terça-feira, 31 de maio de 2016

É da geringonça a culpa



Chegou ontem, por email. É de Carlos Reis, mestre que nos ensinou a todos a forma prática de objectivar uma leitura de romance, através de ferramentas estruturais na organização dessa leitura. Está, por isso, amplamente capacitado para transmitir a sua leitura bem formatada, caso não surjam entrementes novas teorias de descodificação textual a que um outro ou o próprio Carlos Reis nos faça ter acesso, para ficarmos mais enriquecidos em termos de estruturas de análise.
Trata-se do PR de todos nós, Marcelo Rebelo de Sousa. E da sua forma de conduzir o mundo da presidência, em todas presente, aqui, além, infatigável e fatigante, fogo fátuo que os media acompanham aparando-lhe o jogo da simpatia quer para o não esquecimento, quer para o fortalecimento da sua indispensabilidade a remediar deslizes governamentais.
Talvez seja essa última intenção que devemos enaltecer, proveniente, no fundo, da sua aflição pela derrocada que o faz ir estendendo agora a mão pela Europa, para evitar o desaire e uma nova Troika. Mas será que a Europa o escuta a sério, ou, pelo contrário, se vai colocar na posição da aldeia do pastor mentiroso que, quando o lobo atacou mesmo o seu rebanho, aquela se conservou muda e queda, farta das aldrabices do rapaz, como conta Carlos Reis, ou, no caso da tal Europa, não só castigando o excesso exibicionista do PR, contrastante com a nossa insignificância, como também punindo o Presidente – e o país - pelos jogos de rins do governo, que coloca aquele à frente, como peça de entretenimento, enquanto vai atamancando, na obscuridade ou no atrevimento arrogante, novas peças à sua geringonça cada vez mais oscilante?

O Presidente e o lobo
CARLOS REIS 
19/04/2016
Se o PR – este ou qualquer outro – abusar das palavras, um dia que delas precise mesmo, em situação de grave necessidade, talvez os cidadãos lhe não prestem a devida atenção.
Uma história que, desde a infância, retive na memória é a daquele jovem pastor que se divertia a assustar a aldeia com gritos frequentes de “aí vem lobo”. A aldeia alvoroçava-se, partia em defesa do pastor e do rebanho, mas depois apercebia-se de que se tratava de falso alarme. O desenlace é conhecido: um dia havia mesmo um lobo, mas todos pensaram que era mentira. Ninguém acudiu e o bicho empanturrou-se com um par de ovelhas do rebanho em fuga.
Hoje sei que esta história popular tem várias versões e circula por universos culturais que vão muito além do meu modesto livro da terceira classe. E sei também que não se extinguiram os ensinamentos daquele relato da minha idade infantil. É ele que me vem à memória sempre que, com quotidiana regularidade, ouço e vejo intervenções do Presidente da República.
Talvez um dia alguém consagre um sisudo estudo ao fenómeno que, com a intensidade de um ciclone açoriano, tem assolado o espaço mediático português, desde que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse como Presidente da República. Não há dia em que o nosso PR não surja nas televisões e nas rádios (e depois, nos jornais) a declarar, a comentar, a discursar, a dissertar, a responder e a opinar. Mais: à hora a que escrevo este texto, acabo de ver e ouvir o PR a noticiar. Assim mesmo: foi o PR quem noticiou que um deputado português (que é, afinal, uma deputada) deixará o Parlamento Europeu para ocupar um alto cargo no Banco de Portugal. O PR apressou-se a acrescentar que essa não é matéria da sua decisão, mas é assunto de que, evidentemente, ele fala, depois de, aliviando o trabalho dos jornalistas, noticiar.
O PR tem um estilo, como os seus antecessores também o tiveram. Vai nesse estilo muito do vezo de comentador que o Professor Marcelo cultivou anos a fio, naquela função que rasgou a estrada lisa que por onde ele transitou até à Presidência da República, sem contracurvas traiçoeiras nem multas por excesso de velocidade. Os outros candidatos ficaram, é claro, na beira da estrada.
