domingo, 31 de março de 2013

Potenciação


Florian era um fabulista um pouco simplista,
Mais moralista do que artista
Como se verifica na breve história seguinte,
De um pai já velho
A aconselhar um filho ainda novo
- O que é uma anomalia sem grande harmonia -
Com as habituais banalidades dos pais
Que sempre os filhos acham anormais,
As da virtude do saber antigo
Acrescentadas ao saber intemporal
- E que por isso é bastante actual -
Sobre a condição humana pecadora,
Numa visão que muitos acham redutora
Mesmo agora:
 
«O rapaz e o velho»
«- “Por favor, ensine-me como se conquistam fortunas”,
Pedia ao seu pai um jovem ambicioso.
- “Há, disse o velho, um caminho glorioso,
É tornar-se útil à causa comum,
Usar os seus dias, os seus talentos, as suas vigílias,
Ao serviço da pátria,
Sem lacunas.
“- Oh! Que vida mais penosa!
Eu quero meios menos brilhantes
E mais condescendentes.”
“- Há meios mais seguros, a intriga…”
“ –É demasiado vil. Gostaria de enriquecer
Sem vício e sem trabalho de maior.
“ – Pois bem, sê um simples imbecil.
Desses, que assim progridem sem temor,
Já eu topei mais de mil.»

 Penso que o velho pai do filho jovem
Se enganou no número, pois, se fosse hoje,
Teria subido ao milhão a sua numeração,
Já que milhões e biliões são os números exorbitantes
Que a população dos exigentes
Refere sobre os incompetentes e os delinquentes,
Sem grande oposição,
- Desde que não figuremos nós na lista
De que fala o fabulista.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Um texto de Duarte Justo


«Informação que apela à Lágrima e ao Sentimento»
«Acabo de regressar de Portugal com uma certa melancolia pela beleza e riqueza dum país que sofre no corpo e na alma como um canino amarrado a uma casota de raposas e predadores. O medo e a raiva assolam um povo a viver cada vez mais na rua, sem poder entrar em casa.
 
O povo ainda anda de pé mas é conduzido pela mão da Troika e de instalados nas diferentes administrações e representações que o conduzem docemente ao curral dos senhores. Muitas pessoas “vivem da mão para a boca” e muitas outras na angústia/revolta perante um Estado que cada vez interfere mais negativamente na sua vida. Apesar da presença de personalidades sociais responsáveis, a dignidade humana cada vez é mais ultrajada.
 
Fomenta-se uma mentalidade mafiosa que, a nível de discussão pública, deita achas para a fogueira duma emotividade que ofusca a razão com o fumo de sentimentos difusos que vão da raiva ao desespero e da inveja ao racismo. Um Estado sem rumo próprio segue uma política subterrânea jacobina que ganhou especial expressão em Portugal com as invasões francesas e com o republicanismo.
 
A luz do sol e a alegria de viver encontram-se cada vez mais ensombrados. A falta de esperança leva a dormir e torna-se motivo do não viver.

A grande cultura lusa sofre e é depauperada por uma Comunicação Social que fomenta o miserabilismo popular e a leviandade de muitos comentadores cínicos e convencidos que se aproveitam dum certo voyeurismo e de opiniões entumecidas como se opinião e realidade fossem a mesma coisa.
 
Muitos locutores do dia-a-dia agarrados às banalidades noticiosas bombardeiam o povo com ideias, imagens e sentimentos repetitivos lisonjeadores de amigos e desrespeitadores de inimigos. Fomenta-se um pessimismo amedrontador que inibe a própria iniciativa e o espírito de investimento.
 
Como sanguessugas, até os meios de comunicação social nacionais se fixam no negativismo de notícias dirigidas ao sentimento. Quando alguém se enforca logo se juntam os leões e as hienas à volta de imagens e ideias que fomentam a imitação. A TV pública fala de suicídios do foro privado e faz render o peixe, como se se tratasse de suicídios de motivação política realizados dentro da sala do Parlamento. Cultiva-se o extremismo emocional e um voyeurismo que se alonga nos telejornais até às profundezas dos canais de rádio.
 
As coisas são repetidas até à exaustão.
 
Observam-se controlos da ASAE a restaurantes e empresas como se fossem mandatados por estrangeirados sem consciência pela realidade local com um comportamento anti-regionalista ao serviço de interesses centralistas anónimos e antinacionais.

Um sistema político servidor de interesses individuais e partidários a nível nacional e de autarquias continua a servir o compadrio da avalanche dos arrivistas criando postos de trabalho na administração quando não há trabalho suficiente para os já empregados. Uma mafia de rosto lavado dos lugares cimeiros de Câmaras e administrações procura desestabilizar os seus subordinados criando um clima de medo, desconfiança e intriga entre os empregados.
 
Arrasta-se o povo para um pessimismo medroso e amedrontador. Num ambiente de tudo contra todos, tudo tem razão, predadores e subjugados; só uma coisa falta: a consciência de responsabilidade nacional.
 
A contestação social mais que objectiva, é, muitas vezes, manipulada por grupos que vivem de mordomias à custa do povo, sejam eles representantes dos trabalhadores ou dos senhores. Um exemplo disto foi a última greve ferroviária que pretende manter bilhetes gratuitos para os familiares dos empregados. Naturalmente que todos os grupos têm direito a defenderem os próprios interesses; o dilema de Portugal é encontrar-se nas mãos duma esquerda intransigente e de senhores e capitalistas sem alma social nem nacional.
 
O último sintoma do estado doentio grave e depravado de quem tem o dizer em Portugal, foi o facto José Sócrates, que deveria estar sob observação judicial, aparecer como candidato a comentador político nos canais da TV pública. Um atrevimento que bradaria aos céus numa sociedade normal! A tal falta de discernimento chegou um povo! A honra dos predadores é legitimada com a desonra da nação. Os interesses partidários afirmam-se mafiosamente sem que haja oposição qualificada. Com esta iniciativa, José Sócrates pretendia aproveitar-se da lorpice da Comunicação Social para se preparar para as presidenciais.
 
