sexta-feira, 24 de junho de 2011

O Susto

- E aqueles papéis cortados à tesourada? Quem é que os vai decifrar agora?
Julguei que se referisse a alguma telenovela das minhas infidelidades, tendo começado por ser adepta fervorosa da brasileira nos tempos da sua introdução cá, e acabado numa indiferença de enfastiamento:
- Não dei por nada.
- Do Sócrates. Os incriminatórios. Como é que uma pessoa vai acreditar nas gentes por cá, e na Justiça? E descobrir os enigmas das trapaças governativas? Às tantas, estes homens como o Passos Coelho apanham um susto tão grande que fogem a sete pés às responsabilidades que assumiram.
- Credo! Então para que concorreu? Ele está bem lançado! Vai pôr as coisas nos eixos. Não viu ontem em Bruxelas? No grupo da Senhora Merkel, até talvez seu novo protegido, como a Esfinge protegeu o Édipo, dando-lhe conta do segredo do seu enigma... Que a gente precisa de ser bem vista pela senhora Merkel, nossa esfinge preferida… Ainda bem que ele é jovem e bem-apessoado. Sempre é uma forma de ultrapassar os vexames da pedincha, com um exterior agradável, à falta de uma autoridade mais prestigiante.
- Acredita que ele vai conseguir?
- Ele prometeu seriedade nas contas, trabalho no Verão, rigor nas medidas… Sangue, suor e lágrimas. As lágrimas para a gente. E os feriados para ficarmos mais felizes.
- Viu aquela medida de extinção dos governadores civis? Mas são esses que têm reformas milionárias!
- Ah! Mas não são os únicos!
– declarei com experimentada convicção.
Antes que a minha amiga se alargasse em exaltações desnecessárias, chegou outra nossa amiga, que se lançou nos costumados queixumes sobre a sua saúde.
E retomámos as tristezas dos considerandos sobre o tempo que galopa. Num susto. Porque para o enigma do Além não há esfinge que valha à criatura que de manhã se move com quatro pés, ao meio dia com dois e à tarde com três. E que até às vezes se extingue sozinha em casa, abraçada à sua vida vazia. Mas não de susto.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O estado da Justiça

É de Esopo a fábula seguinte
Que tem como lugar de acção
Um Tribunal
O qual,
Embora fosse destinado
A cumprir a Justiça,
Como premissa universal
Do seu ideal,
Se mostrou desleixado
Permitindo
A crueldade e a injustiça
Como premissa
Realmente impertinente
Da sua presença:

«A andorinha e a serpente»
«Uma andorinha o seu ninho deixara,
Momentaneamente,
O qual ela fabricara
No beiral dum Tribunal.
Uma serpente até aí rastejando
Logo engolira
Os passarinhos
Que no seu lar dormiam
Muito quentinhos.
Quando voltou
A andorinha,
E encontrou
Vazio o ninho
Pôs-se a soluçar
Perdidamente,
Como quem

Muita dor sente.
Uma outra andorinha,
Sua vizinha,
Com muito amor
E amargura,

Foi consolá-la
E adverti-la
De que não só ela fora

Que seus filhos perdera.
-“Sem dúvida - respondeu esta -
Mas eu não estou a deplorar
Só dos meus filhos a morte,

Sua triste sorte,
Mas por ver espezinhar a Justiça,
No próprio lugar
Onde ela se devera
Praticar!”

A fábula mostra que a desgraça
Ataca as suas vítimas com mais rudeza,
Quando provém de quem
Não se esperaria tal crueza.»

É assim também,
Ao que se diz,
Com a nossa Justiça
À portuguesa:
Espera-se, espera-se,
E desespera-se
Porque ela falha
As mais das vezes,
Aos portugueses,
Em demoras, vícios,
Em atropelamentos
Em artifícios,
Adiamentos,
Protelamentos,
Em custas malucas,
Tão excessivas,
Em corrupção, em danação,
Em indiferença
Cruel e rude
Pela Justiça
Ideal, real,
Como deve ser
A do Tribunal.
Esperemos que mude.
Com a mudança.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Zaratustra falava assim