Só que o presidente eleito parece ter tomado à letra a estafada expressão que diz ser ele “presidente de todos os portugueses”. E a todos deseja falar, por junto e em separado, através da comunicação social. A professores e a alunos, a militares e a civis, a jovens e a idosos, a clérigos e a leigos, a trabalhadores e a empresários, a estudantes e a futricas, à chuva e ao sol, na rua e no Palácio de Belém. Foi neste último, na vistosa Sala das Bicas, que o PR fez uma sentida declaração de homenagem, quando faleceu um conhecido ator e produtor de televisão. O acontecimento foi triste, todo o país chorou por três dias o passamento – e o PR não podia deixar de se associar ao desgosto. E falou. Depois disso (e já antes), não tem havido desastre natural, proeza desportiva, incidente social, sobressalto económico, nomeação, demissão ou criação artística que não mereça o incisivo comentário presidencial.
Faz parte daquilo a que chamo estilo presidencial um certo uso da palavra. O general Eanes falava pouco e normalmente numa pose esfíngica que nos deixava a pensar: será que entendi? O Dr. Mário Soares não discursava: conversava amigavelmente com os cidadãos. O Dr. Jorge Sampaio elaborava um discurso onde às vezes sobrava a retórica, mas era, a meu ver, quem melhor fazia (literalmente) uso da palavra. Já o Prof. Cavaco Silva, quase sempre flanqueado pela ex-primeira dama e por entre um ou outro esgar, debitava um discurso em que cada vocábulo era sabiamente martelado. Agora temos de tudo um pouco e ainda, quando é preciso, mais do que isso.
Leio na Constituição (e o nosso Presidente conhece-a como poucos) que o PR “representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas”. Para bem cumprir estas severas funções, às vezes o PR tem de falar. E convém que seja ouvido. Dificilmente o será, contudo, se insistir em banalizar as palavras. Vale a pena lembrar um admirável texto de José Saramago sobre isto mesmo: “As palavras”, escreveu Saramago, “são boas”. E acrescentou: “As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpa. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas.” E assim por diante.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Estranha sanha



Nos meus tempos do liceu, chegávamos a casa esfomeadas, a minha irmã e eu e devorávamos a sopa e os guisados ou o peixe frito tão saborosos que a nossa mãe cozinhava. O nosso pai já tinha almoçado, mas esperava religiosamente por nós, para contarmos da escola, antes de ir “passar pelas brasas”, dez minutos que fossem, antes de partir para o “serviço”. Não me lembro de críticas aos professores, para ele os professores eram “sagrados”, reconhecia-lhes a importância numa sociedade que o estudo ajuda a elevar. E não foram todos tão bons, os meus professores, mas cada um dava o seu contributo para a nossa formação e alguns preservo na memória e no respeito. Neles e nos livros e nos meus pais aprendi a ser. Não o supra sumo, mas alguém com valores, como somos todos, neste processar de uma marcha de repetição e renovação contínuas, átomo que ocupa o seu espaço e deu origem a outros átomos renovadores. Tudo tão simples, afinal, de entender, na voracidade dos mundos, em que nada somos e somos tudo, revendo-nos nos versos de Reinaldo Ferreira, até mesmo aqueles que parecem nada querer da vida mas o afirmam e se afirmam ao dizê-lo: Mínimo sou, / Mas quando ao Nada empresto / A minha elementar realidade, / O Nada é só o resto.
O nosso mundo português deu um trambolhão, é certo, e mesmo no ensino, e mesmo na educação, que as teorias libertadoras ajudaram a complicar, dificultando o trabalho dos professores, não apoiados pela disciplina anterior – a qual não foi toda tão severa como se quer fazer crer, para justificar o radicalismo das mudanças, que não corresponderam a uma efectiva responsabilização, mas antes ao ruído e ao caos.  Por isso os professores merecem mais do que nunca  respeito e apoio, julgo, dadas as condições deprimentes  de um ensino degradado na disparidade das suas muitas frentes de trabalho e competências. Por isso não compreendi o azedume de Alberto Gonçalves neste seu artigo «A escola do crime».
