sábado, 2 de julho de 2016

Tragédia maior é a nossa, porque sem emenda



Um festival de artigos sobre o “Brexit”, é o que nos apresenta o Público de  28/6/16, para além doutros artigos de somenos valor, como a transição ao ano seguinte nas nossas  escolas com 6 e 7 negativas ou as eleições em Espanha, com um povo definindo-se com inteligência, talvez assustado com o caso inglês, relegando o Podemos para o lugar onde repousará ou não, ao contrário de nós, que, indiferentes ao que vai no mundo,  permitimos que o Podemos de cá sopre venturoso, como transparece no artigo de João Miguel Tavares, com uma Catarina Martins e companheiras falando alto, bora lá, Catarina, jihadistas da nossa praça brincando com o fogo, agarrando no país pelo cachaço, para o degolar, em espectáculo  de garraiada espalhafatosa, habituados que estamos às excitabilidades futebolísticas do nosso empenho pátrio, exclusivo dessa área:
‘Bora lá, Portugal: vamos sair da UE!
28/06/2016
Uma das consequências maçadoras do Bloco de Esquerda fazer parte da solução de governo inventada por António Costa é sermos obrigados a levar a sério aquilo que Catarina Martins propõe. Antigamente, os congressos do Bloco eram uma breve notícia que líamos ensonados nos diários de segunda-feira. Agora dão origem a várias páginas nos jornais e directos nas televisões. Antigamente, se o Bloco ameaçava com um referendo sobre a permanência de Portugal na União Europeia, o comentário mais longo sobre o tema seria “pfffff”. Agora estamos tristemente condenados a articular palavras.
Articulemos, pois, até porque Catarina Martins teve este fim-de-semana o seu momento Pedro Nuno “As Pernas Até Lhes Tremem” Santos. Recordam-se com certeza que em 2011 o então escanhoado vice-presidente da bancada parlamentar do PS disse, a propósito do pagamento da dívida, que estava a “marimbar-se para os nossos credores”. “Nós temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e dos franceses”, afirmou. “Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos. E se nós lhes dissermos que não pagamos a dívida, as pernas dos banqueiros alemães até tremem.”
Certamente inspirada pela presença de Pedro Nuno Santos no congresso, Catarina Martins teve o seu momento “As Pernas Até Lhes Tremem”, não com a dívida, mas com um referendo à presença de Portugal na União Europeia. “Se a Comissão Europeia aplicar uma sanção inédita e inaceitável e provocatória pelo mau desempenho das contas de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, enquanto aplicaram as medidas da troika, declara guerra a Portugal. Neste caso, Portugal só pode responder recusando as sanções e anunciando que está disposto a pôr na ordem do dia um referendo para tomar posição contra a chantagem.” Adoro quando Catarina faz voz grossa e imagino o pânico de Merkel – um Tuguexit! Conhecem a anedota do elefante e da formiga que foram ao cinema? A formiga ficou sentada atrás do elefante. Como não conseguia ver nada, levantou-se, foi sentar-se na cadeira à frente do elefante e disse-lhe: “É tramado, não é?”
É, Catarina, é tramadíssimo. Proponho, aliás, um duplo referendo: perguntamos aos portugueses se querem a União Europeia e perguntamos aos cidadãos da União Europeia se querem Portugal. Porque quando Catarina Martins acusa os políticos europeus de “mostrarem todos os dias que estão dispostos a destroçar a Europa para aguentar uma política que assusta os povos”, ela esquece-se de responder a duas questões fundamentais: que “política” e que “povos”. Um dos maiores atentados à lógica nas discussões acerca do futuro da Europa está em considerar que existe uma única política responsável por todos os males e um povo europeu imbuído de um único desejo. Nada disso existe. Os ingleses não votaram pela saída porque os portugueses sofreram muita austeridade. Votaram “leave” por quererem mais soberania, mais controlo de fronteiras, mais foco nos seus problemas e menos países – como Portugal, Espanha ou Grécia – a chatear. Convém recordar que foram ingleses que inventaram a sigla PIIGS. O problema da União Europeia é precisamente esse: a incapacidade em conciliar interesses contraditórios. E dá-se o notável fenómeno de os pobres países torturados do Sul quererem com toda a força permanecer na União – até os gregos! E os países ricos do Norte, esses torturadores, começarem a querer dar à sola. Explica lá isto, Catarina.

