terça-feira, 3 de maio de 2016

Mulheres curdas na guerra



Um email enviado por João Sena – «As Mulheres-soldado curdas» - é um texto escrito em francês, com imagens de mulheres curdas – belas mulheres – cujas fotos não sei transpor, de ar sorridente e decidido, jovens que naturalmente causam admiração, nas suas vestes militares, não isentas de garridice, longos cabelos arrumados em trança, ou mesmo soltos, nos seus corpos altos e estilizados, tapados com o boné ou com colorido lenço.  Para melhor compreender o fenómeno, passado nos nossos tempos, da organização de um exército feminino, que pretende lutar pelo seu direito à independência e, simultaneamente responder aos actos de terrorismo dos jihadistas, começo, antes de traduzir o texto, por transcrever umas notas da Internet sobre o Curdistão, como página importante da história universal do nosso tempo, que nos conduz aos tempos em que, na História Universal, líamos sobre Medos e Persas, e Assírios e Caldeus na Mesopotâmia…

«O Curdistão, também denominado Grande Curdistão, é uma região geocultural maioritariamente povoada pelos curdos. Com cerca de 500.000 km² está, em sua maior parte, ocupado pela Turquia, e o restante dividido entre Irão, Síria e Iraque.
A história do Curdistão começa em cerca de 6.000 a.C., na região da antiga Mesopotâmia, onde foram encontrados os seus primeiros registos arqueológicos. Sempre habitando as regiões montanhosas e acostumados ao frio intenso que acompanha a altitude, os curdos da Antiguidade dividiam-se em clãs com nomes como gutis, kurti e mushku e viviam em cidades-estado.
Com o passar dos séculos, outros povos indo-europeus, como os Medos - cujo império, há 2,6 mil anos, englobava boa parte do que hoje é o Curdistão - fixaram-se na região. Os curdos são, portanto, o produto da miscigenação de todos os povos invasores ou migrantes para a sua região.
Em 612 a.C., os curdos conquistaram a cidade de Ninive, na antiga Assíria, mas em 550 a.C. foram conquistados pelos persas. Xenofonte (430 a.C.), referiu-se aos curdos no Anabasis como "Kardukhi... um povo bárbaro e defensor da sua “residência na montanha" que atacou os exércitos gregos em 400 a.C. Um reino curdo chamado Corduena, tornou-se uma província do Império Romano em 66 a.C. e permaneceu sob controle romano por quatro séculos até 384.
No século VII, os árabes tomaram os castelos e fortificações dos curdos…. Finalmente os árabes conquistaram as regiões curdas e converteram a maioria dos curdos ao Islão.
Nos séculos seguintes, as suas terras são ocupadas por mongóis, turcos, e, no século XIII, por otomanos. Apesar de nunca terem constituído um estado independente, os curdos desfrutaram de relativa autonomia até 1639. Neste ano, o Curdistão é repartido entre os impérios Persa e Otomano, pelo Tratado de Zuha.

A partir daí, sucessivos arranjos foram realizados em território curdo de acordo com as disputas políticas entre os dois impérios. Após a Primeira Guerra Mundial, com o desmembramento do Império Otomano, o Tratado de Sèvres delimita as fronteiras para um Curdistão autónomo, mas é rejeitado. Em 1923, com o Tratado de Lausanne, parte do Curdistão é integrada ao Iraque e à Síria e a outra permanece ocupada pela Turquia e no Irão.

Em 1924, com o novo regime turco, a língua, a cultura e as instituições curdas são suprimidas, tendo em vista o seu aniquilamento como cultura e etnia diferenciada. Em 1927, curdos da região do Monte Ararate proclamaram uma república independente, durante uma onda de revolta entre os curdos no sudeste da Turquia. O exército turco, posteriormente, esmagou a República de Ararate, em setembro de 1930.
Durante a Segunda Guerra, os curdos sob domínio do Irão empreendem uma luta armada pela sua independência, e chegam a criar a efêmera República de Mahabad, em 1946, estado reconhecido pela União Soviética, mas logo revertido ao domínio iraniano. Desde então, movimentos separatistas curdos são constantemente reprimidos com violência nos quatro países que ocupam o território do Curdistão.