Mas talvez seja esse o motivo. O facto de não ter filhos nem vocação para os ter que produziu um tão dilacerante grito de ódio. Por tudo e por todos. Como gosto da sagacidade crítica com que geralmente descodifica os motivos e as contradições que movem os cordelinhos da política, senti pena por este texto de escândalo imprudente para si próprio. Tão superior se julga que não aceita as fraquezas alheias? Mas também isso é fraqueza. Quanto à questão dos colégios, são contos largos, que, se não justificam as piscinas com os apoios do Estado, em termos ideais poderão significar uma maior ordem e disciplina para os pais que as desejam, e nos seus impostos contribuem para estabelecer esses contratos de apoio estatal.
Também nisso, o meu pai era a favor do ensino público, mais rigoroso na aferição das capacidades, os colégios não tão rigorosos nessa aferição, porque acima de tudo lhes importava o dinheiro dos pais. Embora isso sejam águas passadas, os colégios, sem apoio estatal, eram só para quem os podia pagar, o que não traduzia, como agora se pretende, necessariamente um mérito de excelência.
A escola do crime
Por falta de vocação, não tenho filhos. Se tivesse filhos, gostaria que estudassem em países menos carnavalescos. Se tivesse filhos e não tivesse meios para pô-los lá fora, em princípio ensinava-os em casa. Se não tivesse vagar para ensiná-los, se calhar deixava-os à solta, ranhosos e ilegais, que quase tudo é preferível a submeter crianças à aquisição de "valências" e à lavagem cerebral que aqui passa frequentemente por ensino público - aliás o único que conheço, da primeira classe à tese de licenciatura.
Resultado? Descontada a esforçada dona Julieta da "primária" e talvez meia dúzia de docentes do liceu, nenhum professor me "transmitiu" grande coisa, excepto a impressão de que por ali não ia longe, ou a importância do autodidactismo. E agora é de certeza pior: principalmente na área das "humanidades" (nas ciências "duras" os charlatães penetram com maior dificuldade, pelo que certos bioquímicos se mudam para a política), um mocinho é capaz de concluir a "secundária" convencido de que Mia Couto é um escritor, de que a globalização é responsável pela pobreza na Terra e de que os graffiti são uma expressão artística.
Há alternativas? Há o ensino particular propriamente dito, presumivelmente mais competente e mais caro. E há as escolas privadas com "contratos de associação". Ou havia, até ao momento em que o senhor ministro do ramo descobriu uma piscina olímpica num colégio na Vila da Feira e resolveu acabar com a brincadeira. Num instante, hordas de indivíduos apaixonados pelo ensino público e que inscrevem a descendência no privado levantaram-se para aplaudir. De seguida, a título de verdades incontestáveis, desataram a repetir uma série de incontestáveis aldrabices: ao financiar as escolas privadas com "contratos de associação", o Estado prejudica as escolas públicas; as escolas privadas com "contratos de associação" ficam caríssimas ao contribuinte por comparação com o ensino gratuito; as escolas privadas com "contratos de associação" exibem sinais exteriores de riqueza, ao passo que as escolas públicas se limitam ao essencial; as escolas privadas com "contratos de associação" são para ricos e egoístas em geral, enquanto as escolas públicas são para os pobres e as pessoas com consciência social; ao contrário da iniciativa privada, cega pela vertigem do lucro, o Estado vela pelo bem comum; etc.
Uma pessoa ouve estas erudições e pergunta-se se os respectivos autores as cometem por idiotia terminal ou má-fé. Na primeira hipótese, convinha averiguar qual o tipo de ensino que frequentaram, de maneira a encerrá-lo com urgência. Na segunda, convinha determinar clinicamente o perigo de semelhantes sociopatas para a comunidade. Em qualquer dos casos, até dói ter de lembrar duas ou três evidências.
