sexta-feira, 27 de março de 2015

De facto, não se morre assim



Um artigo de Vasco Pulido Valente - «Folhas Mortas?» - (Público, 22/3/15), jornal trazido pela mão fraterna da minha irmã, ontem, juntamente com as amêndoas da Páscoa, artigo que leio hoje, com o prazer de sempre, revivendo Yves Montand, e simultaneamente lembrando a minha Mãe, que completaria hoje 108 anos, se não tivesse partido há dois anos, «moi qui t’aimais, toi qui m’aimais”, para onde nunca saberemos onde fica. Mas ela está, e é connosco que fica, bem florida na sua campa partilhada com a gente boa que lhe rodeou a vida – o seu marido, a sua irmã Clara, o seu genro -  «moi qui t’aimais, toi qui m’aimais”, on s’aimait bien et l’on continue. Campa que a minha irmã se encarrega de embelezar, sempre atenta ao pormenor artístico, sinónimo do prazer de viver, contemplando toda a maravilha que nos fornece o universo, prova da existência de um ser superior para um Rousseau sensível e brilhante. O mesmo prazer que se sente na leitura de um bom artigo de jornal, como este de Vasco Pulido Valente, também prova da existência de um Deus criador, na concepção racionalista de Voltaire, verdadeira também na pintura de um quadro, ou na decifração de um enigma, na resolução de um problema complicado, ou na descoberta de um remédio eficaz, expressão das potencialidades intelectuais ou artísticas desse ser, ao sexto dia criado do pó, conquanto edénico.
Este artigo de Vasco Pulido Valente levou-me aos tempos do liceu, onde havia jovens  como esses de quem fala, ledores da cartilha marxista e por isso chamados a prestar contas perante a PIDE-DGS, que lhes invadira as estantes domiciliárias com ferocidade destruidora. Recordo o Rui, o Gil, o Horta, não sei se o Miranda e o Pereira Leite, também todos eles deslumbrados, na sua adolescência de rebeldia e novidade ideológica, de quem julgava ter descoberto a pólvora e desprezava a sociedade burguesa conservadora e preconceituosa a que pertenciam as suas famílias, que provavelmente os educaram na liberdade de pensar, talvez elas próprias contestando as grilhetas impostas por um governo autoritário, mas naturalmente submissas às regras seguidas. Recordo o meu Pai, contando, a rir, a história de um colega seu que um dia foi votar por desfastio no único partido existente e escreveu no seu voto: “Eu e o meu cão Farrusco votamos na União Nacional.” Era assim, o meu Pai, como a maioria dos cidadãos, seguindo as regras, por respeito, por princípios de obediência e educação, reservando para a família ou os amigos as graças das suas reservas políticas.  Respeito como hoje se encontra ainda entre a maioria dos ingleses, quando fazem, com veneração, a trasladação dos ossos encontrados de Ricardo III para junto dos seus parentes York.
Velhas histórias que vão ao encontro das que Vasco Pulido Valente traz uma vez mais ao palco das suas evocações, transformadas pelo seu senso crítico, nascido do saber feito de leitura e de vivência acumulada de todos estes anos que passaram, de viragem nesse sentido libertário que os jovens de então pretendiam, e que se revelou catastrófica pelos excessos cometidos em sucessivos governos de abertura para o povo carente de direitos, pretexto para uma manipulação destruidora do equilíbrio governativo.
“Folhas Mortas?”, o excelso texto de Vasco Pulido Valente, que me lembrou a minha Mãe de 108 anos - hoje, na nossa lembrança - uma mulher tão viva, tão enérgica, tão humana, em toda a acepção do termo. Um texto que ousa apontar a profunda ignorância dos “Álvaros Cunhais” daquele e deste tempo, confinados aos seus slogans admirativos ou de repulsa revolucionária. Também eu adorei Sartre uns anos mais tarde, sobretudo o das peças dramáticas e nas descrições de Simone de Beauvoir, com o espírito admirando, com encanto mas sem parcialidade, relativizando os conceitos e as atitudes e contestando por vezes os princípios irreverentes ou de revolta facciosa.
“Folhas Mortas?” com interrogação, o título do texto de Pulido Valente, sugerindo resposta negativa, na identidade espiritual entre esses idealistas de outrora e os de agora, os de agora mastigando as sínteses vindas do passado, de pura revolta não por amor mas por ódio.
Não, não estão mortas as folhas, como não estará morta a recordação da nossa Mãe que a canção  de Yves Montand pode também abranger, «Moi qui t’aimais, toi qui m’aimais». Et encore…