Outros textos do Público focam o Brexit de 26/7, que gostaria de transcrever. Limito-me à análise de Teresa de Sousa, como sempre ponderada e séria, “Demasiadas perguntas sem resposta”, que nos devem preocupar, seguramente, e ao artigo de Paulo Rangel, com dados biográficos dos respectivos comparsas do Brexit, marcadas por similitudes literárias do foro trágico que parecem bem pertinentes: “Brexit: Shakespeare em Londres e em Lisboa”:

Demasiadas perguntas sem resposta
1. É difícil de dizer quem está mais desorientado, se a facção conservadora vitoriosa do "Brexit", se os governos europeus? É apenas mais uma demonstração da gravidade desta crise.
Do lado de lá, não foi preciso esperar 24 horas para perceber que Boris Johnson não tem ideia do que vai fazer, enquanto os britânicos que votaram pela saída não sabem ainda bem o que festejar. O antigo mayor de Londres e eterno rival do primeiro-ministro demissionário quer adiar o pedido formal de saída, invocando o Artigo 50º do Tratado de Lisboa, mas ainda não se sabe bem para quando. A vitória do "Brexit" já desencadeou uma série de efeitos colaterais, nomeadamente na Escócia, que lhe devem dar enormes dores de cabeça. Como escreve o Financial Times em editorial, “as promessas daqueles que fizeram campanha pela saída estão prestes a chocar com a realidade política”. É Boris quem vai liderar o partido e o governo? É Theresa May, silenciosa durante toda a campanha e mais próxima de Cameron?
A desorientação não está só desse lado. O impacte atingiu em cheio os trabalhistas e o seu líder, Jeremy Corbyn enfrenta a revolta de metade dos membros seu governo-sombra e dos sectores mais moderados, que não querem que seja ele a enfrentar eventuais eleições, depois do fiasco do referendo. Agarra-se ao poder como pode, mas o resultado deste confronto inevitável mergulhará o Labour em profunda convulsão.
Tudo isto é explicável pela dimensão estratégica da decisão britânica. Mais de 40 anos de pertença à União Europeia não se desfazem de um dia para o outro sem custos muito pesados. As consequências económicas far-se-ão sentir rapidamente. O Banco de Inglaterra anuncia que tem à disposição 250 mil milhões para salvar a libra. A Cornualha perguntou ao Governo quem lhe vai pagar os 60 milhões que recebe em fundos comunitários. O dinheiro que vai para os cofres de Bruxelas afinal não vai para o SNS. Um quinto das empresas britânicas pensam mudar para o estrangeiro algumas das suas operações.
Resumindo, nas sábias palavras de Chris Patten, conservador e anterior comissário europeu, “muitos dos que foram encorajados a votar, alegadamente, pela independência, vão descobrir que, em vez de ganharam liberdade, perderam o emprego”. Boris Johnson escreveu ontem na sua coluna do Telegraph que o Reino Unido continuava a pertencer à Europa e que a cooperação até vai ser ainda maior no futuro. O rival de Cameron gosta de escrever sobre Churchill e fazer comparações histórias sobre os males que vêm do continente. O problema é que não há hoje uma única razão para pedir aos britânicos “sangue, suor e lágrimas”. Por enquanto, está tudo em causa: os dois grandes partidos; a união do Reino; as relações com a Europa e o seu lugar no mundo.
2. Do lado de cá, não é possível dizer que a desorientação seja menor. Até à cimeira que tem início hoje em Bruxelas, multiplicaram-se os sinais contraditórios, tornando impossível divisar uma qualquer linha de rumo que signifique um pouco mais do que os jogos políticos e as frases de sempre.
Também aqui há novidades inquietantes. Qual é a posição de Berlim? A de Merkel? A do SPD? Aparentemente, a chanceler não quer acelerar demasiado o mecanismo de saída e quer evitar um tom revanchista que já se ouve um pouco por todo o lado. O seu parceiro de coligação resolveu, desta vez, tomar uma iniciativa própria. A reunião convocada por Frank-Walter Steinmeier (SPD) com os seus cinco homólogos fundadores da comunidade terminou com um conjunto de ideias que apontam em sentido contrário: pressionar Londres para resolver rapidamente a saída e encontrar um “novo impulso” para a integração europeia. Diz a imprensa alemã que há um esboço de documento sobre as áreas em que se deve avançar, da defesa e segurança até à política energética, incluindo a velha ideia da “união política”.
Ontem, os dois ministros dos Negócios Estrangeiros alemão e francês, Steinmeier e Jean-Marc Ayrault (muito próximo do Presidente) apelaram a uma “união política” e convidaram os outros países a segui-los. Assente em quê? São prudentes quanto à necessidade de mudar as políticas de austeridade, mas falam no assunto. Defendem uma Europa a várias velocidades. A chancelaria de Berlim já fez saber que Merkel não tem nada a ver com este documento. Pelo contrário, a chanceler informou ontem o seu partido que não havia condições para um avanço no sentido de mais integração. A prudência de Merkel (alguma imprensa acusa-a de ser eternamente hesitante), também se compreende com a necessidade de salvaguardar os grupos económicos alemães, que não querem que o "Brexit" lhes dificulte os negócios. O líder da CSU (partido irmão da CDU na Baviera) já a avisou que a sua poderosa indústria automóvel pode sofrer um grande abanão.
O SPD resolveu aproveitar o "Brexit" para se demarcar da chanceler, olhando para as eleições do próximo ano? Em que tabuleiro joga o Presidente Hollande? Na tradicional iniciativa franco-alemã, para salvar as aparências? Ou no campo da reunião dos seis e dos dois em Berlim? Só o facto de ter havido uma reunião a seis já é um contributo para aumentar ainda mais a desconfiança dos outros. Em Lisboa e em Helsínquia, os governos protestaram, mesmo que com boas maneiras. Os seis querem avançar com uma Europa a várias velocidades? A Holanda está no mesmo diapasão da França? Qual é o papel da zona euro (19 países) na definição dessas fronteiras? Onde ficam países do euro, como Portugal, Espanha e a Grécia nessa estranha reencarnação dos seis fundadores? Dentro ou fora? Por vontade de quem?
O regresso da ideia de uma pequena Europa numa altura em que o mundo se tornou multipolar e os grandes países emergentes desafiam a ordem ocidental, deixou de fazer sentido. John Kerry vai a Londres e a Bruxelas em missão de “peacekeeping”. Os americanos têm boas razões de preocupação.
Há uma citação de Winston Churchill que Boris deve conhecer de cor. “O problema do suicídio político é que quem o comete vai continuar a viver para lamentá-lo.” Ou então Gedeon Rachman, colunista do FT, tem razão quando escreve que não acredita “que o Brexit aconteça mesmo”.