No meu belo e inocente país os predadores são os senhores!»
 
“Um texto desassombrado, de quem se não deixa comover com as manipulações dos mais afeitos aos truques do servilismo nacional, que permitem a desvergonha de aceitação do grande responsável pela destruição pátria, debitando as suas justificações semanais plenas dos mesmos argumentos do seu outrora. Parabéns ao Dr. Duarte Justo pela sua hombridade, coragem e inteligência crítica.”
 
Foi assim que comentei o texto do Dr. António da Cunha Duarte Justo, postado no “A Bem da Nação”, sob a epígrafe COMUNICAÇÃO SOCIAL MISERABILISTA, que ele mesmo também agradeceu ao Dr. Salles da Fonseca:
 
Obrigado Dr. Henrique Salles da Fonseca. A tarefa de reconstrução de Portugal exige a reposição da mentalidade dos nossos "Homens Bons" das origens da nação que frutificou nos descobrimentos. Infelizmente ainda somos demasiado poucos empenhados nesta tarefa.”
 
É verdade que a imprensa, quer na forma falada quer na forma escrita, através dos comentadores e orientadores dos debates políticos e económicos, nunca se refere à justeza do propósito governativo actual, centrado no saldo de uma dívida monstruosa, sucessivamente favorecida, ao longo das décadas de mudança de política e de país, por orientações desastrosas de gestores que favoreceram o alastrar dos desmandos e da corrupção impunes, e que culminaram no governo de José Sócrates, num buraco negro trazido por insistência em projectos de custo monstruoso, sem rentabilidade compensadora.
 
Mesmo as vozes dos defensores do projecto governativo de austeridade, para pagamento da dívida a todo o custo, são vozes tímidas, porque sabem quanto é desumana esta situação de desemprego, de inflação, de encerramento de empresas, propícios à ditadura no trabalho que no nosso país sempre, aliás, foi de abuso e desproporção salarial entre patrões e servidores, mas neste momento ultrapassa as raias concebível em exploração de chantagem, em função da conjuntura.
 
E o governo está só, e os partidos arreganham os dentes para o “despejar” de vez, não falando, todavia, na forma como pretendem actuar, com uma Troika sinistramente exigente.
 
O governo fala em breves êxitos e esperanças de remedeios, mas nisso ninguém pega para o apoiar. E quando, às vezes, na “Opinião Pública” do Canal 5 da Sic, vozes apoiam o governo, apesar da dureza das medidas, considerando que ele não pode agir doutra forma, manietado pela pesada carga que tem aos ombros, logo outras vozes incisivas ironizam sobre o bem-estar desses outros que defendem o governo.
 
Um povo gemebundo, mesmo que os espectáculos caros de cantores na berra se encham de uma juventude que a eles não falha, e que tantos estudantes universitários encham os pátios ou as ruas contíguas às universidades com os carros em que se deslocam, ou os aviões continuem a encher-se de viajantes em férias, ou…
 
E toda a gente sabe isso mas cala isso – (que, aliás, não revela grande mérito intelectual, mas seguidismo parolo das modas em curso) - porque o tal voyeurismo de que fala Duarte Justo, leva os animadores e os jornalistas televisivos e os deputados também televisivos a explorarem antes a “sensibilite” dos espectadores ou leitores com os casos de miséria incriminadores das políticas governativas.
 
E esta miserável jogada oportunista de Sócrates e dos adoradores de Sócrates para chutarem contra a nação dos pacóvios os consabidos e ressabiados argumentos do último dos seus coveiros, para fazerem os saudosistas prostrarem-se-lhe beatificamente aos pés, merece, de facto, o justo comentário de um homem de honra: “O último sintoma do estado doentio grave e depravado de quem tem o dizer em Portugal, foi o facto José Sócrates, que deveria estar sob observação judicial, aparecer como candidato a comentador político nos canais da TV pública”.
 
Pode o Governo de Passos Coelho ser apeado. Ninguém parece preocupado com as consequências, escutando a palração dos papagaios da nossa praça. Pela primeira vez, desde há 39 anos, senti orgulho num Governo de hombridade. Este.

quarta-feira, 27 de março de 2013

“Chama lá a Palmira, que isto está pelas costuras”


Foi no dia 11, pela manhã que fomos informados da morte de uma amiga de longa data e fiquei em dúvida se devia transmitir a notícia à minha mãe. Desde os seus 105 anos que ela tem decaído, assustada com a proximidade – assim o julga – do fim. O obstáculo à sua agitação é obtido pelos meios artificiais de tranquilizantes ou hipnóticos que a fazem menos lúcida e menos feliz, embora mais repousada, o muito sono significando, para a sua lucidez, sintoma de fim próximo. De resto, as funções vitais ainda estão firmes, e creio que é o carinho que a rodeia que a desmotiva para o trauma do desconhecido que a todos nós aterra. Deixou de cantar, raramente lembra os versos que ainda há tão pouco tempo recitava, já troca os nomes ou não se lembra das pessoas. Tem sido rápido o processo de depauperamento, mas não creio que esteja chegada a hora, pois às vezes ainda se sai com breves sentenças que nos alegram, pela vivacidade de resposta.
Por isso, ao recebermos a notícia da morte da nossa amiga, a Glória, que todos estimávamos, fiquei na dúvida se lha devia ou não transmitir. Mas o desejo de a trazer à vida, de a fazer viver e vibrar ainda com as lembranças do mundo que por ela passou, me levaram a comunicar-lha. E, passada a primeira surpresa, teve a seguinte saída: «Já passou o portal dela. Agora falta o nosso», revelador do pensamento da sua obsessão.
Mas ficou agitada e arrependi-me de lhe ter revelado a morte da nossa amiga. Pedi-lhe que rezasse pela Glória, mas logo passou a pasta, com a vivacidade do seu egoísmo e do seu medo: “Já está no céu. Ela que peça por nós. Ela era tão boa!”
No domingo de Ramos, o genro deu-lhe um ramo colhido no quintal a que não faltou o alecrim, que ela cheirou com agrado. Pusemos a missa da TVI em alta voz, mas ela, na cama, com o ramo ao lado, passava o tempo a chamar. Perguntei-lhe se não queria ir de cadeira de rodas para a sala, ouvir a missa pela televisão, mas escusou-se com a presteza da sua comodidade:
- Custa muito andar “de bolanda”.
E à minha irmã, que vem sempre fazer-lhe companhia e se esmera em volta dela, atenta ao seu bem-estar, saiu-se com esta: “Chama lá a Palmira, que isto está pelas costuras”, sendo que a Palmira da sua infância há muito que deixou de ser.
Ainda nos vamos rindo, com a minha mãe e as suas saídas prontas.
Faz hoje, 27 de Março, 106 anos. Festejemos. E arredemos ainda a Palmira do nosso apelo.