FOLHAS MORTAS?
Resolvi fazer uma visita ao meu passado, o que evidentemente implicou ler o que lia há 50 ou 40 anos. Não tudo, claro, só aquilo de que ainda me lembrava e que, por uma razão ou por outra, tinha sido importante na minha vida.
De livro em livro, fui percebendo que desde muito cedo fiquei fixado nas duas grandes polémicas do tempo: a natureza do comunismo soviético e as pretensões científicas do marxismo. Ninguém acreditaria hoje no entulho que pouco a pouco acumulei sobre assuntos com tão pouco interesse e, em si próprios, tão claros. Mas na atmosfera de esquerda da minha casa e da universidade, eles exigiam tempo, zelo e proficiência. E não me desculpo porque toda a “inteligência” da Europa (excepto em Inglaterra) também não pensava em mais nada.
A Ditadura complicava as coisas. Os sermões dos “maîtres à penser” não se vendiam ao balcão como qualquer legítima mercadoria. Alguns beneméritos acabavam por os vender clandestinamente. Ou meia dúzia de intermediários acabavam por os trazer de Paris. Para seu mal, o regime do dr. Salazar não deixou que o descrédito do marxismo e do estalinismo (já quase completo em 1973) chegassem a Portugal. Aqui, a esquerda continuava a ler Althusser e a falar com inteira seriedade da “prática económica”, da “prática política” e, principalmente, da “prática teórica”. E gente, que depois deslizou para um liberalismo analfabeto (“neo” ou não), não se calava com o “corte epistemológico” de Marx e a soturna realidade genericamente apelidada de “Aparelhos Ideológicos do Estado”. Esta alta idiotia, sob formas variáveis, nunca os deixou.
Estava na televisão, em 1975, quando Cunhal, um estalinista indecoroso e beato, proibiu com a ajuda do MFA um documentário em que se mencionava de passagem a purga ao Exército Vermelho de 1938. Nessa altura, a Europa conhecia Kravchenko, Souvarine, Serge, o relatório de Khruschev ao XX Congresso, e também Koestler, Orwell, Milosz e Solzhenitsyn. Infelizmente, Portugal era uma ilha de iletrados em que se admirava o PC e se persistia em venerar Sartre. Porquê ir agora buscar esta velha história? Porque ela deixou a sua marca na cultura política portuguesa: a intolerância que reapareceu e aumenta dia a dia de ferocidade; a desonesta e facciosa simplificação da crise (da direita à extrema-esquerda); e a terrível ideia de que o Estado pode formar e corrigir a sociedade. No Portugal arcaico, que é o nosso, estas ressurreições não animam.

Antes que fique na cadeira de rodas



Texto de  Kai Littmann saído no blog “A Bem da Nação”.

