seu desgarramento íntimo que tem subjacente o estudo de filosofias niilistas, e que poderíamos, talvez, ilustrar com “O Grito” de Munch.
Mas o Prefácio de Clara Ferreira Alves tem por título o excerto de uma frase de João Gaspar Simões – “Um grande poeta num pequeno país” – (“Um grande poeta não pode viver, porém, num pequeno país”), e essa frase fere também pelo absurdo.
Porque quem não pode viver num pequeno país são as pessoas que procuram meios materiais de sobrevivência fora dele, onde lhes será reconhecido o seu trabalho.
Não os grandes poetas. Talvez no seu pequeno país é que eles se possam sentir seres de eleição, ou com a sorte de o virem a ser, reconhecidos pelos Gaspares Simões que os projectaram. Para o mundo inteiro, afinal, mas depois que o soubemos nós reconhecer.
Também Mário de Sá Carneiro achou que precisava dum grande país de sobrevivência intelectual, mas matou-se, em Paris. E quem o reconhece somos nós, que nos admiramos de que o mundo ignore a magia do seu verbo expressivo de idêntico mundo de tédio e frustrações existenciais, em arte mais rendilhada que a de Pessoa, mas não menos autêntica, e pescando nas mesmas fontes culturais – o que denuncia, um pouco, a mistificação na arte da criação poética. Mas enquanto Álvaro de Campos desenvolve todo um tratado sobre a condição humana, em que se salienta o afundamento numa angústia total, traduzido num universo imagístico poderoso, Sá Carneiro brilha na magia verbal do seu intimismo:
«Um pouco mais de sol – eu era brasa
Um pouco mais de azul – eu era além
Para atingir, faltou-me um golpe d’asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém… (…)
(“Quase”)
É um país pequeno, Portugal, um país de discrepâncias fundas, um país que nem sempre reconhece os seus valores, “os que serão sempre os que não nasceram para isso”, um país que gostaríamos que tivesse uma população intelectualmente mais desenvolvida, um país com mais ordem... Mas ainda bem que houve génios nele. É a consciência disso, desses valores, que nos faz amá-lo mais. Juntamente com os ribeirinhos cantantes, ou as paisagens e criações artísticas dos que lhe traçaram o perfil.
José Hermano Saraiva, outro génio de comunicação, não tem vergonha de mostrar o seu sentimento pátrio, de nos levar nos seus percursos a notar as belezas do seu país, condenando embora o que não é correcto. E há muita coisa incorrecta, que é preciso corrigir.
Ainda bem que Fernando Pessoa por cá ficou, todo um mundo, vindo de um pequeno mundo que enriqueceu com ele o mundo inteiro, como já o tinham feito os navegadores portugueses pioneiros…

terça-feira, 8 de março de 2011

Saltando buracos. À chuva.

A minha amiga lembra muitas vezes aquele 8 de Março distante, em que, tendo ido festejar o Dia da Mulher com a bica habitual, atidas ao preceito de que os dias da mulher são todos muito parecidos, resolvemos, num golpe de rebeldia, em demonstração da emancipação que nos foi assegurada por uns panfletos de revolução de próximo passado, resolvemos sacudir momentaneamente os deveres domésticos e profissionais para, numa atitude de intelectualidade digna de reparo, irmos revisitar os Jerónimos, em preito de homenagem aos principais fautores da epopeia lusa, cujos túmulos lá se encontram, na estrutura interior de tanta dimensão, tendo contemplado, antes, o original portal manuelino que Nicolau de Chanterenne esculpiu.
E a minha amiga reconta a carga de chuva que se abateu, ainda antes de o comboio chegar a Belém, que nos apanhou sem guarda-chuva, correndo à chuva e saltando os buracos da calçada, sem música nem o sapateado de Gene Kelly, mas, de passagem, comprando pastéis de cerveja, na casinha antes da pastelaria que fornece os pastéis de Belém, na minha opinião, de sabor menos capitoso que o daqueles. O regresso a Penates, após a visita para a nossa ilustração, foi igualmente em marcha saltitante à chuva, até à estação de Belém, com a minha amiga receosamente desfazendo na pele do S. Pedro, que não nos admitiu veleidades de independência naquele 8 de Março dos idos de 80.
Hoje não tivemos hipótese de nos ilustrarmos à chuva. Porque choveu, tal como então. O dever nos chamou a casa, a bica do dia da Mulher teve a mesma duração das nossas outras bicas de mulheres de todos os dias.
Mas em casa, fomos espreitando, na televisão, pedaços do nosso carnaval desengonçado e pelintra, e demos com uma manifestação de jovens “à rasca” querendo fazer-se ouvir junto do PM que expunha em Viseu as suas razões de peso e de sucesso, jovens que não tiveram ocasião de dizer das razões do seu insucesso, porque foram enxotados lá para fora pelos guardas do paço, embora o Sr. PM generosamente os tenha convidado para o seu almoço com os demais comensais, finalizando o seu convite com um dito bonacheirão “Ninguém leva a mal no Carnaval”, bem expressivo da sua sabedoria, num país que vai decididamente dançando.
Na corda bamba.