Já tínhamos comentado o escândalo do sangue colhido para salvar vidas humanas, metade do qual desperdiçado, incinerado, por falhas no armazenamento, e a minha amiga exaltou-se ao seu jeito exacerbado, comentando sobre os milhões que representava a importação de sangue. Também se falou nos copianços dos candidatos a juízes, nos seus exames de cruzes. E no alcance negativo das greves na Tap sobre a economia da nação…
E falou-se no texto de Pezarat Correia, que, no rastro de Ana Gomes, que ele muito admira, ao que afirmou, acusa Paulo Portas porque mentiu deliberadamente há uns anos, sobre o pretenso armamento iraquiano, após uma sua visita aos Estados Unidos. Ana Gomes limitara-se a referir os submarinos, e mais umas observações de delírio provocatório comparativo, sobre Strauss-Kahn, Correia acrescentou a questão do armamento no Iraque, inquestionável segundo Portas, que provocara a guerra que destruiria o ditador Hussein. Um mentiroso deliberado não podia, pois, ser eleito ministro, segundo Correia, indignado e esquecido.
Esquecido de que também ele mentira ao jurar defender a pátria antes dos cravos de Abril, atraiçoando as suas juras anteriores com os tais cravos. Esquecido igualmente de que o governo do Ex-Primeiro Ministro fora assente sobre alicerces de mentira e dolo e assim vivera, seis longos anos. Matando, é certo, princípios e sobrevivência, mas Pezarat fora dos que se safara, que ganhara com a sua acção de incumprimento, fora dos que sobrevivera, protegido pelo sistema, como muitos dos companheiros da destruição, convinha-lhe continuar.
Não, não lhe convinha mesmo mudar de rumo, esquecido da multiplicação dos sem abrigo, do aumento dos desempregados, do débito pátrio crescente. Um novo governo nascera, mas era preciso deitá-lo abaixo à partida, com a saliência das Gomes e dos Correias deste nosso mundo ilimitado, na pequenez de princípios.
Ia começar tudo de novo, mau grado as promessas de Passos Coelho de que não iria contra-atacar. Mas são muitos os Pezarats, são muitas as Anas das nossas pequenas saliências.
E nós assim falámos dessas e doutras coisas neste país de coisinhas. Como Zaratustra - Zoroastro nos meus tempos do liceu - falámos do Bem e do Mal, mais visível, todavia, o Mal, por cá.
Transcrevo, da Internet, princípios piedosos do Zend-Avesta que ainda hoje nos serviriam, se quiséssemos segui-los:
«Zaratustra propõe que o homem encontre o seu lugar no planeta de forma harmoniosa, buscando o equilíbrio com o meio (natural e social), respeitando e protegendo terra, água, ar, fogo e a comunidade. O cultivo de mente, palavras e acções boas é de livre escolha: o indivíduo deve decidir perante as circunstâncias que se apresentam em determinado facto. A boa deliberação, ou seja, uma boa reflexão a respeito de cada acção faz surgir uma responsabilidade social para colaborar com o projecto que Deus propôs ao mundo. Os seres humanos, portanto, possuem livre-arbítrio e são livres para pecar ou para praticar boas acções. Mas serão recompensados ou punidos na vida futura conforme a sua conduta.
Os principais mandamentos são: falar a verdade, cumprir com o prometido e não contrair dívidas. O homem deve tratar o outro da mesma forma que deseja ser tratado. Por isso, a regra de ouro do Mazdeísmo é: "Age como gostarias que agissem contigo".
Entre as condutas proibidas destacavam-se a gula, o orgulho, a indolência, a cobiça, a ira, a luxúria, o adultério, o aborto, a calúnia e a dissipação. Cobrar juros a um integrante da religião era considerado o pior dos pecados. Reprovava-se duramente o acúmulo de riquezas.
As virtudes como justiça, rectidão, cooperação, verdade e bondade, surgem com o princípio organizador de Deus Ascha, que só se pode manifestar com o esforço individual de cultivar a Tríplice Bondade. Esta prática do Bem leva ao bem-estar individual e, consequentemente, colectivo. A comunidade somente pode surgir quando o indivíduo se vê como autónomo, e desse modo pode descobrir o outro como pessoa. O ego é valorizado como fonte para o reconhecimento do próximo. Cultivado de forma sadia, o ego torna-se forte e poderoso para o homem observar a si próprio como membro da comunidade e capaz de contribuir para o bom relacionamento harmonioso com os outros seres.
Por isso, eram incentivadas as virtudes económicas e políticas, entre elas a diligência, o respeito aos contratos, a obediência aos governantes, a procriação de uma prole numerosa e o cultivo da terra, como está expresso na frase: "Aquele que semeia o grão, semeia santidade". Havia também outras virtudes ou recomendações de Ahura Mazda: os homens devem ser fiéis, amar e auxiliar uns aos outros, amparar o pobre e ser hospitaleiros.
A doutrina original de Zaratustra opunha-se ao ascetismo. Era proibido infligir sofrimento a si, jejuar e mesmo suportar dores excessivas, visto o facto de essas práticas prejudicarem a alma e o corpo, e impedirem os seres humanos de exercerem os deveres de cultivar a terra e de procriar. Essas prescrições fomentavam a temperança e não a abstinência. Assim, as exortações e interdições destinavam-se a proporcionar aos homens uma boa conduta, além de reprimir os maus impulsos.
As revelações e profecias de Zaratustra estão contidas nos Gathas, cinco hinos que formam a mais antiga parte do livro do Mazdeísmo, o Avesta. Os Gathas datam do final do segundo milénio a.C….. Originalmente, esses hinos eram transmitidos oralmente. Grande parte do Avesta original foi destruída, com a invasão de Alexandre Magno e com o domínio posterior do Islamismo. As escrituras sagradas do Mazdeísmo, o Avesta ou Zend-Avesta, como se tornaram mais conhecidas no ocidente, significam "comentário sobre o conhecimento".
O Zoroastrismo é uma das religiões mais antigas e de mais longa duração da humanidade. O seu monoteísmo influenciou as doutrinas judaica, Cristãs e Islâmicas... Como já mencionado, a base da doutrina de Zaratustra é o dualismo Bem-Mal. O cerne da religião consiste em evitar o mal por intermédio de uma distinção rigorosa entre Bem e Mal. Além disso, é necessário cultivar a sabedoria e a virtude…»
Abençoada Internet!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