Os curdos no Iraque, liderados por Mustafa Barzani, estiveram em luta contra os sucessivos regimes iraquianos de 1960 a 1975. Em março de 1970, o Iraque anunciou um acordo de paz contemplando a autonomia curda, que seria implementado em quatro anos. No entanto, ao mesmo tempo, o regime iraquiano iniciou um programa de arabização nas regiões ricas em petróleo de Kirkuk e Khanaqin. Mesmo após o acordo, as guerras entre o Curdistão e o Iraque tiraram boa parte da soberania que os curdos gozavam anteriormente.

O cenário mudou radicalmente a partir de 1971, quando começaram a entrar em vigor as primeiras medidas de uma campanha anticurda, oficializada em 1986 sob o nome de Operação Anfal, no governo de Saddam Hussein, e que só terminou em 1989. O objetivo era eliminar as aspirações de criar uma nação independente ou mesmo de se organizar como uma etnia de cultura e linguagem próprias. As formas de repressão começavam com a expulsão dos curdos que viviam próximos às fronteiras iraquianas com as da Turquia e do Irão.
Entre 15 e 19 de março de 1988, durante a campanha Anfal e em meio à guerra entre Irão e Iraque, os curdos sofreram um dos piores ataques a sua etnia. Em represália às forças iranianas, que haviam fornecido suporte militar aos rebeldes curdos, o Iraque lançou um ataque de armas químicas à cidade curda de Halabja, na época com cerca de 80 mil habitantes. Liderado por Ali Hassan Al-Majid, mais conhecido como Ali Químico, integrante do governo de Saddam Hussein, o ataque usou o gás sarin, que ataca o sistema nervoso, e o gás mostarda, que abre feridas quando em contato com a pele. Não há registros precisos sobre as mortes, estimadas em 10 mil.
A repressão aos curdos não foi restrita apenas ao Iraque. Até 1991, eles estavam proibidos de falar o curdo na Turquia. Ali, atualmente, programas de rádio ou TV no idioma são vetados, assim como o aprendizado da língua nas escolas. No Irão e na Síria, o quadro é similar. Na Síria, muitos não conseguem tirar passaporte, votar, registar os seus filhos com nomes curdos, comprar terras ou casar-se com sírios
A partir de meados do século XX, ocorrem rebeliões curdas na Turquia e no Iraque. O projeto de um Estado curdo tem opositores dos governos da região, que reprimem com violência os separatistas.
Curdistão Sírio: O PKK com o YPG (Unidades de Defesa do Povo - ou popular), atualmente está conseguindo vitórias sobre exércitos do Estado Islâmico, no Curdistão Sírio. Outras sete cidades também fazem parte de Rojava, localizada na fronteira entre Síria e Turquia. Um dos maiores destaques é a brigada de mulheres do YPG, a YPJ (Unidade de Defesa das Mulheres), que conta com cerca de sete mil guerrilheiras. A cada dia, novas combatentes se graduam e ingressam nas unidades do exército guerrilheiro, organizam com outras mulheres comitês de defesa e têm sido essenciais na defesa de Kobani contra a tentativa de invasão do Estado Islâmico.
O Confederalismo Democrático vêm sendo aplicado nessa região pelo YPG. O professor de Antropologia (London School of Economics) David Graeber passou 10 dias em Cizire – um dos acampamentos em Rojava, zona ocupada pelo curdos ao norte da Síria. Junto com estudantes, ativistas e académicos, ele teve a oportunidade de observar a democracia confederalista curda. Em uma entrevista à Pinar Öğünç’s, entre muitas outras perguntas, qual foi a coisa mais impressionante que testemunhou em Rojava nos termos práticos desta autonomia democrática, ele respondeu:
"Existem tantas coisas impressionantes. Acho que nunca ouvi falar de nenhum outro lado do mundo onde tenha existido uma situação de dualidade de poder, onde as mesmas forças políticas criaram ambos os lados. Existe a “auto-administração democrática”, onde existem todas as formas e armadilhas de um Estado – Parlamento, ministros, e por aí –, mas criada para ser cuidadosamente separada dos meios do poder coercivo. Depois há o TEV-DEM (o Movimento da Sociedade Democrática), raiz das instituições, dirigido via democracia direta. No final – e isto é fulcral – as forças de segurança respondem perante as estruturas que seguem uma abordagem de baixo para cima, e não de cima para baixo. Um dos primeiros locais que visitámos foi a academia de polícia (Asayis). Todos tiveram que frequentar cursos de resolução de conflitos não violenta e de teoria feminista antes de serem autorizados a pegar numa arma. Os co-diretores explicaram-nos que o seu objetivo final é dar seis semanas de treino policial a toda a gente no país, para que em última análise se possa eliminar a polícia