OLFGANG SCHÄUBLE: QUEM É O SENHOR AUSTERIDADE?
Wolfgang Schäuble é na política o que o «Bayer Leverkusen» é no futebol: o eterno número 2, que nunca chega ao título
É o dele, ainda mais do que o da Chancelerina Merkel, o rosto da política austeritária alemã. Mas quem é ele? Sabemos que é o ministro das Finanças da Alemanha. Sabemos que se encontra entre os «falcões» da política alemã. Sabemos que se desloca numa cadeira de rodas. Sabemos também que é jurista, pai de família e deputado pelo Ortenau, a região que faz fronteira com a cidade francesa de Estraburgo. Quanto ao resto, sabemos pouco sobre este homem que, desde há várias décadas, anseia pelo poder na Alemanha, sem jamais tê-lo verdadeiramente conquistado. Razão para nos perguntarmos se a intransigência da sua política na cena europeia não constituirá uma espécie de «vingança» por um destino pessoal com razões de sobra para amargurar um homem.
Nascido em 1942 em Friburgo, Wolfgang Schäuble chegou cedo à política. Seguramente inspirado pelo seu pai, Karl Schäuble, deputado da CDU no parlamento regional de Baden (1947–1952, até à sua fusão com Wurttemberg), Wolfgang abraça a política a partir de 1961 e torna-se membro da «Junge Union», organização de jovens conservadores. Numa época marcada pela revolta da juventude contra a geração da guerra, Wolfgang Schäuble posiciona-se nos antípodas da «geração de 68» – os valores que defende são conservadores.
Em 1972, aos 30 anos, depois de ter concluído com brio os seus estudos em Direito, torna-se deputado ao Bundestag [o parlamento alemão] – era o início de uma carreira política assaz excepcional que, no entanto, jamais o levaria lá aonde queria: ao topo do poder. Com Helmut Kohl, Schäuble torna-se ministro sem pasta (de 1984 a 1989) e influente chefe da Chancelaria, antes de se tornar Ministro do Interior (de 1989 a 1991 e de 2005 a 2009). Foi ele quem teve a seu cargo as negociações do contrato de reunificação com a RDA, juntamente com o seu homólogo de leste Günter Krause. Mas os anos do seu maior sucesso político foram também os anos dos seus maiores fracassos pessoais.
Primeiro, foi vítima de um terrível atentado. Em 12 de Outubro de 1990, ou seja, imediatamente após a reunificação alemã (3 de Outubro de 1990), um doente mental (que não pôde ser julgado, por inimputabilidade, e acabou internado num hospital psiquiátrico) disparou sobre Schäuble quando este estava num evento eleitoral pela sua região em Oppenau. Malgrado os ferimentos, Schäuble, paraplégico, regressava à política, pois era ele o sucessor que havia sido designado por Helmut Kohl, cujo reino de 16 anos chegava por esses dias ao fim.
Schäuble estava tão perto do seu objectivo, mas um escândalo relacionado com o financiamento do seu partido iria afastá-lo sem apelo. Foi assim que se viu obrigado a assumir ter aceitado em 1994 um donativo de 100 000 marcos, em numerário, entregues pelo comerciante de armas Karlheinz Schreiber – um montante que nunca apareceu nos relatórios de contas do seu partido. Durante muito tempo, Schäuble havia negado ter recebido esse donativo, antes de confessar tudo e de se desculpar no Bundestag por ter «transgredido a lei». Esse escândalo aniquilaria os seus planos de sucessão a Helmut Kohl, que nesse momento o preteriu em favor de uma jovem promissora provinda da antiga RDA – Angela Merkel, de quem Schäuble se tornaria um subordinado até hoje, 43 anos volvidos desde o início da sua carreira no parlamento alemão (um recorde), cujos últimos dias Schäuble vive neste momento.
