domingo, 30 de março de 2014

Um requiem de muito carinho



A minha neta Catarina telefonou-me, a censurar-me por não ter feito referência ao aniversário da minha Mãe, que passou no dia 27. Não escrevi, mas vivi a mesma saudade que ela expressa na sua “elegia”, que colocou  no facebook e me mandou agora. A Catarina é uma moça boa e alegre que mantém a mesma ingenuidade – cheia de força, que lhe vem, talvez, da bisavó – ingenuidade que lhe ditou um desabafo que é o seu próprio retrato, de menina crescendo no seu mundo de carinho e alegria, por vezes orvalhada de desesperos. Como este, sobre a falta que lhe faz a si, uma pessoa que tanto nos marcou a todos os que convivemos mais intimamente com esse “portento” que foi a minha Mãe.
Obrigada, Catarina, creio que sim, que a minha Mãe te protegerá, como a todos nós, lá do lugar onde se encontra – porque estará sempre dentro de nós. Como a ti, também as lágrimas me escorrem muitas vezes pela cara. De saudade.






«Já vão alguns meses deste que tu nos deixaste, mas hoje os 107 aninhos são feitos no céu! Bisavozinha, ontem à noite por volta da 00:20, estavas brilhante, minha estrelinha. Tenho muitas saudades tuas e lembro-me de ti todos os dias. Gostava de te dar beijinhos, abracinhos, festinhas e de ter as conversas que tínhamos, outra vez. Gosto muito de ti...
Tenho saudades das tuas festinhas na minha cara e dos teus beijinhos cheios de ternura.
Tenho saudades daquelas tuas "saídas" de que de vez em quando me lembro: - "olha o teu freixelo"; "podes-me dar beijinhos se não tiveres nojo de mim" e eu respondi-te:-" ainda te dou mais"; -"és a minha carochinha!". Saudades!!!! Não tenho palavras. Recordo-me de ti com muitas saudades e as lágrimas correm-me pela cara.
Espero que nos estejas a proteger a todos na tua nova morada.
Gosto muito de ti e vais ser para sempre a minha estrelinha.

Aqui está o texto que escrevi sobre a avó...
Beijinhos»

sexta-feira, 28 de março de 2014

A Culpa é dos Ucranianos



Dois documentos históricos, duas interpretações - são os artigos do Público:  de 21/3  o de Vasco Pulido Valente, A balança,  de 23/3,  Desta vez é diferente, de Teresa de Sousa .


Sobre o conflito da Ucrânia, Pulido Valente historia o passado ambicioso da Rússia, pela posse do mundo e a necessidade de um mar que a ligasse ao mundo, não lhe bastando a terra que se espraiava por dois continentes. O Mar Báltico, bastante gelado, apesar de um São Petersburgo de desenvolvimento favorável, requereu a busca do Mar Mediterrânico mais aquecido. Tornava-se, por consequência, a Crimeia, imprescindível para esses fins, Sebastopol de Catarina a Grande, ocupando a posição da cidade de Pedro, também Grande .

Tão fácil de perceber! A Crimeia o ponto de mira para uma Rússia poderosa, Sebastopol o ponto de arranque para fins expansionistas mais aconchegados. A Ucrânia, que ainda há pouco adquirira a sua autonomia relativamente à URSS, virava-se agora para o Ocidente, com a Crimeia a reboque. O Ocidente encorajou, mas logo a Rússia ocupou a Crimeia, o ponto estratégico da sua retomada de forças e de posição no mundo.

Teresa de Sousa responde que não vai ser assim. O retorno da Rússia ao seu antigo estatuto de união de repúblicas de que fora usurpadora já não ia processar-se, apesar do desprezo de Putin pela fraqueza ocidental, que impõe sanções à Rússia na esperança de que a Rússia recue. Uma guerra nesta era nuclear não interessa, de facto, a ninguém. Teresa de Sousa confia no peso da democracia, que já venceu fascismos e comunismos, para fazer frente a retornos desses pavores.

Oxalá tenha razão, Teresa de Sousa.

Nisto tudo, parece-me que os Ucranianos é que falharam, na sua maioria, tanto os da Crimeia como os da Ucrânia que lutam pelo pãozinho, que lhes vem da união com a Rússia, e que não desejam perder, mais importante do que essa outra coisa que é a da liberdade sem pãozinho, que é como nós cá, por estas terras democráticas andamos a viver. Com as devidas excepções, na questão do pão.