Desde logo, o ensino gratuito custa um dinheirão, pago à força pelo contribuinte, que não só não consegue decidir o destino dos seus impostos como, de brinde, está proibido de decidir o destino da sua prole (o "quem quer que pague" é de facto o "paga quem não quer"). Depois, abundam por aí provas de que, para o Estado, o gasto por aluno nas escolas privadas em causa é inferior ao de um aluno nas escolas públicas. Do mesmo modo, o luxo repugnante do colégio que "atraiu a atenção" do intrépido ministro traduz-se na qualidade das instalações (salas de informática e multimédia, laboratórios, campo de squash e a tal piscina), construídas ao longo de 25 anos mediante financiamentos similares aos de um liceu comum - a atenção de governantes sem distúrbios hormonais teria sido atraída pelos sinais exteriores de desleixo dos estabelecimentos estatais: onde foram parar as verbas? De resto, se somadas, as despesas com os "contratos de associação" arrancam decisivos 0,11% do orçamento do ME. Por fim, a ideia de um Estado quimicamente puro, imune a grupos de pressão, chantagem e cobiça, não merece comentários.
No fundo, a questão deveria ser simples. Se cabe ao Estado alguma intervenção no assunto - matéria também discutível - será a de facilitar a escolha das famílias, aquelas que não conseguem chegar às escolas desejadas sem ajuda. É absurdo, além de dispendioso, que se patrocinem escolas privadas e públicas em vez de se patrocinar os cidadãos. Sucede que a preocupação dos devotos da escola pública não é, obviamente, o dinheiro. Nem a educação das criancinhas. Nem a justiça, a igualdade, a moral e demais conceitos assim impecáveis.
Materialmente, há que consagrar o poder dos sindicatos no ensino, que há muito se sobrepõe à tutela e hoje dispensa-a por completo. Ideologicamente, é importante controlar a ascensão social, e domesticar as almas de modo a subjugá-las às demências vigentes. Sobretudo importa arrasar qualquer vestígio de respeito pela liberdade alheia, e mostrar quem manda. Nisto, manda um "professor" com estágio no despotismo e carreira no ressentimento. Em sectores diferentes do país inteiro, mandam ou candidatam-se a mandar tiranetes diferentes, todos juntinhos num projecto totalitário que o Dr. Costa acha "claro, coerente e estável". E o pior é que tem razão. O melhor é que não tenho filhos: o crime em curso não carece de novas vítimas.

domingo, 29 de maio de 2016

“Sol” no “túnel”



Foi do “Sol” de 20/5 que retirei o texto de Dinis de Abreu sobre José Sócrates. Sol, um jornal com notícias  que me pareceram bastante “badaleiras”, a apelar para o sensacionalismo nos comentários ou registos de frases das pessoas da nossa proeminência comezinha, ou até anedótica, que me desgostou. Mas parece que é essa a nossa tendência, revisteira, outros temas mais “sérios”, implicando estudo, sendo menos apelativos das nossas aspirações intelectuais, que naturalmente retirariam eficácia lucrativa às vendas do jornal.
Julgava que Sócrates era caso arrumado, mas não resisto a pegar-lhe na imagem rapioqueira, de pessoa destituída de vergonha, numa ânsia de notoriedade bastante insensata, após um viver de trafulhice que, ao que parece o autoproclamado primeiro ministro pretende “reabilitar”, irmanados na força da mesma.  Voltemos, pois, ao “túnel”. Do Marão.

A ‘reabilitação’ de Sócrates
Sol,  20/05/2016
A‘reabilitação’ pública de José Sócrates deu outro passo no último fim de semana, enquanto a Justiça tarda em deduzir a acusação contra o ex-primeiro ministro, uma folga bem-vinda e zelosamente aproveitada.
Ao comparecer na cerimónia inaugural do túnel do Marão, a convite do Governo, Sócrates recuperou a pose de Estado – e, ao contrário de António Costa, não evitou os jornalistas. 
Esteve disponível para todas as câmaras e microfones e repetiu o discurso que levava estudado. Nada que surpreendesse. Os desígnios insondáveis do destino – e o calendário da Justiça – permitiram-lhe recuperar um protagonismo que não o embaraça. Está como peixe na água. 
