quarta-feira, 30 de março de 2016

Um texto apresentado como de Mia Couto e afinal de Ruth Manus, leio na Internet




Enviou-mo João Sena por email, talvez enganado como eu.  
O Bruno fez hoje catorze anos tímidos, que julgo não chegarão  - talvez infelizmente – ao quadro apresentado por Mia Couto / Ruth Manus, de uma geração que contesta o passado oprimido dos pais e dos avós, gerações antigas, soterradas em compromissos, em trabalho externo, mas seguindo adequadamente as obrigações próprias dos seus ajustamentos com a vida  - do emprego, do lar, da família, das diversões q.b..
Segundo Mia Couto / Ruth Manus, uma geração moderna cavalgou numa lógica de prioridades – prioridade do estudo, do curso superior, do emprego que pontua o mérito, do mérito que premeia o homem, com lautas espórtulas em função de um progredir para o qual é chamado favorecendo a empresa. E viajando. A prioridade das viagens, na ânsia de abarcar a aldeia global em que se tornou o mundo, tornando cada vez mais real a frase latina do «a nada do que é humano sou alheio» - «Homo sum, humani nihil a me alienum puto».
Uma geração que virou, pois, escrava do conceito da liberdade opcional, e quando despertou, sentiu que, afinal, talvez o viver mais moderado, das justas ambições de uma vida familiar e simultaneamente de trabalho, de ambição tantas vezes abafada no meio termo da modéstia, provavelmente tornasse esse homem antigo mais feliz, e o homem moderno, das prioridades racionais – indiscutivelmente mais egoístas – menos realizado do que os seus antepassados.
Um texto assustador. É certo que, neste país de tantas pessoas que enriquecem indevidamente – não, forçosamente, jovens – os patrões, como em todos os tempos, sugam os empregados, em baixos salários e em excesso de horas de trabalho. E essas gerações ambiciosas e amantes das prioridades não serão assim tantas quantas aponta Mia Couto.
Para o Bruno e os meus outros netos mais novos – a Mafalda, a Beatriz e o Sebastião – só desejo que um dia saibam aliar racionalidade e sentimento, na construção das suas vidas, as minhas netas mais velhas – a Ana e a Catarina – tendo sabido criar as suas próprias opções, com inteligência e coração. Quanto ao Pedrinho, que a Ana nos irá apresentar em Julho, que ele seja semente de uma geração bem diversa “da triste geração que virou escrava”, segundo conceito justamente apreensivo de Mia Couto / Ruth Manus.

«A triste geração que virou escrava»
– Mia Couto? Ruth Manus?
“E a juventude vai escoando entre os dedos”.

Era uma vez uma geração que se achava muito livre.
Tinha pena dos avós, que casaram cedo e nunca viajaram para a Europa.
Tinha pena dos pais, que tiveram que camelar em empreguinhos ingratos e suar muitas camisas para pagar o aluguer, a escola e as viagens em família para pousadas no interior. Tinha pena de todos os que não falavam inglês fluentemente.
Era uma vez uma geração que crescia quase bilíngue. Depois vinham noções de francês, italiano, espanhol, alemão, mandarim. Frequentou as melhores escolas. Entrou nas melhores faculdades. Passou no processo seletivo dos melhores estágios.
Foram efetivados. Ficaram orgulhosos, com razão. E veio pós, especialização, mestrado, MBA. Os diplomas foram subindo pelas paredes.
Era uma vez uma geração que aos 20 ganhava o que não precisava. Aos 25 ganhava o que os pais ganharam aos 45. Aos 30 ganhava o que os pais ganharam na vida toda. Aos 35 ganhava o que os pais nunca sonharam ganhar. Ninguém podia os deter. A experiência crescia diariamente, a carreira era meteórica, a conta bancária estava cada dia mais bonita. O problema era que o auge estava cada vez mais longe. A meta estava cada vez mais distante. Algo como o burro que persegue a cenoura ou o cão que corre atrás do próprio rabo. O problema era uma nebulosa na qual já não se podia distinguir o que era meta, o que era sonho, o que era gana, o que era ambição, o que era ganância, o que necessário e o que era vício.
O dinheiro que estava na conta dava para muitas viagens. Dava para visitar aquele amigo querido que estava em Barcelona. Dava para realizar o sonho de conhecer a Tailândia. Dava para voar bem alto. Mas, sabe como é, né? Prioridades. Acabavam sempre ficando ao invés de sempre ir. Essa geração tentava se convencer de que podia comprar saúde em caixinhas. Chegava a acreditar que uma hora de corrida podia mesmo compensar todo o dano que fazia diariamente ao próprio corpo. Aos 20: ibuprofeno. Aos 25: omeprazol. Aos 30: rivotril. Aos 35: stent. Uma estranha geração que tomava café para ficar acordada e comprimidos para dormir. Oscilavam entre o sim e o não. Você dá conta? Sim. Cumpre o prazo? Sim. Chega mais cedo? Sim. Sai mais tarde? Sim. Quer se destacar na equipe? Sim.

A triste geração que virou escrava da própria carreira
Mas para a vida, costumava ser não: Aos 20 eles não conseguiram estudar para as provas da faculdade porque o estágio demandava muito. Aos 25 eles não foram morar fora porque havia uma perspectiva muito boa de promoção na empresa.
Aos 30 eles não foram no aniversário de um velho amigo porque ficaram até as 2 da manhã no escritório. Aos 35 eles não viram o filho andar pela primeira vez. Quando chegavam, ele já tinha dormido, quando saíam ele não tinha acordado.
Às vezes, choravam no carro e, descuidadamente começavam a se perguntar se a vida dos pais e dos avós tinha sido mesmo tão ruim como parecia. Por um instante, chegavam a pensar que talvez uma casinha pequena, um carro popular dividido entre o casal e férias em um hotel fazenda pudessem fazer algum sentido. Mas não dava mais tempo. Já eram escravos do câmbio automático, do vinho francês, dos resorts, das imagens, das expectativas da empresa, dos olhares curiosos dos “amigos”.
Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal tinha conhecimento, tinha poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro. Só não tinha controle do próprio tempo.
Só não via que os dias estavam passando. Só não percebia que a juventude estava escoando entre os dedos e que os bónus do final do ano não comprariam os anos de volta.”
Texto de Mia Couto? De Ruth Manus?
(Imagens retiradas aleatoriamente da internet.)
Entretanto queria avisar que dentro de poucos publicarei na TRAVESSA um texto sobre uma aventura que vivi na praia de Benaulim.

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