“Por este mundo acima”, de Patrícia Reis

Um livro que o meu filho Ricardo exigiu que lesse, condenando as minhas inércias, as minhas fixações no leque dos clássicos, com gosto relidos, ao que ele diz ostracizando a modernidade, fechando os olhos ao progresso das técnicas narrativas trazidas pelos novos valores literários, presa ainda a conceitos que valorizam a ficção, a imaginação, os enredos bem concebidos, com o seu quê de suspense, sem mastigarem obsessivamente a psicanálise e os mundos dos conceitos, das vivências, da intelectualidade, da modernidade, com os condimentos necessários condenatórios das monstruosidades sociais, tal a pedofilia incestuosa no livro de Patrícia Reis, ou a liberdade das relações entre os amigos, sem os conceitos moralistas que presidiam, dum modo geral, à ficção tradicional.
Trata-se de uma mistura de realidade e ficção. Ficção imaginada sobre uma realidade hipotética: um cataclismo arrasador, semelhante aos muitos cataclismos que hoje em dia sucedem, quer trazidos pelas mãos dos homens, quer lançados pelas fúrias da natureza, como há milhões de anos já acontecia na Terra, ponto minúsculo na imensidão do universo em movimento. O livro não se fixa em descritivos aterradores, vai-os apontando superficialmente através das necessidades pessoais que se vão impondo, no mundo do caos estabelecido, deixando transparecer o pesadelo das monstruosidades vividas, na ausência quase total das condições para sobreviver.
E, na trama ficcional, o recomeço previsível em desconforto, de carências e memórias, listas de carências, destacadas na dinâmica narrativa, dos primeiros socorros, dos alimentos escassos, das qualidades e defeitos das pessoas mortas, bem ou mal amadas.
E as personagens vão surgindo, em farrapos de frases antigas, em evocações do narrador Eduardo, ligado ao seu universo de amizades anteriores à destruição e o clarear dos comportamentos, através dos escritos encontrados. A busca, pelos escombros, do narrador Eduardo dos seus amigos de outrora, Sofia, Jaime, Lourenço, as relações daquela com Rui, com Duarte, um retomar constante de apelos da memória, de farrapos de frases ou gestos, em técnica circular, que vão caracterizando as várias personagens desse mundo focalizado, no outrora mais ordeiro, ressalvando o relato aterrador na sua simplicidade, da relação de Sofia criança com o pai perverso, justificativa da sua rebeldia, posterior, a preconceitos…
O reaparecimento – numa técnica de estruturação circular – do texto inicial sobre Pedro menino, encontrado vivo nos escombros, morta a mãe, que sempre zelara pela sua educação, texto que indicia a importância deste na ficção, mortos os amigos de Eduardo, que em vão os procura, nos destroços da cidade arrasada.
O número 7, segundo a estrutura externa – A última caixa secreta – é em discurso directo, o diálogo com os amigos mortos, novos traços caracterizando-os de confrontações anteriores, sobre os seus conceitos, os seus trabalhos, as suas relações familiares, Sofia a confidente principal, aquela a quem todos amavam, os fantasmas dos seus mortos que o obsediam, as caminhadas em busca dos lugares passados, dos amigos mortos, as descobertas do segredo do cancro de Sofia nos cartões encontrados na sua casa, a descoberta do livro do miúdo do Lourenço – “a única esperança”, a decisão de ficar com o miúdo Pedro, que diz ter oito anos.
O número 8 da estrutura externa, como segunda parte – A vida de Pedro – inicia-se com a informação, pelo narrador omnisciente, sobre o livro que Pedro começara a escrever, sobre o cadáver de Eduardo que Pedro conduzira ao local das cremações, e, em analepse, sobre a relação de ternura e de cumplicidade entre ambos, sobre as histórias de Eduardo, sobre os gangs a que Pedro poderia ter pertencido, não fora o ter sido salvo por Eduardo, a descoberta do manancial de leitura da biblioteca pública, além da biblioteca da avó de Eduardo, os seus gostos itinerantes, e o seu olhar sobre o novo mundo, o novo apego à vida de Eduardo, pela mão de Pedro, um novo mundo em formação, o recontar de um mundo antigo de ditadura que uma revolução eliminara, a transformação de Eduardo num ser de bondade, porque “as crianças não precisam de maldade”, o pontificado deste com o seu saber, a sua memória, novo Édipo numa nova Colona em formação, que gradualmente se vai povoando com novas personagens, várias personagens, numa técnica quase diria pontilhista. Como as histórias bíblicas do Génesis.
Um livro elegante, com o charme da leveza do seu discurso saltitante, o livro do olhar, um novo olhar sobre as coisas, que vai focalizando, num renascer imperioso para um mundo novo, após o apocalipse, no primitivismo do recomeçar.