Quem o ouviu poderia ser tentado a pensar que a obra fez-se à sua imagem, e que nunca teria avançado sem ele. E, no entanto, ficou longamente encalhada e exposta à realidade dos cofres vazios – e às incertezas das contas do Estado no vermelho. 
O país que o ex-primeiro ministro trespassou em 2011 estava à beira da falência. 
Como a memória é curta, após a subida a pulso para sair do poço, o PCP e o Bloco querem afundá-lo definitivamente, ao preconizarem a saída do euro, como se este fosse a fonte de todos os males e a moeda de troca para a felicidade do povo. É o novo obscurantismo a bater à porta.
Esqueçamos, porém, a romaria e o folclore habituais, bem como as trombetas que logo ressoaram para gabar o túnel que rompeu o Marão, como o maior da península e a maior obra pública da década, a merecer a presença dos notáveis da região e do cortejo ido de Lisboa. 
Esqueçamos, também, que António Costa aproveitou o momento para levar água ao seu moinho da regionalização, no qual anda discretamente empenhado. 
Esqueçamos, por fim, a habilidade do protocolo, delineado para fintar os jornalistas e evitar que estes registassem o momento do ‘reencontro’ do primeiro-ministro com o ex. Não houve foto em conjunto, como não houve do triunvirato das esquerdas na assinatura dos acordos da ‘geringonça’. Há ‘intimidades’ que se escondem. 
A coreografia seguida a preceito (embora o guião fosse negado) separou meticulosamente os dois companheiros de Governo e de liderança do partido, com os papeis perfeitamente atribuídos. 
Do alto do púlpito do Marão, Costa saudou «na pessoa do engenheiro José Sócrates (…) todos aqueles que, de 2007 até hoje, contribuíram nos sucessivos governos para que esta obra tenha sido concluída». Elogio despropositado, desproporcionado, inoportuno.
Sócrates não se fez rogado. Desdobrou-se em declarações, com ligeireza e alvos estudados. Pedro Passos Coelho foi o principal, a pretexto de estar ausente das celebrações. A verdade é que coube ao seu Governo emendar a mão, e resgatar o projeto inacabado até se avistar a luz ao fundo do túnel. 
Mas pouco importa o que Sócrates disse. E menos ainda se tudo foi previamente combinado com António Costa, a quem ‘mimou’ recentemente, noutra entrevista à rádio pública, ao dizer que «nunca seria primeiro-ministro sem ter ganho as eleições». Uma ‘canelada’ que o visado fingiu não perceber. 
Importa, sim, anotar a ‘normalidade’ que exibiu, como se já não estivesse a contas com a Justiça.
Costa está longe de ser ingénuo. Não foi por acaso que apenas se deslocou uma vez ao estabelecimento prisional de Évora, onde Sócrates permaneceu em prisão preventiva. 
Mas antes de convidá-lo para uma cerimónia pública, rodeada de muito simbolismo, o primeiro ministro (e antigo ministro da Justiça) deveria ter lido o acórdão do Tribunal Constitucional, publicado em Diário da República no inicio de março, que não só validou a «excecional complexidade do processo» que envolve o arguido José Sócrates – corroborando a posição do Ministério Público –, como englobou nos pressupostos do documento alguns aspetos concretos da investigação, em parte referenciados na imprensa. 
A natureza e especificidade do acórdão do TC deveriam ter aconselhado António Costa a ser mais prudente.
Afinal, José Sócrates continua indiciado pelos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Nada mudou.
Cautelarmente, é certo, Costa não quis ficar na fotografia ao lado de Sócrates, mas fez questão em dar-lhe palco no meio da girândola festiva. Era esse ruído que lhe fazia falta. 
E falou pelos cotovelos, como se fosse o dono da festa, quando o decoro lhe recomendaria contenção.
Os media são hoje para ele, como foram no passado, o seu balão de oxigénio. Sem eles já não existiria. 
