sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O bolsão

É tempo de relembrar
O Auto da Barca do Inferno
Que entre os vários passageiros
Para o Inferno
Conta com um Onzeneiro
- Agiota ou usurário –
A quem Saturno deu quebranto
Na safra do apanhar,
Nem tempo tendo sequer
Para o corromper com dinheiro
Ou mesmo só o barqueiro
Da Glória, que por ser sério,
Achou ironicamente
Que o bolsão do Onzeneiro
Não cabia no navio
Embora fosse vazio,
- Tristemente replicou
O pobre do Onzeneiro
Que à Terra quis voltar
Para ir buscar
Dinheiro com que fartar
O infernal barqueiro
Para que este lhe não batesse
Ou gritasse
Como um arrais do Barreiro
Sem qualquer ronha ou vergonha.

“Auto da Barca Do Inferno”
De Gil Vicente:
«…………..«Onz. Pêra onde caminhais?

Dia. Oh! que má-hora venhais,

Onzeneiro, meu parente!
Como tardastes vós tanto?

Onz. Mais quisera eu lá tardar...
Na safra do apanhar
me deu Saturno quebranto.

Dia. Ora mui muito m'espanto
nom vos livrar o dinheiro!

Onz. Solamente pêra o barqueiro
nom me leixaram nem tanto...

Dia. Ora entrai, entrai aqui!

Onz. Não hei eu i d'embarcar!

Dia. Oh! que gentil recear,
e que cousas pêra mi!

Onz. Ainda agora faleci,
Leixa-me buscar batel!
Pesar de São Pimentel,
Nunca tanta pressa vi!
Pêra onde é a viagem

Dia. Pêra onde tu hás-de ir.

Onz. Havemos logo de partir?

Dia. Não cures de mais linguagem.

Onz. Pêra onde é a passagem


Dia. Pêra a infernal comarca.

Onz. Dix! Nom vou eu em tal barca.
Estoutra tem avantagem.

Vai-se à barca do Anjo e diz:

Hou da barca! Houlá! Hou!
Havês logo de partir?

Anjo E onde queres tu ir?

Onz. Eu pêra o Paraíso vou.

Anjo Pois cant’eu mui fora estou

De te levar para lá.
Essa barca que lá está

Vai pêra quem te enganou.

Onz. Porquê?

Anjo Porque esse bolsão

Tomará todo o navio.

Onz. Juro a Deos que vai vazio!

Anjo Não já no teu coração.

Onz. Lá me fica de rodão
Minha fazenda e alhea.

Anjo Ó onzena, como es fea
E filha de maldição!

(Torna o Onzeneiro à barca do Inferno e diz:)

Onz. Hou lá! Hou demo barqueiro!
Sabeis vós no que me fundo?
Quero lá tornar ao mundo

E trarei o meu dinheiro.
Aqueloutro marinheiro,

Porque me vê vir sem nada,
Dá-me tanta borregada

Como arrais lá do Barreiro.

Dia. Entra, entra! Remarás!
Nom percamos mais maré!


Onz. Todavia...

Dia. Per forç'é!
Que te pês, cá entrarás!


Dia. Irás servir Satanás
Porque sempre te ajudou.

Onz. Ó triste, quem me cegou?

Dia. Cal-te, que cá chorarás. ……………»

E afinal
Porque digo eu que é crucial
Lembrar o nosso Onzeneiro?

Porque este tempo europeu
Apanhou com gana infernal
Os povos que não quiseram
Nem souberam
Usar o dinheiro emprestado
De modo mais adequado.
Uma Europa que largou
O seu dinheiro europeu
Com usura e falcatrua,
E sobretudo a Alemanha,
A qual sem nenhuma manha
Mas com a força do seu poder
Faz que abre os cordões à bolsa
Para melhor enganar
Os povos a quem empresta
Dinheiro abundantemente.
E os juros que pagarão
São de tal forma excessivos
Que aqueles não mais erguerão
A cabeça nem os pés
No atoleiro da dívida
A uma chanceler bêbada
Do seu poder ilimitado
Tresloucado,
Que não se importa de esmagar,
Como já fizera
Em tempo de guerra, Hitler,
Com ditadura e bestialidade,
Agora, em tempo de união aparente,
Merkel, tranquilamente,
Carregando o seu bolsão
Feito de usura e a mesma ferocidade,
Por muitos beijos que distribua
Angelicalmente
Pelos deputados da sua União.
Também Hitler tinha predilecção
Por um cão.