Talvez o drama de Wolfgang Schäuble seja justamente o ter sempre estado na sombra de outra pessoa qualquer – e talvez seja isso mesmo que azedou este homem que parece ter prazer em impôr sofrimento aos povos do sul da Europa. A reunificação alemã em 1989/90 não lhe foi jamais atribuída, mas ao seu patrão Helmut Kohl, e na corrida pelo poder na Alemanha, que no entanto lhe parecia destinado, chegou sempre em segundo lugar. É um pouco como o Bayer Leverkusen no futebol, que está sempre entre os melhores mas que nunca chega ao título.
Nas relações franco-alemãs, Schäuble mostrou-se bastante discreto, e no entanto, enquanto deputado pelo Ortenau, região fronteiriça franco-alemã, poderia e deveria ter-se empenhado bastante mais nessa cooperação no coração da Europa. Sucede que Schäuble teve sempre os olhos postos em Berlim, Bruxelas e Estraburgo, e nem tanto na sua própria região.
Em termos de política interna, o ministro dos Assuntos Internos Schäuble foi considerado um «falcão», sempre a tentar fazer do Estado alemão uma espécie de Estado vigilante, e cujas propostas radicais em matéria de Segurança Interna chocaram muitos alemães. No mês de Outubro de 2009, foi atribuído a Schäuble o «Big Brother Award», pela «sua obsessão em transformar o Estado de direito democrático num Estado autoritário»: recebeu nessa data, com a reeleição de Angela Merkel, a pasta das Finanças. Quanto ao resto, Schäuble será recordado pelas numerosas iniciativas legislativas de tal forma duras que até mesmo o seu próprio partido tentou por várias vezes demarcar-se dele.
A empatia é uma palavra que não figura no vocabulário de Wolfgang Schäuble, um homem que dedicou a sua vida inteira à política, ao seu partido, à sua carreira – uma carreira que no entanto nunca lhe dedicou a ele a glória tão desejada. A frustração daí resultante pressente-se no seu discurso, por vezes no limite da malícia, e sempre na mais absoluta intransigência. Quererá Schäuble partilhar o insucesso da sua vida política com o resto da Europa?
Schäuble faz parte de uma geração de homens e mulheres profissionais da política que, felizmente, estão a aproximar-se a largos passos da aposentação. Aos perto de 44 anos de vida como parlamentar, contando já com 43 anos de jogos de poder, 43 anos de luta para chegar aonde nunca conseguiu, um terrível atentado, os escândalos, Schäuble teve direito a uma vida política das mais interessantes do seu tempo, mas é agora tempo de deixar o seu lugar a uma outra geração, que compreende melhor o que está em jogo na nossa época. Aos 73 anos, parece totalmente dissociado do mundo de hoje e seria desejável que deixasse o seu posto antes de fazer ainda mais estragos à Europa e aos povos europeus.
Wolfgang Schäuble, pesadamente condecorado, figura entre os responsáveis pela transformação da Europa numa espécie de zona de jogos para o capitalismo financeiro, em detrimento dos 500 milhões de europeus e europeias. Schäuble teria gostado de figurar nos livros de História enquanto arquitecto de uma nova Europa – mas se algum dia vier a estar nessas páginas, será mais por ter sido um dos coveiros dos valores humanistas europeus. E no entanto, podemos partir do princípio de que Schäuble tinha à partida as melhores intenções relativamente à Europa. Certo é que em todos os momentos-chave da sua carreira, ao nível da construção europeia, Schäuble também não foi capaz de alcançar o seu objectivo. Eis pois a tragédia do homem – que faria melhor se parasse agora de se vingar na Europa por ter falhado os seus objectivos pessoais.