domingo, 24 de março de 2013

Sem cicuta mas com lágrima


           A minha amiga nem quis ouvir falar no Sócrates, desprezou completamente, como peregrina, a ideia de que ele vem ser comentador político por cá, mas eu não me fiei nela – já em tempos falhou na questão da eleição papal - nem acreditei que ele se eximisse a ser comentador, além de outros prováveis cargos da sua competência – escapou-me a palavra, mas a competência é realmente de somenos importância nesta coisa dos cargos, basta-nos estar de bem com alguns da nação, os do habitual entre-apoio e das habituais contrapartidas nos respectivos partidos.
             Acho, de resto, que ele é muito homem para vir dar a cara, agora que este governo criou tantos inimigos, e que foram estes até que o chamaram cá, para a confusão ser maior, na inanidade geral, em que parece que só alguns do governo é que têm um pouco de tento e de vergonha, e digo alguns porque até os aliados se estão a demarcar dos que, perante a nação, se comprometeram a apoiar, mas se os triunviratos falham, temos que partir da mesma opinião a respeito dos duunviratos, falíveis como são os propósitos humanos em que a vaidade ou a demagogia interesseira se impõem sobre outros critérios de rigor.

               Vamos, pois, ligar o canal para ouvir Sócrates a debitar, como os demais comentadores. Ele não terá a cicuta para engolir, como o outro, pois somos democratas passivos e defensores da liberdade como dizia a cantora da gaivota. Mas é tempo de citarmos uns passos da “Apologia de Sócrates” que Platão escreveu, em que Sócrates apresenta os argumentos da sua defesa contra as acusações de perversor da mocidade, por a levar a pensar sem dogmatismos. Transcrevo da Internet, por comodismo, a tradução, diferente da que tenho da Europa-América, que inclui “Críton” e “Fédon”, os três diálogos em torno do processo e morte de Sócrates, com algumas temáticas da sua filosofia:

I Parte, I:
«O que vós, cidadãos atenienses, haveis sentido com o manejo dos meus acusadores, não sei; o certo é que eu, devido a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivos foram. Contudo, não disseram nada de verdadeiro. Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar. Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos com factos, quando eu me apresentasse diante de vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua maior impudência se, todavia, denominam "hábil no falar" aquele que diz a verdade. Porque, se dizem exactamente isso, poderei confessar que sou orador, não porém à sua maneira.

Assim, pois, como acabei de dizer, pouco ou absolutamente nada disseram da verdade; mas, ao contrário, eu vo-la direi em toda a sua claridade. Contudo, por Zeus, não ouvireis, por certo, cidadãos atenienses, discursos enfeitados de locuções e de palavras, ou adornados como os deles, mas coisas ditas simplesmente com as palavras que me vierem à boca, pois estou certo de que é justo o que eu digo, e nenhum de vós espera outra coisa. Em verdade, nem conviria que eu, nesta minha idade, me apresentasse diante de vós, ó cidadãos, como um jovenzinho que estuda os seus discursos. E, todavia, cidadãos atenienses, isto vos peço: se sentirdes que me defendo com os mesmos raciocínios com os quais costumo falar nas feiras, ou nos lugares onde muitos de vós me tendes ouvido, não vos espanteis por isso, nem provoqueis clamor, porquanto, é esta a primeira vez que me apresento diante de um tribunal, e com mais de setenta anos de idade! Por isso, sou quase estranho ao modo de falar daqui. Se eu fosse realmente um estrangeiro, sem dúvida, me perdoaríeis, se eu falasse na língua e da maneira pelas quais tivesse sido educado; assim também agora vos peço uma coisa que me parece justa: permiti-me, em primeiro lugar, o meu modo de falar – e poderá ser pior, ou mesmo melhor – depois, considerai o seguinte e só prestai atenção a isto: se o que eu digo é justo ou não. Essa, de facto, é a virtude do juiz, do orador: dizer a verdade

               Diz-se que o nosso Sócrates andou lá por Paris a estudar, talvez em busca de outras  verdades. Entre as suas disciplinas de estudo pode ter perpassado a filosofia socrática que o discípulo Platão elegeu em filosofia platónica. Veremos se o apego à verdade da realidade, não à dos mitos, levará o nosso Sócrates ao reconhecimento das suas responsabilidades nas verdades com que se confronta o actual governo ou se, alegremente, é adepto da maioria das verdades escamoteadoras dos palradores da nossa praça – não, propriamente, todavia, de filósofos peripatéticos, pois se instalam confortavelmente nos salões televisivos - que fazem muitas vezes depender as argumentações das suas verdades e dos seus afectos, numa dialéctica instruída segundo o provérbio latino “in vino veritas”, ou simplesmente “in vanitate”, “in egotismo”, “in cupiditate”, “in stultitia veritas”...
 