Para os especialistas em ‘reversões’, sobejará sempre a esperança de que o futuro ‘reverta’ os indícios acumulados na Operação Marquês. Ou os arquive. O Marão poderá ter sido mais uma etapa no processo de ‘reabilitação’. Os ‘socráticos’ voltaram a estar ativos, no Governo e fora dele. A Justiça que se cuide!..

sábado, 28 de maio de 2016

Metáforas, para que vos quero?




Onde já vão as histórias com o Padre Américo  salvando os rapazes transviados, fundando para eles  as Casas do Gaiato, inspiradas num princípio evangélico de que “não há rapazes maus”, se lhes dermos a atenção precisa e incutindo noções de responsabilidade? Lembro-me de que o santo Padre Américo mereceu grande carinho e atenção nessa altura com a sua obra tão meritória! A sociedade hoje faz diferente, embora com igual espírito evangélico, sacrificando-se por eles, levando-lhes o apoio e o alimento e a festa na altura das festas, safando alguns que se fartam da vida de vadiagem e querem viver mais dignamente.
Mas isso é aqui connosco, que somos pobres e generosos, e cada vez mais generosos, que agora até temos o Bloco de Esquerda a lembrar os pobrezinhos e a acudir-lhes em força, sem olhar aos meios, fomentando o parasitismo, talvez à espera de recompensa choruda, que o Padre Américo nunca esperou.
Não, não se trata de nós o artigo da Clara Ferreira Alves. Felizmente que se esqueceu de nós, da nossa maralha, para assestar os seus binóculos sobre as maldades e más criações do mundo, que são muitas, e encaradas segundo parâmetros de politicamente correcto, que levam a que se deixem governar autênticos monstros como não existem na própria selva, embora esta nos sirva, muitas vezes, de paralelo depreciativo. 

Clara Ferreira Alves é uma mulher bem formada e bem informada, voltada sobre o mundo inteiro, trazendo até nós o sopro vivificador dos seus conhecimentos e das suas ironias, desmascarando os paradoxos das atitudes críticas, eivadas de hipocrisia, quando se trate de condenar as acções humanas, ditadas por ideologias sinistras ou por motivação política razoável, embora se trate de crime hediondo em ambos os casos. E a má educação de certos povos, como os chineses, vem à baila para lhes condenar as atitudes (creio que resultantes da consciência do seu grande poder no mundo, como é costume entre os grandes).
Clara Ferreira Alves aproveita a sua saturação relativamente aos que sussurram, ou mesmo atacam forte, contra a crueza  das palavras, dentro do seu politicamente correcto,  preferindo-lhes a macieza das meias tintas - para despejar sobre nós os exemplos das bestialidades e das besteiras que colheu pelo mundo. E nós ficamos-lhe gratos pela sua sabedoria e honestidade intelectual, de tintas primárias, bem carregadas.
Os corretos
E, 14.05.2016
«Não há nada que me canse mais do que a discurseta politicamente correta (sim, acabo de inventar a palavra discurseta, algum problema?). Não se pode dizer nada fora da norma inventada pelos hipócritas deste mundo. Na rede e nos seus acessórios do insulto, da ofensa e da indignação, pode dizer-se tudo, pode matar-se com palavras, mentiras e calúnias. Fora daquele reduto de selvajaria, temos de ser todos, particularmente nós os que escrevemos, bem educados e ocultadores da verdade e do vernáculo. Os corretos corrigem-nos o tempo todo. Não existem velhos, não existem cegos, não existem doidos, coxos, bêbados, não existem tarados sexuais, nem maníacos, nem corruptos. Não existem grupos bons nem grupos maus, são todos bons, e não existem ditadores eleitos nem eleitores estúpidos, são todos, apenas, bons selvagens desviados momentaneamente da ordem natural e bondosa das coisas. Esta semana, por boa coincidência, meia dúzia de frases deram cabo desta conspiração de néscios.