segunda-feira, 7 de março de 2011

O amigo de Peniche

Desta vez fui eu que transmiti à minha amiga a notícia, que ouvi não sei bem em que canal, distraída que estava a descascar a cebola do meu vale de lágrimas, e a minha amiga também se sentiu inicialmente eufórica quando eu lha transmiti, pois a notícia é daquelas que no nosso país de vez em quando se propala, para continuarmos a manter a ilusão da solução, e nós assim vamos continuando, sempre que surge a notícia do ouro preto em Portugal, quer ele esteja em Peniche, quer esteja no Alentejo, quer mesmo só no Beato, embora a minha amiga considerasse, logo a seguir, ter mais fé no santo António, o que é disparate, visto os efeitos benéficos que o petróleo provoca no mundo inteiro, no meu ponto de vista deslumbrado. Talvez, nesse caso, mais valesse, segundo objectei, crer no Dom Sebastião, mesmo que ele nunca mais chegasse, pois fazia mais parte do nosso apego secular, que até se traduziu em trovas, em dramas e outros poemas do nosso engenho, de longa data a braços entre a crise e a ilusão, nosso fado triste.
Quanto ao petróleo, parece que estamos ainda na fase da prospecção – tal como o regresso do D. Sebastião - por conta duma empresa brasileira e mais outras portuguesas a arriscar, embora já o Raul Solnado, há muitos anos, através de uma sua personagem, tenha explorado essa questão do petróleo que apareceu no seu quintal do Beato, quando arrancavam uma alface para a salada da família.
A minha amiga ambiciosa logo disse “Era uma safa se se descobrisse petróleo em Portugal” e eu bem que concordei, que de safa é que a gente mais precisa - pois quanto a safras estamos arrumados - e enquanto isso, vamos deixando que os habituais solucionadores da crise continuem paulatinamente e exclusivamente na safra do seu próprio bem, salpicando a sua promessa do bem comum com estas atoardas esmoleres, sobre um provável petróleo nacional jorrando aqui ou além, mesmo no Beato, outras vezes em Peniche e outras no Alentejo, para irmos vivendo na ilusão da solução sempre adiada, de uma crise comum - com excepções - permanentemente presente.
Como sempre pessimista, embora ambiciosa, a minha amiga considerou que nem uma gota lhe caberia em sorte, fazendo com isso supor que a mim caberia, o que me desvaneceu à ideia da gota, pois também sou ambiciosa, mas eu logo expliquei que, mesmo que as gotas fossem canalizadas para os sortudos habituais, outros mais receberiam a benesse – da safra, pelo menos, eliminando assim parte do espectro do desemprego, além de que deixaríamos de importar o petróleo habitual e até talvez conseguíssemos exportar do nosso, para inveja dos povos como aquele a que pertence a senhora Merckel que estendeu o braço compincha ao nosso PM, mas, se este tivesse de facto petróleo, fosse lá onde fosse, poderia ser ele a estender o seu, honrosamente, levando-lhe umas amostras do nosso crude de Peniche, para comercializar.
A minha amiga continuou renitente, está visto que a mania do Santo António quadra mais às suas expectativas:
- Um país com petróleo é um perigo enorme, porque nos países com petróleo o Zé Povo é tão pobrezinho, tão pobrezinho, tão pobrezinho… Até o Dubai tem os pobrezinhos do petróleo.
E voltámos tristemente à nossa condição de agarrados mais aos nossos santos da safa – não da safra – o próprio Messias fosse, que nos safasse.