              Posso muito bem enganar-me e, em vez de argumentos nos seus próximos comentários Sócrates verta, antes, as lágrimas - mesmo que sejam de crocodilo - do seu arrependimento para dentro do poço em que estamos enfiados. Essas lhe bastariam como cicuta para o resto da vida. Seria um bom exemplo de penitência, a ganhar adeptos vindos do passado próximo. Mas nem estes se reconhecem como os protagonistas na escavação, nem nenhum deles se abeira do poço.
 

sexta-feira, 22 de março de 2013

Caçula


Dantes, quando ainda não se faziam ecografias para se descortinar o sexo dos nascituros, enfiava-se uma agulha, ou prendia-se a aliança de casamento a uma linha, e conforme o movimento daquelas sobre a mão da mãe – circular ou pendular – assim se descobria o sexo do anjinho que ia crescendo na barriga dela, anjinho decerto indiferente ao que sobre ele já tanto se sabia, cá do exterior. Foi assim que o Luís causou surpresa, pois o movimento da linha ou do anel era perfeitamente circular, demonstrava que seria infalivelmente uma Ritinha.

Mas calhou menino. Os quatro filhos anteriores constituíram incógnita absoluta, pois não se pusera ainda o problema das certezas prévias, por meio de agulhas ou anéis pendurados em linhas, por desconhecimento do processo de detecção do sexo, que a Isaura posteriormente nos transmitiu. Aprender até morrer, foi sempre o meu lema, e assim, esclarecido rudimentarmente mas com profunda convicção, e compenetração dos filhos mais velhos, o sexo do maninho que ia nascer, fui preparando o enxoval, de cores brancas ou amarelinhas, de preferência, não fosse o diabo tecê-las e o cor de rosa destinado a ficar desactivado, por falhanço da previsão, a dúvida sendo companheira habitual do bicho homem, ao que se diz, a única certeza consistindo na morte, mas é levar muito longe o cepticismo, julgo.

Todavia, na questão do anel, a atitude céptica levou a melhor, o movimento circular, anunciador de menina, falhando estrondosamente, a Ritinha dando lugar a um Luís Filipe, menino difícil, para comer, sobretudo, que, em bebé, teve direito a uma criada só para ele – a nossa Marta – pela minha escassez de tempo de seguir os ritmos vagarosos do bebé, na vida de trabalho que mantive, já por preceito bíblico, já por necessidade pessoal de angariar os fundos da sobrevivência na mediania que aos clássicos apetecera.

Luís era chorão, menos sociável que o Artur, de uma distância de idade em relação aos mais velhos que definitivamente o remetia para o lugar de menino isolado e retraído, na timidez mas na ousadia também, com que foi enfrentando o mundo que construiu. Era um bom menino, teimoso e difícil. É um homem bem formado, com alma de menino sempre, recalcitrante na angústia de um mundo de incerteza, em que os valores incutidos de honestidade parecem já não fazer sentido.

Faz hoje quarenta e um anos, tinha dois, quando aqui chegou. Tem um lar de sensibilidades e de afectos, que todos nós desejamos sempre feliz. «La vie n’est presque jamais en rose.» Mas pode-se compará-la a um caleidoscópio, afinal criando, por conta dos espelhos em muitos ângulos, multicoloridas e estranhas formas de grande beleza, por virtuais que sejam. É importante o ângulo, e o espelho serve sempre para controlarmos as rugas do tempo, enquanto é tempo.

Ao Luís dedico a estrofe seguinte pronunciada pelo Velho do Restelo ao Vasco da Gama, aquando da partida das Naus do Gama para a Índia, no cais do Restelo. Ela confirma que o Adão era mesmo insano quando nos fez precipitar da idade de Ouro na de ferro e trabalhos, por um Jeová inclemente, por conta de uma maçã trincada que, como castigo, lhe ficou atravessada na garganta:

«Mas, ó tu, geração daquele insano
Cujo pecado e desobediência
Não somente do Reino soberano
Te pôs neste desterro e triste ausência,
Mas inda doutro estado mais que humano,
Da quieta e da simples inocência,
Idade d' ouro, tanto te privou,
Que na de ferro e d' armas te deitou:
 (LUS., C. IV, 98)


            Mas, apesar de tão crítico da ousadia humana, o Velho do Restelo acaba a sua intervenção ao ilustre navegador, buscador da Fama, fazendo uma apologia ao Homem, ser extraordinário que é capaz de todas as proezas, até em meio dos maiores sacrifícios:

« Nenhum cometimento alto e nefando
Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte! Estranha condição!»
(LUS., C. IV, 104)


            Não deixes tu, Luís, “intentados” os cometimentos para que te chamam as tuas vontades. O pior mesmo é que à Idade de Ferro sucedeu a do Vazio, a do Buraco Negro da “sem perspectiva que valha”, pelo menos cá.

Muitos parabéns, Luís. Que as tuas perspectivas se concretizem, em caleidoscópio de beleza, não virtuais como naquele, que os espelhos e os ângulos favorecem.

Todavia, os espelhos ajudam sempre. E os ângulos também. A controlar a beleza. E a perspectiva.

 

 

quinta-feira, 21 de março de 2013

“Vá lá que não se enganou!”


A questão da eleição papal foi debatida com o necessário fervor pela minha amiga e por mim, aquela, em todo o caso, em termos de preocupação pelos dinheiros gastos e as horas perdidas pelos milhares de espectadores esperando o fumo branco na Praça de S. Pedro e posteriormente a presença papal. “Toda a gente para estar ali tem que ter dinheiro”, disse ela antes do “Habemus Papam” sacramental, e, passado este, muitas cerimónias e notícias jornalísticas depois, confirmou a sua simpatia e a sua dúvida: “Este é o melhor Papa. Porque este fala nos pobres. Só que ele tem que viver como rico. Vive no Vaticano. Não vai para uma pensão.”
             