Comentário:
No caso português, pelo menos, essas teriam que ser as políticas a seguir, pois há muito andávamos a comer em gamela alheia, e houve alguém ainda jovem que procurou lutar para salvar a nação da desonra, resgatando uma dívida que a abafava. Pena é que nele – país - se esforcem muitos para deitar abaixo esse que nos deu uma lição: uns em traficâncias significativas de miséria moral, destruidoras da economia, outros em gritos de ataque grotesco e sem qualquer decência, ou em falsas vozes de doçura sibilina, a sugerir ingerências criminosas desses que eles pretendem acima de tudo responsabilizar para atirar fora. Imagem das peixeiras gritando e escamando e estripando, eis o que, de facto, parecemos. E ao contrário do povo germânico, que reconhece o valor a Shäuble e o mantém no governo, apesar de em cadeira de rodas, nós, o que pretendemos - talvez, todavia, generosamente, somos de brandos costumes - é chutar o nosso “Shäuble”, antes que ele fique na cadeira de rodas que lhe vamos preparando.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Vergonha não há porque não é paga




Um artigo de António Bagão Félix, - “A insustentável não prioridade do ensino artístico”  - (Público, 21/3/15), é bem expressivo da nossa idiossincrasia de mediocridade e apatia intelectual que, em sucessivos governos, vai relegando para as calendas gregas os trabalhos de reparação da Escola de Música do Conservatório Nacional, as prioridades de embelezamento centrando-se nas redes de autoestradas e estádios de futebol inadiáveis e ruinosos que foram. É bem significativo de desprezo, sobretudo por este Governo, que, afirmando a questão como prioritária, a vai protelando. Mas o mesmo fora, no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, o Programa Parque Escolar, ambicioso e espectacular, colocando-o no fim das suas prioridades.
E no entanto, não admira a desatenção pela cultura real e pelo bem estar físico e espiritual dos estudantes - neste caso de música. Já nos meus tempos de Coimbra, a água penetrava na Biblioteca Geral. Mas havia sempre quem se lá enfronhasse nas consultas dos calhamaços. Nas escolas de hoje apanha-se chuva de pavilhão para pavilhão, estamos habituados às dificuldades, desde tempos imemoriais, o sítio é secundário quando se tem uma vocação.
A nossa música de maior receptividade está, aliás, centrada no fado e no bailarico, ela nos serve de estímulo, e até já ganhou projecção, como património imaterial. Há canais televisivos em francês e inglês, pelo menos, que vão mostrando e explicando quadros de pintores clássicos em várias facetas de análise. Também há neles programas sobre os palácios, num reviver de arte e história dos reis. Nós somos avessos aos reis. Mas também à arte. A televisão poderia ser um bom veículo didáctico, em termos mais sérios ou menos farfalhudos. Programas de fados é que não faltam, no canal Memória aos domingos. Repetidamente. E assim, de vez em quando vamos revendo e revivendo a nossa Amália. Somos pessoas que nos deixamos embalar pelos prazeres dos sentidos mais do que pela reflexão sobre as características das artes, coisa cansativa.
Os alunos que se dedicam de facto à música, fá-lo-ão sempre, estudiosamente. Basta-lhes que tenham professores transmissores dessa arte. Que, ao menos, nunca falte dinheiro para pagar aos professores. O sítio é secundário. Somos assim. Não se estranhe. Hoje já ninguém cora de vergonha.

A insustentável não prioridade do ensino artístico
António Bagão Félix
As imagens do estado de degradação do edifício onde funciona, há 180 anos, a Escola de Música do Conservatório Nacional fazem corar de vergonha qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade.
Uma situação insustentável do ponto de vista das condições mínimas para se ensinar e aprender, e perigosa em termos de falta de segurança física, ao ponto de a Inspecção da CML ter mandado fechar dez salas. Ao que li, as últimas obras significativas aconteceram há 70 anos.
Verdade seja dita que o problema, embora agora agravado, já existe há muito tempo, passando pela indiferença e inacção de vários Governos. Até o Programa Parque Escolar, lançado em 2007, relegou para o fim da lista as inadiáveis obras de reparação e de requalificação, o que, na prática, significou que nada se veio a fazer.
Foram precisos concertos de protesto, manifestações, petições para debate na AR e outras lancinantes chamadas públicas de atenção para que, ao que parece, se ter decidido por alguma intervenção mais urgente, ainda que provavelmente insuficiente.
O ministro da Educação afirmou, há dias, que a reabilitação da Escola estava na “lista nacional de prioridades” (curiosa a prioridade … quase no fim do 4º ano do seu mandato). Um propósito tardio, mas, apesar de tudo, esperançoso para os alunos e professores do Conservatório, ainda que vago quanto a prazos, grau da intervenção e montantes (moda de vacuidade que pegou de estaca em alguns membros do Governo).
Este problema é a face mais grave da secundarização com que o Estado tem olhado para o ensino artístico especializado. Provavelmente revelador do modo pouco importante como, também na sociedade em geral, se olha para a cultura e arte. Consequentemente, o dinheiro nunca chega. Mesmo o pouco (em termos relativos face a gastos elevados e, não raro, menos prioritários) que é necessário para dar as condições suficientes de dignidade a estas escolas.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Vulcano



