segunda-feira, 4 de julho de 2016

NASCEU O PEDRITO



No dia 2 de Julho. O primeiro bisneto. Um menino amoroso, sãozinho e escorreito, uma perfeição de bebé. Quando a mãe dele nasceu – primeiro neto - eu fui ao Hospital vê-la e pude pegar-lhe ao colo, do que ela logo protestou, fazendo ouvir um estrondo que lhe limpou a barriguinha, e eu senti-me no céu, por ter ajudado no desimpedimento dos primeiros obstáculos na vida da Ana. Mas a Binha era mãe da velha guarda, compreensiva, sabendo dos impulsos de agarrar naqueles corpinhos tenros, quando os julgamos um pouco nossos. Ou talvez por eu ser mais nova, então, pude pegar na Ana. Mas o Pedrinho não dormira na sua primeira noite, e a Mãe também não e estava sossegadinho, agora, no seu sono entrecortado de súbitos esgares ameaçando o choro. Não convinha retirá-lo do bercinho, tão frágil parecia, e o colo de uma bisavó já não é seguro.

Para o Pedrinho, gostaria de o presentear com um texto que a sua trisavó Pureza costumava recitar, nos nossos tempos de meninas, muito bem soletrado, as consoantes e as vogais muito marcadas, segundo aprendera na “Cartilha Maternal”, no Carregal, onde o pai dela, meu avô António Brás, que não conheci, conseguira que o Governo colocasse uma professora, com quem ela aprendeu a ler. E esse texto ficou-me na memória, tal como o Hino de Amor, de que ela também recitava uma grande sequência de versos. Toda a Cartilha do João de Deus figura na nossa memória, aliás, como uma espécie de livro mágico, onde ressoa a voz da nossa Mãe, e por onde igualmente o teu Avô Ricardo, Pedrito, se iniciou na leitura, aos cinco anos e cheguei a usar para o Bruno, embora sem a mesma magia.

E é com a história do Pedro (do teu nome) e o Hino de Amor, ambos da Cartilha Maternal, que eu desejo envolver a tua entrada na vida, Pedrinho, na recordação eficaz da tua trisavó Pureza e no sentimento de amor da tua, pela primeira vez, bisavó, que para ti deseja a mesma protecção com que o «Deus Menino, o Bom Jesus», salvou o passarinho do encantamento perigoso da serpente:


JOÃO DE DEUS (1830-1896)
I
Ó Pedro, que é do livro de capa verde, que te deu o avô?
- Já o dei ao Jorge a guardar.
- Vai lá pedi-lo.
- Para quê?
- Para a tia Carlota ver a gravura do caçador.
- Ouve cá: a pobre da Clara ia abrir a porta do quarto, caiu, quebrou a garrafa do petróleo, e ficou ferida. Vou agora à botica; levo aqui a receita: à tarde logo falo ao Jorge, e digo que to dê.
- Palavra?
- Palavra, Júlio, fica certo.
- Vê lá cuidado!
II

HINO DE AMOR

Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré,
Em companhia
De São José,
O bom Jesus,
O Deus Menino.

Eis senão quando
Vê num silvado
Andar piando
Arrepiado
E esvoaçando
Um rouxinol,
Que uma serpente
De olhar de luz
Resplandecente
Como a do Sol,
E penetrante
Como diamante,
Tinha atraído,
Tinha encantado.

Jesus, doído
Do desgraçado
Do passarinho,
Sai do caminho,
Corre apressado,
Quebra o encanto,
Foge a serpente,
E de repente
O pobrezinho,
Salvo e contente,
Rompe num canto
Tão requebrado,
Ou antes pranto
Tão soluçado,
Tão repassado
De gratidão,
De uma alegria,
Uma expansão,
Uma veemência,
Uma expressão,
Uma cadência,
Que comovia
O coração!

Jesus caminha
No seu passeio,
E a avezinha
Continuando
No seu gorjeio
Enquanto o via:
De vez em quando
Lá lhe passava
À dianteira,
E mal poisava,
Não afroixava
Nem repetia,
Que redobrava
De melodia!

Assim foi indo
E o foi seguindo.
De tal maneira,
Que noite e dia
Numa palmeira,
Que havia perto
Donde morava
Nosso Senhor
Em pequenino
(Era já certo),
Ela lá estava
A pobre ave
Cantando o hino
Terno e suave
Do seu amor
Ao Salvador!

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