Lembro este nosso pequeno país, muitas vezes sem pãozinho, mas lutando pela sua independência (com excepções também, na questão da luta), apegados ao seu torrão, à sua história, aos seus artistas. Poderíamos servir de exemplo aos Ucranianos pró-Rússia, que desrespeitam os seus irmãos que desejam ser livres.

 “A balança”, por Vasco Pulido Valente:
Como império continental, o império russo sempre teve o problema de estabelecer para si, e sob seu domínio, uma saída para o mar. Pedro, o Grande, construiu Petersburgo, julgando que ficava mais perto da Europa. Mas só parcialmente conseguiu o que queria; durante muitos meses por ano o Báltico oriental gelava e não permitia qualquer espécie de navegação. O verdadeiro ministro dos Negócios Estrangeiros do império, por exemplo, acabava por ser o embaixador em Londres. Catarina, a Grande, resolveu parcialmente o problema quando conquistou a Crimeia e construiu Sebastopol. Agora, sim, adquirira um porto de águas quentes, que estava aberto o ano inteiro e, por isso mesmo, se tornou a via principal da influência russa no Ocidente. Militar e comercialmente, era insubstituível.
Não foi por acaso que a única invasão triunfante da Rússia nos tempos modernos (1853-1856), pela Inglaterra e a França de Napoleão III, se pôs como objectivo principal conquistar a Crimeia. Toda a gente sabia que, sem Sebastopol, a Rússia voltaria ao seu isolamento e pouco a pouco perderia o seu peso na Europa. Como não foi por acaso que na I Guerra a Alemanha trouxe a Turquia para o seu lado e na II Hitler aturou (com dificuldade) a sua neutralidade e tomou Sebastopol logo que pôde (von Manstein). A ajuda aliada veio pelo Pacífico, com o prejuízo que implicava transportar o material para a frente de combate, e pelo mar Branco, transitável poucas semanas por ano e sujeito ao ataque dos submarinos da Alemanha. Sem Sebastopol, o império enfraquecia.
Claro que com o advento do comboio, e a seguir do avião de carga, as coisas mudaram. Sucede que tanto o comboio como o avião custavam muito mais do que o navio de mercadorias. E, além disso, a Rússia continuava impedida de construir no Ocidente uma marinha de guerra, capaz de agir a qualquer momento (supondo que a Turquia a deixava passar para o Mediterrâneo). Não admira que Sebastopol se tornasse num emblema do nacionalismo russo e da sua “porta aberta” para a Europa e para o Atlântico. A UE e a América não perceberam a tempo que o renascimento do império, com Putin ou sem ele, iria levar ao programa primário de recuperar a Crimeia. E encorajaram a Ucrânia, a que a Crimeia pertencia por uma extravagância de Khrutchov, a criar uma dependência, se não uma “aliança”, com a Europa. O que devia suceder, sucedeu: não o regresso à guerra fria, o regresso à velha balança das potências do século XIX.