Nas Filipinas, eleitores seguramente monstruosos elegeram um mostrengo para presidente. Um mostrengo que faz humor com o assassínio e a violação de uma missionária australiana e que incita e protege e forma esquadrões da morte para, como ele diz, “matar os criminosos”. Um mostrengo eleito continua a ser um mostrengo.
No Reino Unido, David Cameron foi apanhado a dizer a verdade. Numa conversa com a rainha disse que o Afeganistão e a Nigéria eram dois países “fantasticamente corruptos” (o advérbio é adorável). A rainha não discordou. A brigada da ortodoxia ficou chocada e disse logo que a grande corrupção também existia em Inglaterra e que não se podia dizer isto daqueles dois países porque, trálálá somos todos maus. Poder-se-á comparar a corrupção nesses dois países fantasticamente corruptos com a corrupção no Reino Unido? Claro que não.
No mesmo Reino Unido, uma chefe de polícia que teve de aturar os chineses durante a visita de Estado do Presidente queixou-se à rainha de ter sido maltratada e atropelada pelos ditos, juntamente com a embaixadora do RU. Gente muito “rude”, mal educada. A rainha concordou. Meu Deus, que crime de lesa-majestade chinesa. Foram perguntar aos chineses se relação doirada com a Inglaterra tinha acabado. Really? Já alguém reparou no comportamento de uma excursão de turistas chineses? Alguém já reparou  no comportamento de uma excursão de turistas chineses? Alguém topou gente mais rude e mal educada? No aeroporto da Portela , vi um grupo destes postar-se em frente ao tapete das bagagens, empurrando toda a gente e acotovelando-se, rosnando uns para os outros, calcando as pessoas com os carrinhos. Não seria a primeira vez. Em qualquer lugar com turistas chineses esta atitude é a normal. Na China, fazem o mesmo uns aos outros. Já passei o Natal numa Hong Kong cheia de chineses continentais e tive de fugir da frente. É a marabunta. É o caos. É a multidão em fúria. Cuspindo para o chão, descompondo-se, matando-se uns aos outros para chegar primeiro. Já entraram num casino de Macau? Bem-vindos às coisas mais deprimentes do mundo. Se perguntarem aos pobres japoneses de Okinawa  se preferem os turistas chineses ou os marines americanos das bases, que se portam como bestas, os pobres dizem que ficam com os americanos.
Na Alemanha, em Munique, um alemão tarado, positivamente doido, atacou com uma faca vários passageiros de um comboio e matou um, ferindo co gravidade outros. O tarado gritou Allahu Akbar. Nas primeiras horas, os media deram grande atenção ao caso, mais um terrorista muçulmano, decerto um refugiado sírio, a confirmar a sua reputação. Assim que se soube que era um alemão, branco, positivamente branco, a atenção dissipou-se. E o ataque terrorista passou a ataque “politicamente motivado”. Parece que o terrorismo só é terrorismo se for praticado por muçulmanos. De resto, é politicamente motivado ou praticado por uma pessoa com uma história de “perturbações mentais”.  Em que consiste exatamente uma perturbação mental? Será o terrorismo uma perturbação mental? Provavelmente. Somos todos perturbados mentais. Em matéria de islamismo, existe o contrário disto. Não se pode dizer nada contra o Islão e o seu sistema de repressão sem cair no poço da islamofobia.  Não se pode abrir a boca sem ser acusado de um qualquer obscuro crime contra uma pessoa, um grupo, uma ideia, uma religião, um sistema de ideias. Não há rapazes maus na ideologia dominante do politicamente correto. Se o Hitler de 1938 fosse vivo seriam inventados tremendos adjetivos e substantivos para o descrever sem o acusar de ser o que era. Um maníaco perigosíssimo. Do mesmo modo, ao espetáculo do congresso do partido na Coreia do Norte e seus desfiles e paradas de “anões fanáticos”, como lhes chamou Christopher Hitchens, opôs-se uma descrição por medida dos propósitos políticos do “Amado Líder”. Um homenzinho com um corte de cabelo picaresco armado em chefe com a mãozinha do Dr, Strangelove. E, já agora, onde anda Peter Sellers quando precisamos dele?»