Eu sou, decididamente, menos radical do que a minha amiga e regozijei-me por o Papa não ter que se albergar numa pensão, como fazia lá na Argentina e se chamava Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, deslocando-se de autocarro para melhor conviver com “le creature” que São Francisco amou -« messor lo frate sole, sora luna e le stelle, frate vento et onne tempo, sor’aqua, la quale è multo utile et humile et pretiosa et casta, frate focu, per lo quale ennallumini la nocte, et ello è bello et iocundo et robustoso et forte, nostra matre terra, la quale ne sustenta et governa, et produce diversi fructi con coloriti flori et herba, quelli ke perdonano per lo tuo amore, et sostengo infirmitate et tribulatione, sora nostra morte corporale… Laudate et benedicete mi’ Signore' et ringratiate et serviateli cum grande humilitate», todos esses que «il poverello d’Assisi» amou, acrescidos, neste nosso século, por tantos milhões de outros que necessitam do amor de Francisco Papa e que para já têm o seu sorriso e o seu calor humano.

Entre eles, bafejado pelo acolhimento da doçura papal, o nosso P.R. acompanhado da esposa, que - vejam lá! – foi bafejada primeiro que seu marido presidente, dado que o santo Pontífice fora informado do aniversário natalício da D. Maria Cavaco Silva e endereçara-lhe primeiro a ela o sorriso papal, certamente que envolto nos “parabéns a você” da simpatia universal, antes mesmo de dirigir a palavra ao nosso Presidente. Este frisou muito esse facto de prioridade papal, e em seguida falou na janela de esperança que este Papa Francisco Primeiro traz ao mundo, informando que pensou logo no povo português, tão necessitado dessa janela.

Eu ainda ia a considerar que do que se precisa é de certeza, não é de esperança, que essa é mesmo a última a morrer, segundo o consenso popular, mas a minha amiga nem me deu tempo a que desenvolvesse o raciocínio, pois logo disparou com a observação da sua violência que nada desculpa, que não é da casta do Santo Papa:

- “Pensou logo no povo português! Vá lá que não se enganou e não falou no povo inglês!”

           


 

sexta-feira, 15 de março de 2013

Eu, pecador…


 Um texto do blog “A Bem da Nação”, onde Henrique Salles da Fonseca uma vez mais empunha a sua espada, tal como o cavaleiro manchego, contra moinhos de vento, que tais se podem equiparar, no vento das suas vociferações de sofisma, àqueles, reais, que Dom Quixote confundiu com gigantes.

Estes de hoje, não sendo gigantes, mais próximos de anões – não, certamente, os que acolheram a Branca de Neve na sua casinha de simpáticos mineiros, na floresta – revelam o espírito de arrogância ambiciosa, na falsa solidariedade com que defendem os realmente mais prejudicados – quais sejam os desempregados e os empresários falidos – mas que, cerrando os olhos às realidades subentendidas no texto de Salles da Fonseca – do uso e abuso de dinheiros de empréstimo, de má aplicação de verbas, dos processos fraudulentos e morosos numa justiça desterrada dos seus fins, de governos sucessivamente pactuando com os desmandos de uma corrupção inaudita – fingem ignorar a tarefa gigantesca do actual governo, de pôr em andamento uma engrenagem que tem que enfrentar primeiro o resgate de dívida monstruosa, e vão gritando o bota-abaixo da sua demagogia e do seu desamor pátrio.

É mais um texto de coragem, este de Salles da Fonseca, a coragem de quem sabe que está lutando contra moinhos de vento reais, que o ignorarão ou o lançarão ao chão, tal como pretendem fazer com o governo pagador. Um texto de alguém que trabalha e honestamente se confessa partidário não da Troika mas do seu dinheiro, que só esse poderá fazer funcionar uma nação perdida no desrespeito pelo trabalho e no gozo do que não produziu:

 «TROIKIANOS, CONFESSEMO-NOS!»

«Como Nietzsche poderia ter dito, «nós, os que somos donos da verdade, não nos conhecemos a nós próprios» e tendemos a exigir aos troikófagos que nos compreendam sem que nos dignemos explicar-lhes por que somos troikianos. E o pior é que nem sempre temos plena consciência das nossas razões.

E porque – começando pelas nossas – as explicações primam pela ausência, logo saltam impropérios de lado a lado com ofensas graves às honestas mães da nossa banda. Não é esse o nosso estilo, procuremos pôr-lhe um fim.

Confessemos, pois, esta nossa falta e tentemos que os troikófagos entendam as nossas razões. Mais: façamo-lo com humildade e ponhamo-nos em posição de polir as arestas que os nossos raciocínios possam apresentar.

Expliquemos-lhes que a nossa aceitação dos troikistas resulta apenas do facto de eles serem os detentores das «massas» que nós não temos e de que precisamos como de pão para a boca. E isto, no sentido literal.

Expliquemos-lhes que não somos traidores à Pátria e é com enorme pesar que os vemos entrar pela nossa «casa» dentro “amandando bitaites” sobre o modo como devemos resolver os problemas que eles nos apontam. E essas são condições «sine qua, non» para que nos forrem a tesouraria, essa que esvaziámos ao longo de algumas décadas.

 Sim, já depois de em 1975 os EUA nos terem abonado com um monte de divisas para então não cessarmos pagamentos externos e depois das visitas de Teresa Ter-Minassian, a Técnica do FMI que nos habilitou à toma de algum juízo para podermos ter o aval daquela instituição por duas vezes, em 1977 e 1983.

Expliquemos-lhes que desde 1974 esta já é a quarta vez que a nossa banca vai à glória e que isso se deve aos descaminhos por que gostamos de andar.