“Desta vez é diferente” por Teresa de Sousa


1. Estamos tão habituados a criticar a eterna indecisão da União Europeia quando se trata de questões de segurança internacional que, por vezes, não conseguimos detectar a mudança. Podemos talvez agradecer a Vladimir Putin o facto de, desta vez, as coisas não serem assim.
Podemos dizer que a União Europeia não prestou a devida atenção à sua estratégia brutal para regressar ao estatuto de grande potência a quem os EUA têm de fazer a devida vénia. É verdade. Imagina-se facilmente que, durante as negociações do Acordo de Associação com a Ucrânia, a eurocracia não deve ter prestado a mínima atenção à realidade política envolvente. Os líderes europeus andam há tanto tempo mergulhados na crise do euro, que pouca atenção devem ter prestado à “parceria oriental”, uma daquelas coisas que a Europa faz quase automaticamente e que já pouco tem a ver com a realidade europeia. Em Dezembro, Putin forçou o “seu” Presidente ucraniano a não assinar o acordo. No dia seguinte, foi o que se viu em Kiev. A velocidade dos acontecimentos deve ter surpreendido tanto a Europa como o próprio Presidente russo. A surpresa não o impediu de reagir aos acontecimentos de forma a ocupar a Crimeia e a demonstrar aos países europeus que fazem fronteira com a Rússia que mais vale portarem-se bem.
Putin calculou mal alguns aspectos da sua estratégia. Ocupou a Crimeia e integrou-a na Rússia em menos de oito dias, com um referendo que foi uma farsa e que, até agora, ninguém reconheceu como legítimo. Continua a ameaçar o território oriental da Ucrânia, alegando a protecção da minoria russa. Como escrevia Jim Hoagland, colunista do Washington Post, cometeu o erro de proclamar a sua nova doutrina: “Moscovo intervirá para proteger os russos étnicos noutros países contra perigos imaginários”. Esta doutrina não é apenas um desafio à União Europeia e à NATO, é também a mensagem errada para obrigar as antigas repúblicas soviéticas a integrar-se na sua União Euroasiática. Tudo isto já é conhecido. Mas Putin falhou na avaliação que fez da resposta europeia, cuja fraqueza olha com um enorme desprezo, contando com a suas eternas divisões, muitas delas ditadas pelos negócios, incluindo a energia.
Para que a sua avaliação tivesse sido correta, era preciso que a Europa não tivesse percebido o óbvio: que a ocupação da Ucrânia e a ameaça a outros países foi aquilo que em língua inglesa se chama de “game changer”. Por mais distraída que viva em relação ao mundo que a cerca, há coisas que não pode ignorar. Foi o que aconteceu. “A conduta da Rússia é interpretada erradamente como o início de nova guerra fria com a América”, escreve a Economist. “Coloca uma ameaça mais ampla porque Putin conduziu um carro de combate contra a ordem existente”. Para Obama é um momento fundamental: “tem de liderar, não apenas cooperar”. Para a Europa, o reforço da NATO e o fim da dependência energética passam a ser cruciais.
2. A grande novidade é a Alemanha. Enquanto David Cameron ainda lia memorandos sobre como preservar a City do eventual congelamento dos bens dos oligarcas e a França se punha a fazer contas aos “Mirages” que queria vender à Rússia, Angela Merkel já tentava coordenar a sua resposta com Obama. Em todas as suas declarações, no Bundestag ou fora dele, a chanceler deixou claro que esta não era uma crise como as outras e que a resposta não poderia ser a mesma de sempre. Com o seu peso político, contribuiu decisivamente para que a Europa não se dividisse. Foi a principal interlocutora de Obama, mostrando que a Alemanha não se preocupa apenas com a economia. A partir daqui, o caminho vai ser mais difícil. No Conselho Europeu da semana passada, Cameron e Hollande já tinham deixado para trás a City e os Mirages, defendendo a quase inevitável “fase três” das sanções económicas, enquanto Merkel se mantinha mais prudente (não tanto sobre a sua inevitabilidade, mas quanto ao ritmo a que devem ser anunciadas). As relações económicas entre a Alemanha e a Rússia são enormes. Pode dizer-se que as sanções políticas aplicadas pelos EUA são muito mais duras do que as europeias. O comércio entre a União e a Rússia é 10 vezes maior do que o dos Estados Unidos e a dependência energética necessita de uma forma qualquer de encontrar alternativas.

terça-feira, 25 de março de 2014

“Notícias do meu país”