Em apoio a algumas curtas mas certeiras análises de Vasco Pulido Valente, que sempre encantam pelo sabor epigramático das suas definições, este artigo de Teresa de Sousa (Público, 19/3/15), artigo sério, de aluna aplicada, que nos alerta para a eminência de um conflito entre as forças de leste e as de oeste, caso a Grécia saia do Euro e procure o seu Padrinho do leste, esgotados os apoios do seu Padrinho do oeste, que parece não aceitar mais as árias das suas artimanhas para protelar o cumprimento das suas promessas de pagamento. Escudados com o exemplo da digna Penélope, que desfazia de noite o manto que fabricava de dia, para não se comprometer com nenhum pretendente, os representantes do governo grego assim vão jogando às escondidas, entalados em compromissos que não pensam assumir, dando uma laçada e logo a desfazendo. ratos esquivando-se para outros terrenos onde poderão roer até ver.
Diz-se que Putin esteve desaparecido. Quem sabe se para combinar melhor com Tsipras os próximos passos da futura aliança salvadora da Grécia e ateadora da destruição no mundo para cá dos Urais?
Creio que os representantes do povo grego se não ralarão muito com isso, brincando também com o seu fogo próprio, Hefaísto empunhando as suas armas, no fulgor fátuo do fogo de que ele é o deus!

A Europa brinca com o fogo?