Ó onzena como és feia
E filha de maldição!”

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Quadras saturnianas

- Ainda me lembro quando eu fiz de anjo, era eu e a Maria Silva. Gostava de voltar ao Carregal, para ver a Maria Silva.
- Ó mamã, mas a Maria Silva já não existe!
Admirou-se, presa às suas evocações da festa em que ia vestida de anjinho ao colo do pai. A Maria Silva também ia ao colo do pai dela, mas ela foi a primeira a ser içada para o colo do seu pai, explicou com a satisfação de quem se habituou a reivindicar prioridades e importâncias, o pai tendo herdado a maior parte dos seus bens de morgado de casa abastada, com fartura de terras, juntas de bois, rebanhos, e a égua que o transportava.
E a reza do “Padre-Nosso pequenino” seguiu-se à descrição de quando era muito pequena, mas maior que o filho do Artur, o Sebastião, pois já falava, embora não localizasse a reza nas alturas da procissão:


“Já os galos cantam, cantam
Já os anjos se levantam,
Já Nosso Senhor vai na Cruz
Para sempre ámen, Jesus.”


- Eu fui duas vezes vestida de anjo, os meus irmãos iam comungar. Nós éramos para passar ao pé das velas e das imagens no camarim, era muito lindo.
E as recordações deslumbradas acodem, da vez em que, para imitar os homens que estavam a matar o porco, a prima dela, Gracinda, e o seu irmão Carlos foram buscar uma faca e uma galinha que mataram para treino de vida futura.
Lembra ainda o casamento do irmão Manuel com a Rosinda, no qual se ajustou o noivado do irmão Américo com a Maria José, irmã daquela, os quais depois partiriam para Moçambique, já casados:
- O meu irmão Manuel era um artista muito grande. No casamento dele matou-se uma vitela muito grande, encheram-se várias padelas …
Assim como vive presa ao seu passado no lar paterno, também os sabores lhe vêm, numa revivescência de quem preza ainda a comida saborosa, talvez avivada pelos programas televisivos sobre a cozinha portuguesa.
Mas a consciência das realidades frustrantes ou enganadoras lhe acodem nos cantares seguintes:

Quando eu era rapaz novo
Trazia sapato branco.
Agora que sou velhinho
Nem sapato nem tamanco.

Toda a vida fui pastor
Toda a vida guardei gado
Tenho uma chaga no peito
De me encostar ao cajado.


- Esta é alentejana. Agora já não se ouve ninguém cantar nas terras.
- Como sabes, se não estás lá?
Mas a minha mãe não está completamente alheia às questões da desertificação dos campos, e fala com consciência nas mudanças. E seguiu-se a referência aos cantares ao serão, imagem dos trabalhos finais do dia, ou as cantiguinhas maliciosas sobre os amores no recato da noite escura:

Ai ciranda, ai cirandinha,
Nós vamos a cirandar
Com esta estriguinha e outra
Depois vamo-nos deitar.

Ai ciranda, ai cirandinha
Eu hei-de ir ao teu serão
Fiando uma maçaroca
Do mais fino algodão.

O sete-estrelos vai alto
Mais alto vai o luar
Mais alta vai a ventura
Que deus tem para nos dar.

- Ó luar da meia-noite
Quando hás-de cá voltar?
- Agora não, que faz escuro,
Deixa dormir o luar.


E a minha mãe conclui amplamente, como que apanhada pelos desfalques na sua memória, a caminho dos 105, única que resta já dessas figuras do seu passado familiar, com quem fala diariamente, nos reencontros da sua ternura.
- Havia muitas cantigas, mas estou desactualizada. Eu sabia, mas varreu-se-me da memória.
E hoje que são os 41 anos do Artur e os 6 da Beatriz, tio e sobrinha, meu filho e minha neta, neto e bisneta da minha mãe, lembrei-me de lhes contar estas histórias simples de um viver de outrora agora, histórias de uma vida e de uma saudade, largamente em relevo, para nosso espanto.
Como bênção protectora, um pai-nosso pequenino que se derramasse sobre o filho e a neta hoje aniversariantes, e sucessivamente sobre os meus filhos e cônjuges e netos, na estrada que Saturno vai desenrolando.