Expliquemos-lhes que esta insistência do FMI na ajuda ao nosso país se deve não ao erro das políticas que eles preconizam para Portugal mas sim ao nosso desvario logo que eles voltam costas.

Expliquemos-lhes que o «modelo de desenvolvimento» que alguém se entreteve a construir destruindo o tecido produtivo nacional, promovendo o consumo e dando prioridade aos bens não transaccionáveis, era insustentável pois não se pode imaginar uma sociedade quase inteira a consumir sem produzir. E era isso que acontecia até ao momento em que os meios de pagamento ao dispor dos consumidores foram há pouco tempo reduzidos com alguma severidade.

Expliquemos-lhes que o novo modelo de desenvolvimento não tem que ser determinado pelo Governo – este ou outro que lhe suceda – mas sim por nós, os que estamos a passar por dificuldades.

Expliquemos-lhes que o fim da crise depende de cada um de nós e que aos governantes apenas cabe impedir o desastre.

Expliquemos-lhes que também nós não queremos ser tutelados por estrangeiros ou nacionais e que quanto mais tempo demorarmos a produzir o que queremos consumir, mais difícil será sairmos do entorpecimento a que anos de aconchego nos conduziram.

Expliquemos-lhes que está na hora de cada um dar a volta por cima e que não é tarde para aprender a fazer alguma coisa de útil.

Expliquemos-lhes que não é indo para o jardim público jogar à batota, chorar no ombro dos amigos ou blasfemar na tasca da esquina que se consegue dar essa volta por cima; há que ir ao biscate e o Gaspar que se lixe!

 Sim, essa é conversa que talvez os troikófagos entendam: «o Gaspar que se lixe, vamos todos ao biscate!».

Amigos troikianos, conheçamo-nos a nós próprios e confessemos a nossa grande falta. Qual? O silêncio, amigos!»

Março de 2013,

Henrique Salles da Fonseca

          O meu comentário no ”A Bem da Nação”:
 
«Pois, não nos conhecemos bem, não, o argueiro é mais visível no olho alheio, e os troikianos têm o cisco dilatado enxergado pelas lentes poderosas dos troikófagos, que não querem confessar que comem da troika mas que comem a troika em linhas gerais, mandando-a lixar-se depois, para ficarem bem vistos na vila, enquanto bradam e clamam "aqui d'el-rei contra a troika da contenção, nós não somos o Cristo que não precisa de se alimentar no deserto, nós precisamos de alimento e só os troikas o podem fornecer, mas os pagamentos, como o de Cristo, que nos redimiu os pecados mas não no-los corrigiu, não são connosco, e o governo é parvo (= pequeno, na etimologia latina), a pretender resgatar a dívida aos troikos". Os troikianos acreditam na remissão do governo, e prestam-se à colheita, não sazonal mas mensal e anual, feita por aquele, para darem o seu contributo e se remirem em parte não do pecado original, mas do pecado "tout court". Mas os esforços dos troikófagos, que só atacam ferozmente, sem contextualizarem, são mesmo capazes de lixar governo e nação, que a troika é quem menos se rala nisto tudo, com a sua faca e o seu queijo na sua mão. Os troikófagos são de tal modo míopes que nem querem reconhecer que se não fosse o governo dos pagamentos, não assumiríamos as vantagens que a Troika nos concedeu, quais sejam as de continuarmos a mamar por mais tempo e com menos custo, talvez.»

 

quinta-feira, 14 de março de 2013

De profundis


Mostrei à minha amiga os dois textos de Vasco Pulido Valente de sábado, 9 e de domingo, 10, o primeiro sobre Cavaco Silva – “Um Presidente na reforma” o segundo sobre o governo da Troika – “Uma visita da autoridade” – e logo ela comentou sobre a ironia dos títulos, com que concordou em absoluto, há muito irritada com o presidente, e ultimamente vociferando contra as medidas governamentais que vão destruindo o país e criando a fome nele.

Quanto a destruição, eu, evidentemente, discordei da contemporaneidade, assente numa visão prodigiosamente destrutiva de há, pelo menos, cerca de 39 anos, pois tal significou para o país a cambalhota, sublimada por cravos vermelhos simbólicos, nos nossos alardes vociferantes contra valores que inocentemente e puerilmente eles enterraram, acompanhados de canções da nossa alarvidade mental, e paulatinamente ruinosa por conta das sucessivas governações sempre por eles convictamente floridas para segurar e perfumar o negócio em que se transformou a governança. Quanto à fome, eu lembrei o espectáculo, entre outros, em Março, do jovem cantor canadiano que a minha amiga disse chamar-se Bieber, com uma juventude já de bilhete comprado, de dezenas de euros de custo, e ela logo falou em alguns milhares de ricaços ainda potáveis neste país, possibilitando tal vida de gozos caros, enquanto insiste em que se morre de fome já, por cá.

Eu não discuti mais sobre a vil tristeza em que o país mergulha, resultante de vários factores, o mais grave dos quais me parece ser o não funcionamento da Educação e do Ensino, numa generalização de apatia e indiferença cultural que se repercutirão na formação dos cidadãos da nau desconjuntada e sem rumo em que nos tornámos, mau grado a boa vontade dos que se esforçam por trazer à ribalta as nossas coisas boas, ou todos os que dão o seu contributo com seriedade e empenhamento nos ofícios da sua responsabilidade.
Quanto aos textos críticos de Pulido Valente e de outros tantos críticos da nossa praça, contrabalançados, felizmente, por vozes mais cordatas, não tão empenhadas em exibir sarcasmos contra os que têm por missão resgatar o país do fosso, eu só lembro que alguns desses críticos até governantes foram, e não conseguiram mais do que entrar também no despenhadeiro, apesar das palavras de sensatez e de aviso, confirmativas da sentença que enche o inferno de boas intenções.