O poema do Ricardo que tenho no meu blogue – "Elevador da Glória" – será uma forma de homenagear o livro de que ele gostou, como fruto da sua sensibilidade e ternura por esse velho elevador dos seus passos diários pelos Restauradores, revelador das suas qualidades desde menino indiciadas, e que se desvaneceram (segundo as perspectivas dos que o amam), nos condicionalismos de outras aventuras libertárias, condizentes com as realidades sociais e políticas também bastante caóticas que ele atravessou na sua adolescência.
É que o Ricardo deu vida a uma personagem da vida lisboeta num poema que merece destaque - pelo descritivo sintético e conceituoso, que tanto traduz o dom de captação visualista de um real sonoro e dinâmico, como a interpretação sensível do mundo humano, no deserto das suas solidões, na simpatia das suas afeições, na eficácia da sua missão, no ranger empenhado da sua arrastada velhice. Um símbolo. Sintético.
Elevador da Glória
Sobe, lento, soa, cheio.
Guincha em seus suaves rodados.
Sobe, lento até ao meio
cruza-se, chega ao outro lado.
Une a cidade baixa pelo esforço,
até à alta.
É a glória a subir:
segue, cheio, velho, cansado.
Não esmorece um segundo,
trepa, lento; é ousado.
Sobe e sabe que, do outro lado,
espera tempo de real descanso.
Quando desce até à foz,
bem mais leve, chova ou não,
segue, lento, chama, chia,
reencontra o seu irmão,
cumprimenta, passa, desce,
traz estampada a solidão,
continua em seu rodado.
Pára, ronceiro, de supetão.


Também o livro de Patrícia Reis igualmente parece simbólico de um novo tempo que ela acha imprescindível implementar – o tempo da abertura para a consciência dos valores do intelecto e do amor.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Mesmice

- Eu só gostava de saber o que os troikas estão a comentar nesta semana de feriados e casamentos. Mas aquela câmara é rica, por ventura? Sempre foi.
Formalizei-me, no meu orgulho nacional, que não aceita peias impostas lá de fora, mas perguntei com curiosidade se os homossexuais já se viam nos casamentos do Santo António, abençoados por António Costa, já que a minha amiga está sempre a par dos acontecimentos importantes que implicam gastos vultosos dos dinheiros do nosso empréstimo e das fofocas da nossa vida social.
- O Santo António acho que não autoriza. Lá irão. Não vi as marchas. Hoje é feriado, não se trabalha. Uma semana de férias para os que partiram na véspera.
Achei que a minha amiga exagerava, é seu costume exagerar. As férias foram de quinta ao fim do dia a segunda, durante o dia. Dois dias reais, de facto, o dia de Camões e o de Santo António. Além de que tínhamos mesmo que distinguir o dia de Santo António, que se tivesse vindo morrer a Lisboa, no seu naufrágio marroquino, e não em Itália para onde foi desviado, não teria tido a projecção que teve, pregando em Pádua, o que lhe deu mais prestígio do que se tivesse vindo pregar ao seu país natal, que não vai em pregações de espécie alguma, nem nunca foi.
Foi até por esse motivo que a minha amiga falou do professor Cavaco, a propósito das nossas actuais licenciaturas:
- Licenciados aos molhinhos não arranjam emprego. Toda a gente vai para Direito, não sei se sabe. Têm que tirar doutoramento para terem alguma utilidade. O coiso já os distribuiu p’rà terra, p’ra terem alguma utilidade. Parece que agora já não precisamos do mar para nada. O gajo calou-se com o mar de repente, porque seria?
Eu também não sabia. Tudo tão utópico naquele discurso orientador, mas no improviso costumeiro, sem apontar estruturações implicando mais gastos… Da outra vez falou da necessidade do mar, desta vez da necessidade da terra, para nos safarmos… Será que ele não se lembra de como tudo fora feito, no seu tempo de ministro, de canalização de massas alheias, mal paradas muitas delas, para sabotar as nossas fontes de economia, mesquinhas que fossem, mas nossas… Temos um país de supermercados cheios de produtos estrangeiros, mas os troikas vão exigir travão no regabofe, embora disso nada se veja ainda, e só as ajudas das Misericórdias, com os usuais peditórios, revelam o caos em que estamos transformados.
De gente a viver da caridade. Destituída de autonomia provinda do seu trabalho, sem direito a participar em actividades do seu país, desrespeitada na sua condição humana.
País sem alma? A alma de sempre.