domingo, 25 de setembro de 2011

Na cola

Alberto João Jardim
No seu papel de comediante
Lembra-me vagamente
Uma fábula de Esopo
Que acabo de ler e traduzir
Para melhor se perceber.
É a fábula d’ “O cão atrás do leão”:
Tal como a Madeira
Brejeira, estrangeira,
Atrás do “Continente”
Português e valente,
Como antigamente:

«Ao avistar um leão, um cão de caça,
Ambicionando a peça,
Pôs-se a correr atrás dele.
Mas bastou que o leão se voltasse
E rugisse,
O cão, com medo da mossa,
Deu logo
Às de vila Diogo.
Uma raposa atrevida,
Sem papas na língua
Disse-lhe, ao vê-lo
Em atitude indigna
Dum cão de caça de raça:
“Pobre cãozinho atrevido,
Que diz que faz!
E querias tu caçar o leão
Quando nem sequer foste capaz
De lhe suportar o rugido!”
Esta fábula poder-se-ia aplicar
A qualquer arrogante
Que arma questões
De forma fremente
Com outro mais valente,
E logo vira a casaca
Quando este lhe faz frente.»

Foi exactamente
O que me lembrou a expressão de Jardim,
Que, para evitar
Entrar em esclarecimentos
Sobre as suas dívidas multimilionárias,
Anda na cola
Da rapaziada do Continente,
Não a pedir esmola
Mas a exigir altivamente
A sua ilha independente,
Achando que dela fizera
Uma ilha auto-suficiente,
Quando sabemos que aquilo que lá foi feito
Foi à custa do Continente
Embora também
Do despotismo falsamente esclarecido
Embora bastante prolongado
Do arrogante Jardim insulado.
É certo que a exigência
Da independência
Foi feita por brincadeira,
Logo recuando na asneira
Ao lembrar que o tal Leão,
De quem ele anda na cola,
É quem lhe dá provisão,
Para as suas patuscadas
E as do seu povo agradado
De entrar nas comezainas,
Sem pensar que o seu patrão
Devia ser mais educado
Mais patriota e eficaz,
Nas contas a bem da Ilha
Segundo ele diz que faz.
Mas não passam de armadilha
Ou de patranha tamanha
Os gastos feitos na Ilha,
Ó minha filha!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

“Agora fecha tudo. Não abre nada”

Falava-se em doentes com Alzheimer necessitados de uma casa de repouso para passarem o dia e deixarem os familiares descansar para os poderem acompanhar melhor durante a noite.
- O mal dos centros de dia é que não servem para doentes de Alzheimer. Têm a porta aberta. Ninguém se pode responsabilizar por eles – explicou a minha amiga.
- Mas não há centros específicos para esses doentes? – pergunto, inexperiente ainda destas mazelas tão comuns às tendências bafientas da nossa nacionalidade.
- Aqui perto há um, em Alapraia. Está fechado. Custou uma barbaridade. Com tudo do melhor. Mas não abre. Agora fecha tudo – conclui, melancólica.
- Então e os doentes?
- Ficam em lista de espera.
- Mas não se podem tentar outros centros?
- Os centros têm que ser da zona do doente. E os doentes de Alzheimer aumentaram tanto, tanto, neste país! … Mas não há nada para ajudar as famílias com menos proventos.
Mas a lúgubre conversa de repente esbate-se, ante os roncos do motor do camião do lixo parado a poucos metros, roncos prolongados no tempo de içar, despejar e voltar a colocar os enormes contentores subterrâneos do lixo ecológico.
A minha amiga, que há muito vem estranhando o extraordinário dispêndio que tal lixo ecológico deve custar ao nosso país, estabelece imediata conversa com a dona do café.
- Lixo de luxo! Tiram todos os dias? – pergunta, incrédula.
- Todos os dias! – responde a dona do café, de natural sorridente e meigo.
- Mas aquilo enche-se assim?
- Julgo que não. São quatro ou cinco rectângulos, cobrindo os contentores de uns três metros de fundura. Não vejo que se possam encher diariamente!
Mas acho que a senhora se enganou, a respeito das nossas realidades de luxos e de lixos, merecedoras de despesa colossal e de trabalho árduo diário. Trabalho de Hércules.
Felizmente que encontramos sempre paralelo nos clássicos. Mesmo que sejam míticos, o que lhes dá mítica universalidade.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Paul

O exemplo da fábula abaixo,
Do poeta La Fontaine,
Aplica-se perfeitamente,
Acho,
Ao Jardim da nossa Madeira,
Ou vice-versa
À Madeira do nosso Jardim,
Este, da Raposa afim,
Em subtileza e matreirice,
Com sua cauda protectora
Contra qualquer varejeira,
Que o sangue lhe cobice
O que é grande vigarice.
Quanto ao Ouriço dos picos,
Que se propõe ajudar
Os meneios ricos
Do Jardim sem escrúpulos,
Esse é qualquer um,
Cem mil, nenhum,
Dos bons samaritanos
Que os há sempre, nestes casos.