Teresa de Sousa


1. Jogo de poker? Berlim faz bluff? Ou é Atenas? As respostas ainda estão à espera de alguns esclarecimentos adicionais.
A primeira, que diz respeito a Berlim, é fundamental. Angela Merkel entregou a gestão da crise grega ao seu ministro das Finanças, através do Eurogrupo. Não quer a Grécia na agenda oficial da cimeira que hoje começa em Bruxelas, mas parece estar disposta a falar com o seu homólogo grego, Alexis Tsipras, à margem da reunião, por forte insistência deste último, e na companhia do Presidente francês e dos presidentes da Comissão e do BCE. Antes tinha confirmado que receberia o seu homólogo grego na segunda-feira em Berlim. Reserva totalmente o jogo. Entretanto, Wolfgang Schäuble eleva a parada, aproximando-se de um ponto de não retorno. Não é apenas a inflexibilidade quanto às reformas. O ministro voltou a colocar o cenário da saída do euro em cima da mesa e acrescentou-lhe outro, ainda mais preocupante: o chamado Grexident (a Grécia pode entrar em default por acidente, tornando a sua saída irreversível).
As interpretações do seu jogo não são unânimes. Para alguns analistas, trata-se de exercer a pressão máxima sobre Atenas para que mantenha os compromissos com as reformas e as metas definidas pelos credores. Para outros, Berlim chegou à conclusão de que uma saída da Grécia não teria um custo demasiado elevado, como teria tido em 2010, graças à menor exposição da banca europeia à dívida grega e à panóplia de novos instrumentos que a zona euro entretanto criou para limitar um contágio. Muitos governos europeus discordam, como discorda totalmente a Comissão Europeia. Aceitam-se apostas
2. Do outro lado, surgem sinais contraditórios que dificultam o entendimento sobre o que tenciona fazer o governo grego. O Syriza encontra-se na posição “insustentável” de ter de “adiar” as promessas que fez aos gregos nas eleições de Janeiro. Calculou mal os apoios europeus e avaliou ainda pior a sua capacidade de pressão sobre Berlim, convencido que o risco de saída assustaria toda a gente. A posição de Alexis Tsipras é extremamente difícil. Continua a insistir que a Grécia não se deixará chantagear. Mas, ao mesmo tempo, move-se quase desesperadamente para encontrar uma solução, indo ao ponto de avisar que os cofres gregos estão perigosamente vazios. Aparentemente, Atenas tem uma escolha difícil: ou paga a dívida que vence este mês ou as pensões e os salários da Função Pública. Nesta situação, Tsipras tem de calcular muito bem os passos que dá sob pena de realizar a profecia da saída “acidental” de Schäuble. Por enquanto, continua a jogar com um pau de dois bicos. No dia em que a chanceler aceitou recebê-lo em Berlim no dia 23, o Governo grego anunciou a sua deslocação a Moscovo no dia 8 de Abril. É, mais uma vez, uma jogada arriscada que surge numa altura em que o efeito “Varoufakis” já não faz rir ninguém e o ar cordato de bom rapaz que Tsipras exibe em Bruxelas também já não conta para muito. Ontem, os únicos aliados de que dispõe, Juncker e Pierre Moscovici, o comissário responsável pelos assuntos económicos e monetários, revelaram o seu desânimo quanto às negociações, aumentando também eles a pressão sobre Atenas.
3. Se era preciso mais algum sinal de que a questão grega envolve riscos enorme, mesmo que de outra natureza, ele veio de Washington. O Presidente Obama tem pressionado os responsáveis europeus para que resolvam rapidamente e a bem o problema grego. Decidiu enviar a Atenas Vitoria Nuland, subsecretária de Estado para a Europa e a Eurásia, para avaliar in loco a situação. Para Washington, a questão é fundamentalmente geopolítica. Deixada à sua sorte, a Grécia poderia inclinar-se cada vez mais para Moscovo, quebrando os laços com o Ocidente que a União Europeia garante. “A Rússia tem um grande interesse em ver a crise grega agravar-se”, diz ao Guardian Dimitris Keridis, professor de ciência política na Universidade de Atenas. “Precisamente porque [uma saída] afectaria a zona euro, enfraqueceria a Europa e afastaria a Grécia do Ocidente”. O diário britânico lembra que poucos sítios são tão importantes na região como a ilha de Creta, “onde estão instaladas capacidades de comando e controlo e apoio logístico aos Estados Unidos e à NATO”. “Se a Grécia saísse, a Turquia poderia ir a seguir”.
Pelo menos publicamente, esta preocupação não parece incomodar os europeus, mesmo se a questão mais séria que Merkel quer discutir no Conselho Europeu seja a relação com a Rússia. Há, todavia, entre os europeus outro debate que é mantido quase em surdina e que diz respeito a um outro contágio, mas de natureza política. Muita gente defende que é preciso mostrar que o Syriza acabará por fracassar no seu objectivo de mudar as regras do jogo. O cenário contrário seria uma oferta ao Podemos e ao Cidadãos em Espanha, dando aos movimentos populistas mais um bom argumento para conquistar votos.
O problema é que há coisas “impossíveis” que rapidamente se tornam possíveis. Já ninguém fala da Crimeia, ocupada e anexada pela Rússia, porque uma coisa impossível aconteceu. A saída “impossível” da Grécia pode rapidamente tornar-se possível. Claramente, a Europa não está a conseguir definir aquilo que é o seu interesse fundamental, que permita ver os vários desafios que enfrenta num contexto global. Também não se espera que haja esse debate no Conselho Europeu. As decisões tomam-se cada vez mais à margem das cimeiras por um núcleo reduzido de protagonistas. É também por isso que os extremos ganham força política.
http://s.publico.pt/NOTICIA/1689612http://s.publico.pt/conselho-europeu/1689612http://s.publico.pt/europa/1689612http://s.publico.pt/espanha/1689612http://s.publico.pt/grecia/1689612http://s.publico.pt/russia/1689612http://s.publico.pt/turquia/1689612http://s.publico.pt/angela-merkel/1689612http://s.publico.pt/governo/1689612http://s.publico.pt/eleicoes/1689612http://s.publico.pt/uniao-europeia/1689612http://s.publico.pt/bce/1689612http://s.publico.pt/divida-publica/1689612http://s.publico.pt/mundo/1689612http://s.publico.pt/funcao-publica-975/1689612http://s.publico.pt/comissao-europeia-1029/1689612http://s.publico.pt/berlim/1689612http://s.publico.pt/crimeia/1689612http://s.publico.pt/alexis-tsipras/1689612http://s.publico.pt/bruxelas/1689612http://s.publico.pt/estados-unidos/1689612http://s.publico.pt/wolfgang-schauble/1689612