domingo, 12 de junho de 2011

Rendimento social de Inserção

A Bianca é uma moça romena que trabalha cá em casa e de mais duas amigas minhas que acreditaram nas minhas referências a respeito da sua honestidade. O resto, a diligência, a competência vai adquirindo, que já passou por momentos duros e sabe que é preciso ser boa profissional.
Ganha, pois, razoavelmente, para suprir às necessidades da sua família, composta pelo seu homem, a sua filhita, e ultimamente pelos sogros, que, vindos da Roménia, se instalaram na sua casa, sem vencimento, dependentes, pois, apenas dos ordenados do filho e da nora, e sem disposição para regressar à sua pátria. Esta nossa pátria lhes deu asilo. Não trabalham, à espera do rendimento social, têm exigências e caprichos, quando muito tomam às vezes conta da neta, recebendo na casa da Bianca a visita de outra nora desocupada, que já recebe esse tal rendimento social, e passa o tempo a coscuvilhar com a sogra, roendo na casaca da Bianca, ao que parece pouco receptiva à família que se lhe impôs, mas única, entre os vários filhos dos sogros, que tem um apartamento com mais um quarto, que teve de ceder, por respeito familiar, tradicional em toda a parte.
Mas a Bianca vai ouvindo os noticiários, sabe como o povo português anda a passar mal, com o desemprego a subir e os vencimentos inferiores miseráveis, apesar de ouvir também que os feriados permitem férias e que os portugueses não deixam de os aproveitar nas boas praias, e até com bons carros velozes, além de outros destemperos do nosso desassossego mandrião e da nossa irracionalidade pasmada.
Há dias disse:
- Este país é melhor para os estrangeiros do que para os portugueses.
- Então porquê?
E então ela contou do seu bónus, do rendimento social que recebem, ela e o marido, há pouco tempo, os cunhados igualmente, os sogros que estão à espera, os pais e outra irmã que também vivem disso, não precisando de trabalhar, o marido e os outros cunhados trabalhando sem contrato de trabalho e, a partir daí, com direito ao rendimento social, por falsas informações de desemprego. E acrescentou que todos os do seu país fazem isso, mesmo os que trabalham sem contrato de trabalho, o que se torna factor de conveniência - para os patrões que não descontam, para eles que à conta disso recebem rendimento social de inserção, a acrescentar ao vencimento sem descontos.
Uma mina. Parece que também os de cá recebem, mesmo os que nunca trabalharam, e isso lhes chega para os seus trocos, que a família providenciará para o resto das suas necessidades.
E nesta desolação de parasitismo social, acobertado por governos eles próprios parasitas, nos seus vencimentos de acumulação, enquanto vão extraindo dos impostos todos esses luxos esmoleres, vamos vivendo, educando uma juventude sem brio, sem iniciativa, vivendo parasitariamente e despudoradamente da esmola e da inércia.
Lembrei-me do Carlito, que conheci por destemperos do meu computador. É brasileiro, está neste país há um ano e meio, ganha dinheiro como técnico informático, esteve nos Estados Unidos, estudou lá inglês, aqui dá explicações de inglês, trabalha nas obras, sobrevive com coragem e eficiência, alugou casa.
Lembrei outros brasileiros que encontro por cá, simpáticos e expeditos, trabalhando, nos cafés, nas lojas… Dizem-me que os povos do Leste vêm trabalhar para aqui, competentes e decididos, onde poderiam trabalhar muitos dos nossos jovens.
Mas os nossos jovens – muitos deles – recorrem ao rendimento social, para os primeiros contactos com a idade adulta, e vão arrastando a sua situação parasitária, sem brio, sem ambição.
Sem horizonte, bem integrados num país que, de repente, ficou sem perspectiva, não parado no tempo, mas escorregando para o poço. Com excesso de velhos pesando na balança, com excesso de jovens desinteressados, abúlicos, ou sem educação. Que também essa lhes foi sonegada.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Papas, Lama

Eu julgava que só a Beatriz Costa é que se podia gabar de não ter papas na língua, como pessoa desenxovalhada, embora eu nunca tenha lido o seu livro, por limitações financeiras, à época, amortecedoras das ambições de ilustração literária, e por consequência antagonistas da expressão de qualquer tipo de acordo ou discordância relativamente à qualidade das papas de que a nossa Beatriz carecia.
Falávamos da Ana Gomes. E a minha amiga disse, também sem papas na língua, atitude que geralmente repilo, no artifício de uma discrição feita de serenidade e ponderação:
- Eu acho que ela está a fazer um papel de estúpida, mas acho o que toda a gente acha, não sou só eu. Pretensiosa, vaidosa, nesta altura em que se pretende relançar os tijolos para uma tentativa de reconstrução da casa portuguesa, vir lançar lama para cima de um deles, do mais fraco, porque o povo não dá a maioria ao seu partido, só porque o equipara ao fascismo daqueles tempos… Ela não quer mesmo salvar o país, quer só salientar-se.
Eu concordei imediatamente, lembrando a sua também ausência de papas na língua quando se tratava de apontar os erros da dependência portuguesa, no caso dos voos da CIA, por exemplo, e da utilização das Bases das Lajes, que o governo Português discretamente e humildemente negava:
- Salientar-se quis ela sempre, muito cheia de exaltação, muito enxovalhadora do seu país, muito tendenciosa e anti-patriótica, levantando suspeitas do dolo nacional, junto dos estrangeiros. Lembro-me da sua voz esganiçada, sem pejo de lançar afirmações bombásticas que me chocaram na altura.
- É vaidosa. Tinha boa impressão dela, parecia preocupada com o bem-estar do nosso povo, e ultimamente até me pareceu isenta e corajosa, nas referências críticas que implicavam o governo do seu partido, mas antes que o novo governo se comece a definir, já ela está a atacar, não para ajudar a salvar mas para o seu espectáculo e a sua fotografia.
- Ela está-se nas tintas para o país que é necessário erguer da lama. Ela não quer tirar o país da lama. Como está de fora, pode ir buscar as anomalias que contribuíram para criar essa lama, não, de facto, para tentar recuperá-lo, ou deixar que outros o façam, mas para se impor na glória do seu verbo achincalhante. Que os jornalistas acarinham, no seu patriotismo de trazer por casa.
- É para venderem mais jornais. Cada um defende o seu próprio tacho como melhor pode.
- É como já dizia o Lavrador do Gil Vicente: “Cada um péla o vilão, por seu jeito.” Só que o “vilão” passou a ser o próprio país, que por cá se educa, chafurdando.