E todos os anos os que têm por missão transportar passageiros fazem greves nos transportes para elevarem os seus vencimentos, sem se lembrarem de que aos outros estes foram diminuídos. O mesmo nos estaleiros navais, todos assim sangrando o país para melhor enterrarem o governo, sabendo embora que a todos enterrarão.

Tal foi, desde sempre, a função dos inocentes cravos vermelhos das nossas demagogias altruísticas desmioladas.

Mas “habemus papam”, o mundo inteiro que nele crê clama por Francisco para que interceda, alumiando.

terça-feira, 12 de março de 2013

Se a Troika “deslargasse”

Mais um texto de Henrique Salles da Fonseca no “A Bem da Nação” de ontem, merecedor de várias adesões de comentaristas concordantes - prova de que o bom senso não morreu totalmente no país, relativamente à falta de gosto de um movimento manhosamente manipulado, sob a aparência de generosidade, por tantos outros cavadores da nossa miséria nacional - a acrescentar aos citados por Salles da Fonseca– os partidários da esquerda demagógica que instiga às greves, no afã não de ajudar o povo “ordenhado”, da expressão de Salles da Fonseca, mas o de arruinar mais depressa o país com a deposição do governo, único causador dos males, na sua visão boçal - e bucal, por encher a boca de espuma altissonante e vilipendiosa contra as práticas de um governo manipulado do exterior e orientado no escrúpulo de salvar o país de uma hecatombe há muito e sucessivamente perpetrada pelos ditos ordenhadores da nação.

O texto, encimado de uma imagem de uma manifestação recente, com gente empunhando um cartaz com os dizeres – QUE SE LIXE A TROIKA / QUEREMOS AS NOSSAS VIDAS - não necessita de desenvolvimento, na objectividade e ponderação dos referentes, e na coragem indignada de quem os cita, lembrando o despropósito da troikofagia bloqueadora do nosso desenvolvimento, caso a Troika nos desse o pontapé de saída – para fora do campo - que mereceríamos, pela arrogância da provocação para o incumprimento.

Todos sabemos isso e fingimos ignorá-lo, e António José Seguro vai granjeando votos na astúcia de um discurso empenhado e empunhado com galhardia altruística de quem se sente o flautista de Hamelin a levar os ratos, submissos à magia musical, para fora da cidade, até se afundarem no mar. A música de Seguro é igualmente mágica, sem desvios na eloquência monocórdica e não deixará de levar os ratos ao mar.

Eis o texto de Salles da Fonseca:

«TROIKÓFAGOS, OIÇAM!»

 «Que se lixe a Troika? Pelo contrário, oxalá a Troika cumpra a missão de que está incumbida!

A mentira está nessas manifestações que têm percorrido as nossas ruas, as de Atenas e as Madrid. As mesmas mentiras já se preparam para marchar pelas ruas de Nikosia, Roma, etc.

Quanto a nós e começando pela frase «o povo é quem mais ordena», já a deveríamos há muito ter substituído por «o povo é quem mais ordenha» nos impostos que o contribuinte paga até à exaustão.

Sim, todas as arengas que se ouvem nesses comícios são falácias puras. Os oradores sabem que mentem e, se não sabem, é porque são ignorantes. E como isso eu sei que não são, concluo que agem dolosamente.

O que aconteceria se a Troika nos abandonasse?

Cessávamos pagamentos sobre o exterior para acedermos a tudo o que consumimos e não produzimos na sequência directa da falta de crédito do sistema bancário nacional para poder financiar essas importações. Para além da ruptura nos abastecimentos alimentares, faltariam os medicamentos importados e os sobressalentes para os equipamentos hospitalares; o comércio automóvel cessaria de imediato e passaríamos a imitar Cuba nos seus «vintage» canibalizados sucessivamente de roubo em roubo para aproveitamento de peças e isso enquanto houvesse combustível; vencia-se TODA a dívida, interna e externa, independentemente dos prazos antes previstos; regressaríamos ao Escudo o que significaria um tsunami nos preços para níveis inimagináveis por efeito conjugado da desvalorização monetária e da escassez da oferta.

Quererão os troikófagos que continue ou basta-lhes o cenário até aqui descrito?

Eis por que não vou a essas manifestações e, quando muito, patrocinarei outras que se lhes oponham.

A Troika está em Portugal por causa dos desmandos a que a demagogia dos políticos, a voracidade dos ordenhadores e o dolo de meia dúzia de facínoras (ainda por aí à solta) conduziu o país.

BASTA de desmandos, chegou a hora de pagar o dinheiro que nos emprestaram porque nós, o país, o pedimos.

E porque não há empregos, chegou a hora de criarmos os nossos próprios postos de trabalho. Sim, bem sei que o problema está em que muitos de nós nada sabemos fazer e que fomos educados para sermos comandados, não para termos iniciativa, para querermos um emprego para toda a vida, para odiarmos o risco.

Que maçada!»

Março de 2013

 E o meu comentário:

«É, de facto, extraordinário que os que sabem a verdade não queiram saber do contexto dos factos que vivemos, e prefiram a demagogia falaciosa, mas que inspira o povo desordeiro nos seus pequenos saberes, que se limita a vibrar com essas falácias da sua conveniência. Hoje ouvi uma dama em altos brados contra um Cavaco indeciso, considerando-o o pior da lista. Mas quando Cavaco aumentou vencimentos e construiu estradas aceitou ser aumentada, e aceitou as estradas do dinheiro a jorros. Tal como eu, como nós. A oposição devia ter sido feita na altura desse desmantelamento, em que todos participámos, sem o termos pedido. Mas continua tudo a berrar, que é um desaforo - PS, BE, PC, Verdes... Uma vergonha, ao som da musiquinha elevadora, com que o governo colabora, até para não ficar mal visto. Mas fica. Uma vez mais, Salles da Fonseca eleva o seu brado corajoso de homem honrado. Inutilmente, mas consola.»