«A Raposa, as Moscas e o Ouriço»
«No rasto do seu sangue, dos bosques hóspede antigo,
Raposa esperta, subtil e manhosa,
Por caçadores ferida, e caída na lama
Pegajosa,
Atraiu outrora o parasita alado
Que por nós foi Mosca chamado,
O qual logo a foi sugar
Sem se fazer rogar,
E lhe chamou um figo.
Ela acusava os Deuses, e achava indecoroso
Que a Sorte a tal ponto a quisesse afligir,
E a fizesse de pasto às Moscas servir.
“O quê! Lançar-se sobre mim, o mais hábil,
O mais asqueroso,
De todos os hóspedes da floresta mesta!
Desde quando as raposas são um tão bom repasto?
E de que me serve a cauda? Será um peso inútil?

Ou fútil?
Vamos, que o Céu te confunda, importuno animal!
Porque não te lanças tu sobre o trivial?”
Um Ouriço da vizinhança,
Nos meus versos personagem inédita,
Quis libertá-la da malvadez
De um povo tão cheio de avidez:
“Eu vou com os meus dardos enfiá-las às centenas,
Vizinha Raposa, e acabar com as tuas penas”.
“Livra-te, respondeu esta, amigo, de o fazer:
Deixa-as, suplico-te, acabar de comer.
Estes animais estão bêbados: um novo batalhão
Sobre mim se abateria, mais áspero e comilão.”

Demasiados comilões topamos cá na Terra:
Uns são cortesãos, outros magistrados.
Aristóteles aos homens este apólogo explicaria
Sem fantasia:
Os exemplos são vulgares,
Sobretudo num país como o nosso.
Quanto mais cheios os homens estão,
Menos importunos são.»

É ou não verdade, sim,
Que o alegre Jardim
Anda mordido actualmente
Pelas Moscas impertinentes,
Absorventes,
Que o querem sugar avidamente
Zelosas dos bons costumes?
Ó Numes!
Pois não são também assim
Como o Jardim
As Moscas castigadoras,
Sugadoras,
Mistificadoras,
Com rabos-de-palha
Por onde calha?
E os Ouriços prestimosos
Querendo ajudar,
E apenas ajudando
A chafurdar,
A levantar mais poeira,
Rosnando, lembrando,
Qual curral de Augias a necessitar
De uma força hercúlea para o limpar…
Mas não há maneira.
Que quanto mais se chafurda na lama
Mais mal ela cheira,
Segundo a fama.
E segundo o fabulista francês,
Na sua moral de artista,
- De fadista, se for português -
É melhor ignorar,
Deixar assentar,
Para assim impedir
Que os grandes comilões
Renovem os stocks das suas provisões.

Mas só para rir.