terça-feira, 7 de junho de 2011

A hora H

Falou-se do seu discurso bem talhado, tal como era “bem talhada” a donzelinha da cantiga paralelística do poeta Afonso Sanches, filho bastardo de D. Dinis, a qual “estava d’amor ferida” porque “o que bem queria” não lhe aparecia, fazendo-a dirigir-se em refrão a Nosso Senhor para que lhe valesse: “Ai Deus, val!”, coitadinha, embora ela só se denunciasse como “coitada”: "Com’estou d’amor coitada”, ou seja a sofrer da coita de amor por quem lhe faltava aos encontros, apesar de tão “fremosinha”.
A minha amiga apreciou, pois, o discurso oratório bem talhado do nosso ex P.M., e eu, cautelosamente, não o depreciei, pois até gosto de admirar nos outros uma arte que em mim falha, além de outros dados negativos dos meus falhanços biográficos que não vêm ao caso, mas sempre fui lembrando o cansaço do repetitivo, do “déjà vu”, do muito gasto, no seu poder comunicativo, vibrando ora em insolências ofensivas aos adversários políticos, ora em requebros de vitimização, ora - como anteontem, dia da sua derrota eleitoral – em argúcias sentimentais, de renúncia a cargos e promessa de exemplaridade familiar, sempre de muito efeito na nossa população de pendor virtuoso e até melodramático, como o provam o nosso fado e os heróis de vida errante que tanto prezamos, do tipo Zé do Telhado, com quem em tempos se comparara o nosso ex P.M., só por aquele ser - ao que se diz, por influência das memórias analistas do cárcere do nosso romântico Camilo – uma alma caritativa e não só em proveito próprio, pois muito repartiu pelos pobrezinhos, depois de ter extraído as economias, geralmente pela força, aos mais abastados.
Aliás, também se falara no Robin dos Bosques, pela mesma altura, como paralelo de muito maior distinção tanto para o nosso P.M. como para nós, seu povo extremoso. Ultimamente, porém, não se falou mais em paralelos enaltecedores da caridade ministerial, por outros percalços do seu arrojo governativo. E hoje ele assumiu a responsabilidade da derrota do PS face ao PSD e foi bonito de ouvir, fez parte da sua arte comunicativa, devidamente posta em relevo pelos seus adeptos comovidos.
Mas, de facto, o que a minha amiga acentuou foi a oportunidade que o nosso ex PM teve de se safar em boa altura, com a carne que recolhera fartamente, e deixando os ossos duros de roer para os que não se poderão furtar a roê-los, se tiverem dentes para isso.
- Ele saiu na hora H, disse ela. Saiu contente, sem pesos na consciência, segundo informou.
Mas imediatamente lembrou que não podia alargar-se neste tipo de comentário, receando que um céu sinistro lhe caísse em cima da cabeça, tal como Abracourcix receava, e devemos prever todas as possibilidades do destino e acreditar no previdente chefe gaulês dos queridos Uderzo e Goscinny, que preencheram de encanto as adolescências dos nossos filhos, e as nossas idades adultas por arrastamento.
Por isso, escrupulosamente, a minha amiga mudou de assunto. E eu mudei com ela, que também às vezes jogo à defesa, não a cantar o fado, como fazia o Carlos Ramos com a sua linda voz, quando a tristeza o invadia. Preferimos rir.
Em jeito de auto-estima, enquanto não chegam mais ossos descarnados às nossas vidas e às dos que amamos.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O sítio dos olhos

Os Franceses tiveram, nos seus muitos autores,
Entre os melhores,
Um La Fontaine que, com as suas fábulas,
De recorte excelente,
Conselhos lhes deu
Que os ensinou,
E os moderou,
E os fez ponderar
No valor do pensar,
Para o seu dirigente
Poder governar.
É certo que também nós, Portugueses,
Nos podemos gabar
De, num Sá de Miranda, Ferreira ou Camões,
E mais escritores,
Podermos colher
Ensinamentos preciosos
E estimulantes,
Que não prezamos
Por sermos indiferentes.
Auto-suficientes.
Impertinentes.
Questão de educação,
Mais do que de outra qualquer razão.
Já veremos qual foi o ensinamento excelente
Que nos traz a fábula “A cabeça e a cauda da serpente”:

«A serpente tem duas partes distintas
Do género humano inimigas -
Cabeça e Cauda; e ambas adquiriram um nome famoso
Entre as Parcas cruéis.
Tanto que entre elas, outrora,
Surgiram debates sem roque nem rei,
Sobre o seu andamento reptante:
A Cabeça tinha marchado sempre à frente
Da Cauda, e esta ao Céu se queixou,
Como sempre lhe agradou:
E disse-lhe: “Faço inúmeras léguas.
Julgará ela que eu queira andar assim
Como serva humilde de sua Alteza,
Como quem se não preza?
Ambas do mesmo sangue,
Tratai-nos do mesmo modo!
Também eu tenho, como ela,
Um veneno pronto e poderoso.
Enfim, eis o meu pedido,
Cabe-vos ordenar
Que seja eu a preceder
A Cabeça minha irmã,
Na forma de rastejar,
Conduzi-la-ei tão bem
Que ninguém
Se vai queixar.”
O Céu satisfez tal desejo, sem pejo
E mesmo com cruel bondade.
Muitas vezes a complacência tem efeitos
De grande insanidade.
Deveria ser surdo aos cegos desejos.
Mas não foi. E a nova guia,
Que não via, de dia,
Mais claro que num forno,
Tropeçava ora num mármore,
Ora num passante, ou numa árvore.
Direita às ondas do Estígio
Ela levou a sua irmã.
Infelizes os Estados
No seu erro caídos!
Serão perdidos.»

E eis aqui a nossa imagem
Trazida pela democracia,
Ou pela “Grândola morena”,
De que é o povo que ordena,
O povo – as bases, a cauda da serpente –
Com os seus direitos equivalentes
Aos da cabeça dirigente.
O nosso rei actual
Como já o anterior,
Tem uma dívida a pagar
Que exige que vá trabalhar
Para a dívida resgatar,
E simultaneamente,
Para dar trabalho a muita gente.
O novo governante tudo promete,
E talvez ele possa cumprir,
Para o país não falir.
Mas o povo, indiferente,
Como a cauda da serpente,
Vai malhando contra as coisas,
Fazendo greves, destruindo
O pouco que há para destruir,
Indiferente aos compromissos
Assumidos,
E ao país em vias de extinção,
Que não tardará a penetrar
No Estígio da sua perdição.
Porque os demais partidos
Vão instigando, manipulando,
Deseducando
O povo incompetente,
Que, como a Cauda da serpente,
Decide que tem igual direito,
De governar.
Nada a fazer.
Leiamos, para provar
Que tal como os Franceses
Os Portugueses
Poderiam ter aprendido
Se tivessem estudado,
- Pois não lhes faltaram professores
Bons orientadores -
O que disse Sá de Miranda
A respeito deste tema
Da necessidade da Cabeça
Para melhor dirigir:

“Um rei ao reino convém;
Vemos que alumia o mundo;
Um sol, um Deus o sustém;
Certa a queda e o fim tem
O reino onde há rei segundo.

Não, ao sabor das orelhas,
Arenga cuidada e branda;
Abastem as razões velhas:
A cabeça os membros manda:
Seu rei seguem as abelhas.

A seu tempo o rei perdoa;
A tempo o ferro é mezinha:
Forças e condição boa
Deram ao leão coroa
Da sua grei montesina”.

Infelizmente,
Dos avisos não somos seguidores
Nem da ordem respeitadores,
A não ser a dos manipuladores
Que do povo se pretendem salvadores
E o país vão conduzindo, parolamente
E impunemente,
Para o Estígio.
Como a Cauda da serpente.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

E então a Junta?

Raramente conseguimos silenciar facetas dos eventos diários nacionais, na nossa bica fofoqueira, sobretudo as que nos ferem mais as sensibilidades educadas em valores que as mudanças políticas e sociais foram eliminando gradativamente.
Hoje falou-se da esperteza de Passos Coelho que, quando as sondagens o aproximavam de Sócrates, se mantinha modestamente pouco exigente nos pedidos de votos, aceitando a maioria com o CDS-PP para governar a nação. Nessa altura era Paulo Portas que parecia inchado, os seus companheiros de partido, e ele próprio, falando já em elevá-lo a primeiro ministro, facto que intimamente me deslumbrava, achando que, como pessoa inteligente e já longamente amadurecida nas tramas da política, com uma seriedade moral que, tal como a de seu irmão Miguel Portas parece credível, além de não se furtar ao estudo e trabalho que um cargo de tanta responsabilidade política exige, ele teria todo o direito de assumir tal cargo, desde que fosse responsável o dirigente do PSD, pondo a salvação da Nação acima das suas vaidades e ambições pessoais, que terão o seu tempo de realização, Passos Coelho não parecendo, no seu discurso moralista, sem grande precisão ainda nos dados ideológicos e pontuais - que adquirirá, certamente, com a experiência – não parecendo, digo, preparado ainda para assumir tantas responsabilidades de um país desgovernado, que tem dívidas a saldar e que tem de desenvolver difíceis meios para o conseguir.
Parecia-me que a Portas – a ambos os Portas - não faltavam as capacidades destacadas outrora por um grande poeta nosso como imprescindíveis – “honesto estudo, longa experiência, engenho” – a que acrescento a tal “seriedade” – indispensáveis para levar a empreitada da salvação do país a bom porto. Por isso, a seu tempo, se falara em Junta de Salvação Nacional.
Mas o povo parece ter mudado de parecer, ter aberto finalmente os olhos a respeito da governação que desgraçou o país, e se prepara para eleger Passos Coelho.
E Passos Coelho, mais confiante na vitória e menos humilde na ambição, já não pede só a maioria – a dois – quer a maioria absoluta, quer o bolo todo para ele, tal como Sócrates, aparentemente para ter sozinho a glória da salvação nacional – ou pessoal - sem Junta a atrapalhar.
Como sempre, o “Vanitas vanitatum, et omnia vanitas”, a provar que nem a experiência da desgraça, trazida por uma governação de tanto dolo, de tanto engano, modera os triunfadores actuais, num pensamento mais cordato, menos ambicioso, de real empenhamento para salvar um pequeno país de vetusta idade e de ampla história.
Que é dela, a Junta, que unisse no mesmo barco pessoas dos diferentes partidos, que desejam, de facto, salvar a pátria portuguesa, Jerónimos, Louçãs, os irmãos Portas , os bons do PS, do PSD, a Heloísa Apolónia…
Que é dela, da Junta?
E só o provérbio nos acode, do gato escondido com o rabo de fora. Que é, como quem diz, as garras.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Corridas