Na busca do termo “deslargar” que as crianças usam e os dicionários não, nem mesmo o da Academia, o que é bué preconceituoso e desmotivante, encontrei o poema seguinte confirmativo, de Miguel Carvalhais Gama, postado em 8/8/2012, não com idêntico intuito crítico, é certo, embarcado que esteve o seu autor na estrada das banalidades temáticas de um passado que, pela foto jovem, nem sequer viveu, mas que bem define certo tipo de mentalidades muito nossas, que a musiquinha “Somos livres” como a gaivota e a papoila etc, dos anos setenta também exprime – ou espreme, que tudo isso viceja de suco, assim como também a “Grândola” da nossa falácia:
DESLARGAR»
 «A estrada dos anos de fome cessou!

Soltaram-se das grilhetas do presente

Abrem-se as pétalas da esperança

A sede de conquistar o desconhecido e o impossível

De tudo abraçar

O poder de concretizarmos a mudança

Vindo da era do conhecimento e da partilha

Chega a paixão de desbravar o futuro

O desejo de voar

Procurar um sentido, a existência

Caminhar no limiar do horizonte

Abrir a terra para a possibilidade

Regá-la de sonho

E colher realidade.»

 
Esperemos que a Troika não boicote as esperanças do nosso poeta e de todos os outros, no sentido do desbravamento, mesmo que este não atinja o limiar do horizonte, que isso é longe.

domingo, 10 de março de 2013

Catarina


São já 27, calhados neste 10 de Março, os anos que fazes, uns dias mais novinha do que a Ana, numa parceria das vossas mães – a tua e a da tia Binha, a mãe da Ana – que cresceu desde o primeiro ano da Faculdade, em amizade grande, que evoluiu em laços familiares e proximidade habitacional, e continua, em docência, na mesma escola.

27 anos de menina com um encanto particular, que fazia que te ouvia o nome à distância, pronunciado pelos teus muitos amiguinhos, quando te ia buscar à escola. Nunca gostaste de estudar, mas acabaste o teu curso, e hoje és uma menina que trabalha e que mantém a mesma atracção de doçura sobre as crianças mais novas, e sobre todos os que te amam.

Escreveu a tua mãe, para a tua Queima das Fitas os versos que transcrevo, versos para sempre justos, expressão desse amor de todos nós:

Há vários tipos de fitas...

Há vários tipos de fitas
pela estrada fora...
Estas são para nós as mais gratas,
as mais amplas,
as mais vastas,
que te e nos soltam
para o que há-de vir...
Em sobressaltos?
Na vida o que importa é partir.
A viagem é p’ra curtir
e nós queremos,
«minha Caaanta»,
que a faças com um sorriso
azul e rosa.
Em verso ou prosa
Tanto faz!
Enche um manto
de amor e encanto
e voa...
(Mas não à toa!)
Que o que nos apraz,
afinal,
é que consigas a magia
de um lugar
sem par
no porvir.

Queima das fitas da Canta

Fizeste um dia um anjinho de papel, na escola, para ofereceres à avó, talvez pelo Natal. Um bonequinho gracioso, em figura de cone bem rodado, com outro cone vindo por trás, com as pontas laterais soltas formando os braços, a cabeça um círculo colado no topo do vértice, olhos, boca e nariz pintados, que guardei religiosamente à vista, no armário com portas de vidro, como símbolo protector da família, por ser teu. Tens, pois, essa responsabilidade, Catarina, a de olhares para o mundo em volta sempre com a tua alegria, a tua inteligência, o teu carinho de menina bem formada.

E tens sorte, Catarina, no meio de um mundo caótico, consegues ir singrando, por vezes em sobressalto, por vezes desanimada, mas depressa te erguendo com a coragem de lutadora que afinal te tens revelado.

Tinha razão a tua mãe:

“Que o que nos apraz,
afinal,
é que consigas a magia
de um lugar
sem par
no porvir.”
            Muitos parabéns, Catarina, pelos 27, que nunca o anjo te esqueça, nunca te esqueças do anjo. Para que não percas nunca a tua alegria irradiante.
E, para que te envolva também o espírito protector do teu avô materno, com a bênção da avó Pureza com quem falas e ris tantas vezes, muitas pelo telefone, transcrevo para ti uma das cartas que ele nos escrevia em verso, durante a guerra, para Pinheiro, onde vivíamos:

Pequeninas amiguinhas!

Filhas do meu coração!

 
Respondo às vossas cartinhas

Que acabo de receber

Escritas por vossa mão.

Saberei eu responder?

- O que sente o coração

Não o dizem estas linhas.

 

Da nossa alma o sentir

Não há palavras no mundo

Que o possam traduzir.

Daí o meu embaraço.

Leva-me um sonho bendito

Junto de vós... Um abraço,

Um beijo, um meigo sorriso,

E tudo seria dito.

Que mais seria preciso?

 

          Minha pena de escrever,

Não sabes o dialecto

Do meu profundo afecto!

Não escrevas!... palavras minhas

De sentido incompleto,

De incompleta expressão,

Não as escrevas então!...

Ponto final nestas linhas.

.............................................

 

Com os olhos rasos de água

E o coração enleado,

Filhas, ausente, exilado,

Para escrever aprendi

A rezar todos os dias

Ao toque de Avé-Marias

Só a palavra saudade.

 
Lourenço Marques, 18 de Fevereiro de 1944

 

Mas o sentimento da saudade por ti,

Por qualquer dos meus,

Não quero eu vivê-lo nunca,

Como viveu o avô longe dos seus.

É sinal de que continuamos todos aqui,

Apoiando-nos com calor,

Vendo-nos com amor

Frequentemente,

Sem o espectro da emigração

Presente,

Dilatando espaços de comunhão,

Condenando

Irremediavelmente

À solidão.