E a tradução do texto enviado por email mais perceptível após a transcrição da história curda, como homenagem às mulheres curdas, que, na sua independência e destemor, como outrora as Amazonas, servem de exemplo num mundo de piedades  tantas vezes mescladas de cinismo. Faltam as fotografias para realçar os comentários que as acompanham, alguns dos quais as descrevem, nas suas fardas airosas e variadas, os cabelos mais curtos ou entrançados, imagens de juventude e beleza, empunhando as suas armas com leveza:
«- Combatentes curdas enviam jihadistas do Estado islâmico para o Inferno.
- As forças armadas curdas contam mais mulheres soldados do que a média dos países muçulmanos do Médio-Oriente.
- Ser morto por uma mulher seria o pior receio dos jihadistas do Estado islâmico.
- «Nós somos iguais aos homens», declara Zékia Karhan, uma combatente originária da Turquia e membro do Partido dos trabalhadores do Curdistão.
- Nupelda, uma Francesa que combate ao lado das Curdas. Tem só 28 anos e já três anos de guerra atrás de si. Uma guerra que ela leva no Rojava com as YPJ, as unidades combatentes de mulheres curdas na Síria.
- Ela chamar-se-ia “Rehana”, esta jovem e bonita mulher curda da base de Kobané: tornou-se em poucos dias uma ícone da guerra na Síria, após a difusão de uma sua foto brandindo o V da vitória no Twitter. Segundo informações retomadas na rede social, “Rehana” teria matado mais de 100 combatentes do EI.
- Elas têm entre 17 e 30 anos. Fazem parte da mesma brigada feminina batizada de «Sun Girls»
- As mulheres curdas, ícones da luta armada no Irsaque e na Síria.
- Estas mulheres são verdadeiras peshmergas – termo que significa «os que afrontam a morte» - e é o que as torna temíveis para os jihadistas do exército islâmico.
- Estas mulheres que nos fascinam… de tranças ao vento e de sorriso nos lábios manejam com habilidade a kalashnikov e seriam as condutoras das tropas contra as forças armadas do Daech.
- Retrato de uma mulher Peshmerga no quartel militar após um exercício.
- No Iraque, os combatentes curdos podem contar com o empenhamento das mulheres para combater os jihadistas do Estado Islâmico. Às dezenas, elas treinam-se a fazer prisioneiros em campos especializados como aqui em Sulaimaniya no norte do país.
- Eis o pior pesadelo dos homens de barba do Estado Islâmico… os comandos femininos curdos (não há paraíso para o soldado de Alá abatido por uma mulher).
- As raparigas  do sol no seu abrigo contra as tropas do Daech.
- Xate Shingali, 30 anos e antiga cantora yazidie, formou a sua brigada no passado 2 de julho.
- Segundo os Yazidis, os jihadistas teriam medo de ser mortos por uma mulher, o que os impediria de conhecer as «72 virgens no paraíso». «O Estado islâmico nunca irá para o paraíso!».
- Nós vamos matá-los.
- Gulnaz Karatas Beritan foi uma das primeiras comandantes de unidades não mistas no seio do movimento armado. Ele protagonizou uma resistência acerada contra o inimigo e utilizou até à sua última munição. Quebrou a sua kalachnikov para não cair nas mãos do inimigo e lançou-se duma falésia para não ser apanhada.
- De uniforme  ou de jeans, com bonés de camuflagem na cabeça, cabelos soltos, as mulheres soldados  curdas libertas das imposições islâmicas tornaram-se ícones.
- Elas reivindicam o seu combate para libertar as mulheres da “empresa extremista”.
- Vemo-las limpar as suas kalachnikov, de cabelos descobertos e de unhas pintadas.
- Mostrar estas lindas mulheres dá-nos uma bem mais bela imagem do que uym homem de barbas, é uma (comunicação não oficial”.
«O “Partido das Mulheres Trabalhadoras do Curdistão”, que seguidamente se transformou no “Partido da Libertação das Mulheres Curdas”: O movimento armado curdo nasceu em 1992. Foi neste mesmo período  que a participação activa das mulheres nas filas da luta armada tomou uma envergadura mais ampla e representativa: imediatamente unidades de defesa femininas foram estabelecidas. E desde 1999 as mulheres tiveram o seu próprio exército com o seu próprio comando.

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