domingo, 18 de setembro de 2011

Perenidade

Há dias, foi uma nossa amiga, das que falam em voz alta e profusa, com a autoridade de um poder económico lisonjeiro, que, regressada do seu passeio à Madeira, falou no buraco:
- Não sei se há buraco, mas que aquilo está um espanto de beleza e eficiência, não tenho dúvidas!
E contou das coisas boas que a Madeira tem, os túneis para as travessias, o bom gosto nos gastos…
Ontem de manhã foi a minha amiga que, a propósito do buraco de que se fala, mesmo a imprensa estrangeira, não se sabe se com repercussões sobre as relações do Governo com a troika, lembrou a personagem Jardim, o discurso de Jardim, sempre achincalhante para “os de Lisboa” – “Era melhor ir p’r’ós de Lisboa p’r’a ser gasto à tripa forra! …” afirmara ele. E concluiu:
- Mas isto é uma anedota daquelas que sendo trágica, dá vontade de rir… “Agora venham os de Lisboa dizer que têm gente capaz de governar como aqui se fez, criando condições e escolas…” – disse ele, entre outras coisas.
Eu então lembrei que ele não embarcara na reforma educativa como cá, protegendo os professores dos enxovalhos socráticos.
Também a Ana Paula, outra nossa amiga matinal, se referiu ao buraco do Jardim, ou ao Jardim no buraco, reconhecendo que o dinheiro fora gasto nas obras sociais:
- Ninguém lhe tira o valor. Mas a forma como se refere aos do Continente é muito acintosa.
A minha amiga insistia na questão do buraco:
- Agora pergunta-se: Será que os governantes não deram por nada?
Eu achei que sim, que podiam ter dado, mas que lhes convinha fingir que não davam, na safra em que viviam de esconder os seus próprios buracos.
Mas a Ana Paula deu precisões:
- Nem sei o que haverá mais. Este dos mil milhões foi ao nível da CGD. Se houver uma auditoria aos outros bancos podem-se descobrir mais buracos. Ainda não apareceu tudo.
- Vamos sabendo aos poucos
- concluiu a minha amiga – para a gente ir aguentando.
- Uma espécie de soro na veia -apoiei eu, que tenho muita fé no soro para a recuperação dos organismos.

E a Ana Paula, que é filha de médico, falou então nos abusos de cá, ao nível dos hospitais:
- 20% de desperdício. Ele eram Tacs em vez de raios X, ressonâncias magnéticas caríssimas… Agora estamos nos extremos: se não forem os familiares a ajudar, a darem a comida…
Falou-se na gordura do Estado que este Governo pretende limpar, com os cortes ao despesismo e referimos Mário Soares, que também os apoia, mas que vai falando em aumento de impostos e redução nos salários como fizeram em Espanha, julgamos que para que se não toque na sua Fundação.
A minha amiga há muito que pergunta sobre a utilidade da Fundação Soares e pensa que agora é que ela vai ao ar.
Mas está enganada. Pois Soares continua na berra, a dizer dos seus ditames. Vazios. Cairemos todos antes da Fundação. A Fundação não cairá, bom esteio do que somos. Como um estigma. Tal como a Abóbada da Casa do Capítulo do Mosteiro da Batalha que Mestre Afonso Domingos ergueu, sobre a ruína da de Mestre Ouguet.

Mas esta não foi estigma, foi glória. Mudaram os contextos.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Leucemia

Chegou-me por e-mail o estudo que transcrevo, pleno de informação (in)conveniente, reconhecida e profusamente já expendida por tantos dos nossos cérebros esclarecidos ou menos alienáveis pelas razões que impelem tantos outros a segui-las - de oportunismo, de cobardia, de interesse - os tais da transumância, na erudita expressão de Pacheco Pereira.
Um texto que poderia esclarecer melhor todo um povo, pouco preocupado, todavia, com esclarecimentos que ultrapassem a defesa dos hábitos alimentares das nossas gorduras, ou os hábitos consumistas das nossas misérias espirituais ou afectivas.
Todo ele é importante, e até mesmo os nossos ex-lavradores e os nossos ex-pescadores o poderiam reconhecer na sua exactidão. Se o lessem. Se soubessem ler. Apenas faltou a referência aos Magalhães do nosso ensino de brinquedo, como uma das aplicações dos empréstimos obtidos. Talvez seja um texto antigo, nada perdendo, contudo em actualidade.
Ei-lo:

«O conhecido sociólogo e filosofo francês Jaques Amaury, professor na Universidade de Estrasburgo, publicou recentemente um estudo sobre “A crise Portuguesa”, onde elenca alguns caminhos tendentes a solucioná-la.
“Portugal atravessa um dos momentos mais difíceis da sua história que terá que resolver com urgência, sob o perigo de deflagrar crescentes tensões e consequentes convulsões sociais.Importa em primeiro lugar averiguar as causas. Devem-se sobretudo à má aplicação dos dinheiros emprestados pela CE para o esforço de adesão e adaptação às exigências da união.Foi o país onde mais a CE investiu “per capita” e o que menos proveito retirou. Não se actualizou, não melhorou as classes laborais, regrediu na qualidade da educação, vendeu ou privatizou a esmo actividades primordiais e património que poderiam hoje ser um sustentáculo.Os dinheiros foram encaminhados para auto estradas, estádios de futebol, constituição de centenas de instituições público-privadas, fundações e institutos, de duvidosa utilidade, auxílios financeiros a empresas que os reverteram em seu exclusivo benefício, pagamento a agricultores para deixarem os campos e aos pescadores para venderem as embarcações, apoios estrategicamente endereçados a elementos ou a próximos deles, nos principais partidos, elevados vencimentos nas classes superiores da administração publica, o tácito desinteresse da Justiça, frente à corrupção galopante e um desinteresse quase total das Finanças no que respeita à cobrança na riqueza, na Banca, na especulação, nos grandes negócios, desenvolvendo, em contrário, uma atenção especialmente persecutória junto dos pequenos comerciantes e população mais pobre.A política lusa é um campo escorregadio onde os mais hábeis e corajosos penetram, já que os partidos cada vez mais desacreditados, funcionam essencialmente como agências de emprego que admitem os mais corruptos e incapazes, permitindo que com as alterações governativas permaneçam, transformando-se num enorme peso bruto e parasitário. Assim, a monstruosa Função Publica, ao lado da classe dos professores, assessoradas por sindicatos aguerridos, de umas Forças Armadas dispendiosas e caducas, tornaram-se não uma solução, mas um factor de peso nos problemas do país.[Não existe partido de centro já que as diferenças são apenas de retórica, entre o PS (Partido Socialista) que está no Governo e o PSD (Partido Social Democrata), de direita, agora mais conservador ainda, com a inclusão de um novo líder, que tem um suporte estratégico no PR e no tecido empresarial abastado. Mais à direita, o CDS (Partido Popular), com uma actividade assinalável, mas com telhados de vidro e linguagem publica, diametralmente oposta ao que os seus princípios recomendam e praticarão na primeira oportunidade. À esquerda, o BE (Bloco de Esquerda), com tantos adeptos como o anterior, mas igualmente com uma linguagem difícil de se encaixar nas recomendações ao Governo, que manifesta um horror atávico à esquerda, tal como a população em geral, laboriosamente formatada para o mesmo receio. Mais à esquerda, o PC (Partido comunista) vilipendiado pela comunicação social, que o coloca sempre como um perigo latente e uma extensão inspirada na União Soviética, oportunamente extinta, e portanto longe das realidades actuais.]Assim, não se encontrando forças capazes de alterar o status, parece que a democracia pré-fabricada não encontra novos instrumentos. Contudo, na génese deste beco sem aparente saída, está a impreparação, ou melhor, a ignorância de uma população deixada ao abandono, nesse fulcral e determinante aspecto. Mal preparada nos bancos das escolas, no secundário e nas faculdades, não tem capacidade de decisão, a não ser a que lhe é oferecida pelos órgãos de Comunicação. Ora e aqui está o grande problema deste pequeno país; as TVs as Rádios e os Jornais, são na sua totalidade, pertença de privados ligados à alta finança, à industria e comercio, à banca e com infiltrações accionistas de vários países. Ora, é bem de ver que com este caldo, não se pode cozinhar uma alimentação saudável, mas apenas os pratos que o “chefe” recomenda.Daí a estagnação que tem sido cómoda para a crescente distância entre ricos e pobres. A RTP, a estação que agora engloba a Rádio e Tv oficiais, está dominada por elementos dos dois partidos principais, com notório assento dos sociais democratas, especialistas em silenciar posições esclarecedoras e calar quem levanta o mínimo problema ou dúvida. A selecção dos gestores, dos directores e dos principais jornalistas é feita exclusivamente por via partidária. Os jovens jornalistas, são condicionados pelos problemas já descritos e ainda pelos contratos a prazo determinantes para o posto de trabalho enquanto, o afastamento dos jornalistas seniores, a quem é mais difícil formatar o processo a pôr em prática, está a chegar ao fim. A deserção destes, foi notória. Não há um único meio ao alcance das pessoas mais esclarecidas e por isso, “non gratas” pelo establishment, onde possam dar luz a novas ideias e à realidade do seu país, envolto no conveniente manto diáfano que apenas deixa ver os vendedores de ideias já feitas e as cenas recomendáveis para a manutenção da sensação de liberdade e da prática da apregoada democracia.Só uma comunicação não vendida e alienante, pode ajudar a população, a fugir da banca, o cancro endémico de que padece, a exigir uma justiça mais célere e justa, umas finanças atentas e cumpridoras, enfim, a ganhar consciência e lucidez sobre os seus desígnios.»