Um Jornal “Público”, o de 20/3, pleno de referências de gravidade, instituída neste país, que vamos atamancando no meio da floresta pútrida, a remexer palavrosamente em dados de ruína material e moral atordoantes, e continuando, apesar do palavreado, a apodrecer, sem que um acordo de sensatez mobilize os cidadãos num sentido de maior elevação. Muitos do mesmo partido do Governo tentam destruí-lo, arranjando manhosamente aliados externos. Os da esquerda, conscientes, embora, de que a única política possível é a que segue o Governo, e a que seguirá o PS quando o for, a seguir - conquanto este se mantenha ainda de mão no peito, esganiçando a voz dos bons sentimentos, de meias tintas, para não se comprometer muito, é claro, pois sabe do que gastará a casa então - já estão no bota-abaixo ao PS, considerando-os da mesma laia dos que lá estão agora. Entretanto, coisas bem graves como a da Justiça e da Educação se passam no país, que não mudará, inimigos que somos, internamente, na mesquinhez, inveja e arrogância. Na desordem da indisciplina e do desrespeito, que é a verdadeira instituição nacional, sempre alimentada pelos poetas maviosos das “trovas do vento que passa”...
Relativamente à Justiça, transcrevo o artigo da rubrica “Cartas à Directora” (pág. 44) «Podemos não gostar deles» de Carlos J F Sampaio, de Esposende, que não merece comentários, como auto-retrato da nossa imobilidade:
«Podemos não gostar da língua deles e até associá-los ainda aos horrores do nazismo. Podemos acusá-los de estarem a gerir egoisticamente o Euro, atendendo exclusivamente aos seus interesses e ignorando os do conjunto de todos os países. Podemos ter muitos motivos para não gostar da Alemanha.
Agora, há uma notícia muito recente que evidencia que eles são diferentes de nós noutras coisas também. O muito popular e poderoso presidente do principal clube de futebol do país, o Bayern de Munique, foi condenado a 3 anos e meio de prisão efectiva por evasão fiscal. Num julgamento de 4 (quatro) dias. Ajudou naturalmente a colaboração do próprio, que sabia que se não fosse assim o resultado seria muito pior. No final decidiu ainda não recorrer e aceitar a sentença.
Do lado de cá, e quase em simultâneo, vimos a condenação de Jardim Gonçalves ser anulada, mas é apenas um exemplo. Não me chegam os dedos das duas mãos para contar os enormes e escandalosos “não casos” acabados em nada. Por cá criminoso é apenas aquele que é apanhado em flagrante delito e não consegue destruir a legalidade das provas ou atingir a prescrição. Na Alemanha este senhor importante resolveu contar tudo, ou por puro princípio ou por estar convencido que não iria escapar da justiça. Quando uma figura notável e poderosa em Portugal seguir o mesmo caminho, estaremos todos de parabéns.
São estes e outras diferenças que fazem a prosperidade de um país e não é chamando-lhes nomes feios que vamos resolver os nossos problemas e evoluir.»
Relativamente à Educação, o artigo da jornalista Natália Faria com o longo título «Escola pública não garante mobilidade social nem dá garantias de ensinar os alunos a ler e a contar». É sobre o livro de Maria Filomena Mónica “A Sala de Aula”:
«A escola pública deixou de funcionar como “veículo” de mobilidade social. Tornou-se “criminosa, indigna e estúpida”. E a culpa, aponta Maria Filomena Mónica, autora de um livro sobre as salas de aula que é lançado nesta quinta-feira em Lisboa, é dos sucessivos ministros. “O melhor que tinham a fazer era começar por deixar os professores em paz”, aconselha.»
«Há miúdos que ameaçam fisicamente os professores, alunas que são iniciadas no haxixe pelos próprios pais. Há disputas com telemóveis, contínuos que receiam os alunos. Há portões de escola que mais parecem “chaminés de fábrica”: “Hoje em dia um charro é tão comum como um cigarro nas escolas”, descreve uma aluna.
Há professores que gastam aulas a gritar e que depois desistem. E que, além de directores de turma, são classificadores de exames, coordenadores de disciplina e distribuidores do serviço lectivo e que, por isso, se desgastam em reuniões que lhes roubam tempo para as salas de aula. E há frases como esta, proferida por uma professora que, ao fim de páginas de diário em que dá conta da sua frenética batalha, desmorona: “Não tenho uma posição optimista face ao futuro das escolas públicas. Bem pelo contrário, temo que estejamos a assistir, a muito curto prazo, à sua decadência total”.
A socióloga Maria Filomena Mónica andou meses a procurar resposta para a pergunta "O que se passa dentro das nossas salas de aula?" e as respostas que obteve, a partir dos diários de duas professoras, quatro alunas e uma mãe, confirmaram os seus piores receios. “É uma escola criminosa, indigna, estúpida. Que não suscita a curiosidade para aprender, que não ensina as crianças a pensar. Nesse sentido, a escola tornou-se um desperdício de dinheiro”, diagnosticou ao PÚBLICO, a propósito do lançamento dos livros A sala de Aula e Diários de Uma Sala de Aula, que decorre esta quinta-feira, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, ambos editados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Para evitar mal-entendidos, a socióloga esclarece à partida que estudou a escola pública porque a quer melhor. “Os pais que não se convençam que aquilo só se passa nas escolas públicas. Conheço miúdas das privadas que me fariam relatos igualzinhos ou piores”, ressalva. E o que nos mostram os relatos que se estendem por aquelas centenas de páginas é o de uma escola de massas que perdeu a oportunidade de funcionar como “elevador social” das classes mais desfavorecidas. “Nos anos a seguir ao 25 de Abril, acreditava-se que a escola devia servir de instrumento de mobilidade social. A prova de que isso não funcionou é que continuamos com a maior taxa de desigualdade social da Europa: o rendimento médio dos 20% mais ricos é sete vezes superior ao dos 20% mais pobres, enquanto a média europeia é de quatro”, argumenta.