quinta-feira, 3 de março de 2011

A riqueza da ciência / A ciência da riqueza

A vantagem da ciência” é o título
Que La Fontaine dá a uma sua história
Não dos costumeiros animais,
Mas de seres racionais,
Que são sempre os mais funcionais
Nas coisas fundamentais da existência
Quais sejam as da sobrevivência,
E a complementar subserviência.
Vejamos então esta “Vantagem da Ciência
Que prova com muita pertinência
Que o estudo resolve tudo,
Embora muita gente creia
Que se trata de inútil panaceia
Para enganar os simples:

“Entre dois Burgueses duma cidade
De muita qualidade,
Um diferendo se desencadeou que potenciou
Sobretudo a ironia
Do mais bem dotado
Em riquezas materiais,
- Embora mais desprovido
De dotes espirituais -
Pois que o mais letrado não podia
Fazer alarde
Da sua sabedoria,
- Já por modéstia, já por cortesia -
E bens materiais não possuía.
Mas o ricaço pretendia
Que todo o homem sábio deveria
Homenagem prestar ao poder
Material.
Bem parvo era, por sinal ;
Porque, porquê prestar culto
A bens desprovidos de mérito?
A razão parece-me ínfima.
“Meu amigo - muitas vezes ele dizia
Ao homem culto -
Vós achais-vos pessoa de vulto,
Mas dizei-me, tendes farta mesa
Com franqueza?!
De que serve aos vossos congéneres
Ler sem cessar
Se eles vivem num terceiro andar
E se vestem de igual maneira
Em Julho como em Dezembro,
Tendo apenas por lacaio
A sua sombra foleira?
A República está mesmo interessada
Com pessoas que não gastam nada!
Eu não conheço homem mais necessário
Do que aquele cujo luxo espalha inúmeros bens.
E se nós o usamos, sabe-o Deus!
O nosso prazer ocupa
O artesão, o vendedor, o que fabrica a saia,
E aquela que a usa, e vós, que dedicais
Aos Senhores importantes das Finanças
Maus livros pagos com benemerência."
Estas palavras cheias de impertinência
Tiveram a sorte que mereciam.
O homem letrado calou-se,
Muito havia que dissesse.
A guerra vingou-o, melhor que qualquer sátira
Que fizesse.
Marte destruiu o lugar onde cada um vivera.
Ambos deixaram a cidade, que desaparecera.
O ignorante ficou sem asilo,
Em toda a parte foi injuriado.
O outro, em todo o lado,
Recebeu algum favor
Por conta do seu saber.
Isso decidiu a questão.
Deixai os parvos falar:
O saber colhe sempre galardão.”

Ora esta questão
Que assim valoriza a razão,
Não sei se por cá colheria
Tanta empatia.
É que o nosso existencialismo
Faz que a tradição
Do culto da Razão
Seja soterrada pelo materialismo,
Como afinal já era
No século do racionalismo,
Apesar do La Fontaine,
E de outros defensores
Do saber ser
Contra o saber fazer.
Porque hoje, o que mais se vê
É que o dinheiro é o verdadeiro
Esteio da razão
E o estudo é treta,
Para pateta.
Pois por cá até
- Pura aberração! -
A língua mãe foi adulterada
Sem nenhum pudor,
Por conta do poder
Material.
Além de outras anomalias
Que se poderão citar,
Que o dinheiro faz criar,
Em libertina escalada irracional,
Sem ninguém se importar.
Apesar dos velhos quezilentos
Conservadores atentos.

terça-feira, 1 de março de 2011

Pontos de vista

Hoje levei à minha amiga um texto em tópicos e com gráficos extraído do blogue “A Bem da Nação” do Dr. Salles da Fonseca, sobre o estado da Nação. Ei-lo, com a devida vénia, embora sem gráficos:

«Universidade Católica Portuguesa

1) A média do crescimento económico é a pior dos últimos 90 anos. Fonte: Santos Pereira (2011)

2) A dívida pública é a maior dos últimos 160 anos Dívida pública portuguesa em % do PIB, 1850-2010. Fonte: Santos Pereira (2011)

3) A dívida externa é, no mínimo, a maior dos últimos 120 anos (desde que o país declarou uma bancarrota parcial em 1892) Dívida externa bruta em % do PIB, 1999-2010. Fonte: Santos Pereira (2011)

4) O desemprego é, no mínimo, o maior dos últimos 80 anos. Temos 610 mil desempregados, dos quais 300 mil são de longa duração Taxa de desemprego em Portugal, 1932-2010. Fonte: Santos Pereira (2011)