Um texto para meditar. Como muitos outros que outros escreveram. Aponta caminhos, na sua crítica sagaz. Inutilmente. Um país que não progride e pelo contrário, regride na educação, é um país definitivamente arrumado.
Um país estagnado.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

“Eu quero ser Primeiro-Ministro”

- O Rebelo de Sousa diz que é igualzinho. Não mudou nada.
- Nada!
-Ele, o Seguro, diz que quando for Primeiro-Ministro fará assim, fará assado. Eu quero ser Primeiro-Ministro, é o que o Seguro diz, é o que todos os Seguros querem.
- E até os menos Seguros. Pois! O déjà entendu, o déjà vu de sempre. “Le style c’est l’homme”, disse um tal Buffon. No nosso caso, “c’est la nation-même”. Qualquer um que queira ir para lá, para o Governo, é assim que dirá: “Eu quero ser Primeiro-Ministro”. E logo os do Governo ironizam contra as pretensões dos tais, esquecidos do que com eles se passara, os da oposição aliam-se, prontos para atacar quando estes lá chegarem. De momento, atacam os que lá estão.
- Só conversa! -
proclama a minha amiga, completamente céptica. - Ninguém tem soluções. Ninguém, ninguém, ninguém! Se houvesse solução, estava o País salvo!
- O que é um facto, é que eu acreditava na seriedade deles. Mas já vi que o discurso do Vítor Gaspar, que aliás nada teve nunca de vitorioso nem de generoso, mas que inicialmente se me afigurou competente, de uma subtileza de seriedade contrastante com a volubilidade farfalhuda dos habituais, não se tem mostrado nada esclarecedor, feito de promessas adiadas, sem explicitação dos motivos sobre o prometido início da nossa ascensão lá para os anos 13 ou 14, em absurdo contraste com o peso brutal sobre as bolsas – as habituais – dos menos dotados, economicamente falando, e as desgraças ascensionais dos que perdem empregos ou os não conseguem adquirir…
- E ninguém conseguiria fazer melhor.
- Não! Mau grado as promessas dos Seguros, candidatos ministeriais que gingam na sua seriedade matreira, a chamar amigos… E tem amigos. Todos os que, esquecendo a situação vilipendiosa a que fomos reduzidos por efeitos, também, da muita desgovernação corrupta anterior, criticam acerrimamente a governação actual, ignorando as contingências internas e as pressões exteriores resultantes de tudo isso e do facto de sermos como somos – dum modo geral pouco escrupulosos.
- Muita sorte ainda se o FMI não nos abandonar…
- Parece que ainda não abandonou.
- Rezemos para que não abandone.
- Oremus!

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A fome

«Esfomeado, um lobo, ao descobrir
Uma ovelha no campo estendida,
Com terror do lobo desfalecida,
Aproximou-se para a tranquilizar.
Bastava que ela apresentasse
Três razões verdadeiras
Para que ele a não comesse
Deixá-la-ia partir
Com boas maneiras,
Sem a molestar.
A ovelha, confiante,
E sem nenhum carinho,
Afirmou primeiramente
Que teria dispensado perfeitamente
Encontrar o lobo no seu caminho.
Em segundo lugar,
No caso de isso se verificar,
Alegria sentiria
Se o encontrasse ceguinho;
Em terceiro lugar, já enfastiada
Por ser obrigada a pensar,
Exclamou muito zangada:
- “Pudésseis vós rebentar,
Lobos abomináveis,
Que nos fazeis guerra tramada,
A nós, gente inocente,
Que contra vós não fizemos nada
De inconveniente!”
O Lobo admitiu nobremente
Que a ovelha não mentira
Na sua argumentação
Feita tão singelamente,
Com cabeça e coração,
E deixou-a, com honestidade,
Partir em liberdade.
A fábula mostra quanto a verdade
Até sobre o inimigo tem efeito.»

Passaram muitos anos, todavia,
Desde que Esopo escreveu
Esta fábula tão velha
D’ “O Lobo e a Ovelha”
Em que a verdade era garantia
Mesmo que não houvesse filantropia.
Hoje em dia,
Os lobos estão cada vez mais distantes
Da verdadeira cortesia
Cada vez mais uivantes
Como os da fábula aquiliniana,
Fazendo orelhas moucas
Às verdades das ovelhas
Cada vez mais loucas,
Servindo de pasto aos lobos,
Que vão impondo, esfolando sem perdão,
Enquanto elas vão balindo em vão.