- Ferreira Leite disse que não estava ali para escolher um primeiro ministro, mas sim para correr com este. Ela foi muito franca. Eu tenho a impressão de que toda a gente ficou espantada. Ninguém esperava que ela fosse dizer aquilo. Ela até pediu desculpa ao Passos Coelho. Evidentemente que lhe deu um grande apoio. Ela disse isso tudo, não era preciso dizer mais nada. Que ele tem apoio dela, tem.
Aí, eu rebati. Achei que não tinha tanto apoio assim, que se eu fosse o Passos Coelho até me sentiria enxofrado com a deselegância de ouvir dizer na minha cara que ela não vinha para me eleger ministro mas para correr com o outro, se possível fosse, até da oposição.
Foi muito brutal quanto a mim, Manuela Ferreira Leite, mas viu-se que tem fibra, ao mostrar-se tão sincera diante de tantas pessoas, não só relativamente a José Sócrates, que, aliás, há muito o tem revelado, mas agora relativamente a este moço em ascensão, não sei se pela mão de algum poderoso do seu partido. Que as promoções são coisa da nossa natureza, desde que possa, e por isso até se diz que Sócrates fez uma data delas, à sorrelfa.
O Passos Coelho ouviu educadamente, sorrindo, já que ele aparenta ser educado e saber ouvir, pelo menos agora, enquanto está a pedir que o escolham, mas não sei se quando for ministro não votará a Manuela Ferreira Leite ao ostracismo, para castigo da brutalidade verbal desta antes de ele ser aquilo a que aspira, brutalidade reveladora de que há aspectos na personalidade de Passos Coelho que ela aceita mal, inteligente como é, tal como outros do seu partido, como Pacheco Pereira, o que eu acho mal, agora que precisamos de unir esforços, mesmo que não seja tão para bem da Nação como se desejaria, porque há muitas lacunas, por todo o lado.
Era, de facto, preciso que todos se unissem e guiassem o Passos Coelho, em vez de o agredirem, pois ele diz-se honesto, que é do que se precisa por cá. Para que não se deixe corromper pelo fascínio do poder ter, coisa que mais tem acompanhado os governantes daqui, de há trinta e tal anos para cá, como lepra que nos vai roendo, carcomendo, desfigurando, desfibrando , desfeando, golpeando, sem parança.
Eu preferia, todavia, que, em vez de ostracizar Ferreira Leite futuramente, para castigo do seu atrevimento discursivo, ele a escolhesse para um bom cargo ministerial, que a fizesse tomar conta da nossa nau, carregada não de ouro, canela, marfim, e menos de florete de espadachim, por falta de mosqueteiros, mas carregada de dívidas difíceis de saldar, se não escolherem alguém decente que cumpra os compromissos e saiba como fazê-lo, preferivelmente sem tanto desfalque sobre o povo.
Mas reconheço que tais desejos não passam de pobres miragens que logo se desvanecerão, segundo a minha amiga que insiste na sua frustração e que continuou no seu comentário:
- Ninguém quer largar o tacho, e a maior parte das pessoas não examina o cancro da governação de mentira. Agora, quando os economistas falam, assustam a gente até à quinta casinha. Eles dizem o pior, dizem o que nós nunca tínhamos ouvido. Aquela minha amiga, que nunca falou destas coisas disse-me : “Mas olha lá, a gente vai parar onde?” Ora, mas aquelas almoçaradas… Eu se fosse ao Passos Coelho, fazia exactamente o contrário do Sócrates, que arrebanha o povo e oferece umas prendas. Ofereceu aos miúdos uma mochila com comida lá dentro.
Eu ainda comentei que isso da mochila era uma coisa mais palpável do que a promessa dos duzentos euros no banco para os dezoito anos dos nascituros de agora, e que até podia servir para os recolher do banco, nessa altura, ou os dos filhos deles, mas a minha amiga cortou-me a palavra, que ela é que lê estas notícias dos escândalos de aliciamento e trapaça:
- São todos iguais. Menos o Portas. Também não tem estatuto. Comeu sardinhas. O povo deve pensar assim: “Se eles comem à fartazana, a gente também tem direito.” Dá vontade de dizer: “Já basta tanto arraial!”
Mas eu redargui que o arraial nos estava no sangue. E assim o fado, também já muitas vezes o frisei.