5) Voltámos à divergência económica com a Europa, após décadas de convergência PIB per capita português em % do PIB per capita da Europa Avançada. Fonte: Santos Pereira e Lains (2010)

6) Vivemos actualmente a segunda maior vaga de emigração dos últimos 160 anos Emigração portuguesa (milhares de pessoas), 1850-2008. Fonte: Santos Pereira (2010)

7) Temos a taxa de poupança mais baixa dos últimos 50 anos Taxa de poupança bruta, 1960-2010. Fonte: AMECO, Santos Pereira (2011)»

A minha amiga leu as alíneas e torceu o nariz, na dúvida. Tinha andado a passear de carro com o marido e eis o que viu:
- Quinta-feira, na Marginal: tudo o que era espaço, estava inundado de carros. Alguns, topo de gama. Há muita gente rica. Portugal diz-se que é um país pobre, mas não deve ser. Não se trabalha. Bastou uma réstia de sol e a Marginal encheu-se. Ainda por cima a gente conhece a realidade. Desempregados é uma realidade. Mas já não vê mais espaços. Com certeza já não há terrenos para construir. Ali não há crise. Eu não acredito que haja outro país pobre que não cria riqueza. Gostava de saber se um país com as dimensões deste tem esta quantidade de carros. Não deve haver nenhum país com mais carros do que este. Com aparência de rico. Vai p’r’à Marginal, no rectângulo todo, e todo ele está cheio de carros. A terra não chega p’r’a tanto carro! E em roda do casino! Não há sítio para arrumar carro! Àquela hora da tarde! Mas o espectáculo era só à noite!
Com a minha infinita compreensão, eu expliquei à minha amiga que as pessoas deixaram de certeza ali os carros para irem apanhar o comboio ao Estoril, para o Cais do Sodré, não se tratava de festa, mas sim de trabalho, mas ela não se enquadra em pontos de vista de teor mais generoso, quando se trata de julgar o que vê, que não quadre ao seu ponto de vista exigente e contou que quando lá fora tomar um café em tempos, inúmeras pessoas jogavam no Casino, os mais pobrezinhos nas máquinas, os muito ricos nas mesas grandes, dos jogos mais p’r’à frentex.
-Jogos de azar, precisei, com rigor.
- De azar e de sorte, depende dos casos, respondeu com acrimónia.
Voltei às alíneas do texto sobre os nossos desfalques em quantidades descomunais, quer nos níveis das dívidas – externas e internas – quer de decréscimo económico, quer de desemprego, de emigração e omitindo outros descalabros sociais, como o decréscimo de natalidade, o envelhecimento do país, um mundo sem perspectivas, funcionando a recibos verdes, com patrões abusando, com gente enriquecendo sem prestar contas…
Mas a minha amiga estava virada para os nossos carros em excesso, os espectáculos de estrelato cheios de assistentes, os próprios supermercados bem assistidos de gente carregando carros ou cestos… Era o meu caso – eu também diariamente carregava sacos de compras, senti que as coisas não eram tão más assim e bem me envergonhava por ser tão gulosa.
Aliás, o nosso PM falou com arreganho, na semana que passou, no que tinha feito de bom – e o que fora de mau só à conjuntura o devia e aos inimigos, os opositores… E governava sozinho – e sozinho em casa ele ia continuar a governar, sempre com arreganho, sempre de punho erguido, amado pelos da sua cor, que acima de tudo desejavam que a cor não mudasse. E por muito que os das outras cores protestassem, em desejos legítimos de também virem a usufruir de iguais benesses, cá nos íamos encolhendo, na timidez do nosso aparente bem-estar de castelo de cartas sempre prestes a ruir, às ameaças de ruir sucedendo as ameaças de medidas para não ruir ainda…
Ontem o PM disse, com confiança, que a resposta à nossa crise deve ser europeia, e eu também acho que sim, e cá estou à espera da resposta europeia à nossa desfaçatez pedinchona, embora a minha amiga negue a crise, por causa dos carros da Marginal, que já resultam de manobras pedinchonas anteriores, no meu ponto de vista.
Mas o sr. Ministro das Finanças prometeu um reforço de medidas de austeridade para diminuir o nosso défice, e assim vamos andando, dia após dia, ano após ano, neste círculo vicioso, de hipoteca contínua, de esperança em certeza, de dúvida em receio. Com o “Prós e Contras” convidando gente de peso para desmontar, não a trama que nos é urdida, mas para procurar soluções de muita simpatia e afecto para a geração perdida.