O pior é que nem enquanto transmissora do “saber ler e contar” a escola está a cumprir o seu papel. “A cultura que os alunos adquirem ao longo de 12 anos é má. Há a ideia de que a escola tem de dar coisas que os alunos compreendem facilmente, como as telenovelas, os discos da Taylor Swift ou os livros do Harry Potter. Simplesmente para isso eles não precisam da escola. Eles vão lá por si. E o resultado é que muitos dos jovens que frequentam a escolaridade obrigatória mal sabem ler e muito menos interpretar o que lêem ou construir frases com sujeito, predicado e complemento directo”, acusa a socióloga.
Não diziam palavrões nem cuspiam para o chão
Para ajudar a perceber como se chegou a este ponto, a socióloga recua várias décadas. Em 1926, havia cerca de 63% de analfabetos. Esses eram os tempos em que apenas 13% dos jovens permaneciam na escola após a quarta classe e em que os alunos “não diziam palavrões, não cuspiam no chão e mal levantavam os olhos quando eram chamados ao quadro”. Em 1974, a taxa de analfabetismo tinha descido aos 35% mas continuava a ser a mais elevada da Europa. Muitos alunos deixavam a escola aos nove, 10 anos. As universidades eram “uma ilha frequentada por privilegiados”. Quando o Estado Novo ruiu, nem as escolas nem os docentes foram preparados para acolher os alunos até então estranhos à escola. Hostis a regras, pouco propensos a qualquer tipo de actividade intelectual, postos perante professores “habituados a ensinar os filhos das classes médias”. Com o ministério da 5 de Outubro a debitar consecutivamente “leis, decretos e portarias que ninguém entendia, pela simples razão de que não eram inteligíveis”, a deserção das classes médias para o ensino particular que se seguiu “agravou os problemas”.
Estatísticas animadoras
Pelo meio, algumas estatísticas animadoras: “Entre 1991 e 2001, o abandono da escola por crianças com idades entre os 10 e os 15 anos, ou seja, do 5.º ao 9.º ano do básico, baixou dos 13% para os 3%. Mas mesmo isto, segundo a autora, deriva quase só “das preocupações do Ministério da Educação com a posição do país nas tabelas internacionais”.
Em 2011, porém, a taxa de abandono precoce em Portugal continuava a ser de 23,2%, contra uma média europeia de 13,5%. Colocada em perspectiva, a ideia de se prolongar a escolaridade obrigatória até ao 12.º ano, apresentada dois anos antes, em Agosto de 2009, pelo então primeiro-ministro, José Sócrates, “nasce da verificação de que é melhor ter os jovens na escola do que na rua”, segundo Filomena Mónica.
“Em 30 anos passamos de uma situação em que a 'mortalidade escolar' tinha lugar aos 10 anos, porque as crianças tinham de ir trabalhar, para outra em que os alunos são obrigados a ficar na escola até aos 18 porque não têm onde trabalhar”, sintetiza a socióloga. Que não discorda do princípio. “A mudança em si podia ser boa se esse grau de ensino fosse bem organizado, isto é, se houvesse, no caso do ensino vocacional, empresas que pegam nos alunos, como se faz na Alemanha. Mas é utópico pensar-se que vai haver aqui ensino vocacional como o alemão. Portanto, desconfio que este alargamento serve apenas para tirar estes miúdos das ruas e das estatísticas do desemprego e, mais uma vez, por causa das estatísticas internacionais”. No fundo, ergueu-se “mais um andar sobre um edifício “em vias de colapso”.
Os culpados, segundo Maria Filomena Mónica, “são todos os ministros que se sucederam na pasta depois de 1974”, porque “foram eles, e não os professores, que não souberam enfrentar o problema da massificação da escola; foram eles, e não os professores, quem elaborou os programas; e foram eles, e não os professores, quem levou as classes médias a retirarem os filhos do ensino público”.
Sem soluções prontas a aplicar, Maria Filomena Mónica aconselha o ministro Nuno Crato a deixar de tratar os professores “como uns estafermos incapazes”. “O que está a acontecer com a escola de massas é a proletarização da profissão docente e uma tentativa, caída de cima, de robotizar a profissão, com os professores a tentarem sobreviver, ignorando sempre que podem, e podem pouco, os disparates que caem de paraquedas, directamente do ministério”. Por acreditar que os professores precisam de se sentir acarinhados “quer pelo poder quer pela sociedade”, a socióloga considera que o melhor que Nuno Crato podia fazer pela escola pública era deixar os professores em paz. “Deixá-los preparar lições, dar aulas e corrigir os exames dos alunos, em vez se os pôr a preencher relatórios que não servem para nada”