“Brexit”: Shakespeare em Londres e em Lisboa
1. Começo por duas trivialidades. Primeira: seria totalmente irrealista pensar que a política não passa por projectos de poder pessoal, ancorados na ambição e em puros ou impuros apetites humanos. Este é um factor muito importante, retratado por gerações contínuas de filósofos, escritores e historiadores, sendo Maquiavel o mais invocado (embora muitas vezes injustamente ou a despropósito). A ambição pessoal, medida ou desmedida, tem um papel inegável no desenvolvimento das grandes tramas e dos grandes dramas políticos. A segunda trivialidade reside, por sua vez, na verificação de, que por detrás da votação britânica da passada quinta-feira, estão factores muito complexos de natureza altamente heterogénea. Reduzir a situação em que se pôs o Reino Unido – que já designei como a de “dividir para não reinar” – ao resultado mero de uma guerra civil partidária ou de uma luta pessoal pelo poder e pela sobrevivência política seria obviamente uma simplificação pueril.
2. Isto assente, não vale a pena menosprezar que o referendo foi altamente marcado por uma sucessão trágica – trágica no sentido absoluto da tragédia “shakespeariana” – de impulsos carnais para a mais estrita sobrevivência política pessoal. Todo o ambiente da decisão que leva ao referendo é uma desenvolução da guerra civil que atravessa o Partido Conservador e da história pessoal e relacional dos seus dirigentes. É bem sabido que David Cameron e Boris Johnson partilhavam a ambição e a carreira política desde os tempos do Eton College – a escola da elite britânica. E que, por entre momentos de convergência e de alinhamento, se vigiavam constante e atentamente, numa relação de indisfarçável rivalidade. Quando Cameron insistia com Johnson para que este se candidatasse ao posto de “mayor” de Londres, o excêntrico Boris suspeitava de que David apenas o queria afastar das proximidades de Downing Street.
3. Quando Cameron, pressionado pela legião eurocéptica dos conservadores, prometeu o referendo, não o fez por qualquer convicção de que isso correspondesse ao interesse geral ou à sua visão do futuro da Grã-Bretanha. Fê-lo apenas e só por puro instinto físico de sobrevivência política: se não o fizesse, a sua cabeça estaria a prémio na liderança dos “tories”. Como é próprio do fado e do destino das tragédias, venham eles das bruxas de Macbeth, do fantasma de Hamlet ou dos antiquíssimos coros gregos, as coisas não correram de feição. Cameron não contava ter maioria absoluta e, em precisando de um parceiro – designadamente, tão pró-europeu como os liberais-democratas – tinha a desculpa ideal para não poder fazer o plebiscito. Mas o destino tece as suas malhas e, surpresa das surpresas, teve maioria absoluta. Depois, deu-se a negociação europeia que, não lhe correndo mal, correu apenas nos limites para salvar a face – o que dava trunfos aos adversários. Quis acelerar o processo, de modo a que a consulta fosse antes de férias: quanto mais rápida, mais probabilidades haveria de ganhar a permanência. O iter trágico deixou, porém, a sua marca: a crise dos refugiados eclodiu com dramatismo, estrondo e alarmismo, dando lugar e aso a todas as demagogias e a todos os populismos. Mas não esqueçamos: tudo começara por um capricho humano de mera sobrevivência, não por uma convicção fundada e liderante.
4. Há muitos anos, em 2007, um grande político português avisou-me: “em política, é sempre possível pior”. E as coisas desataram a correr bem pior quando o louríssimo Boris Johnson, desde sempre conhecido por ser um conservador pró-europeu, resolveu dizer que votaria e lideraria a campanha a favor do “Brexit”. Era a vingança do velho companheiro de rota que, cego pela sua ambição pessoal de chegar a Primeiro-Ministro, abandonava as suas convicções pessoais. O referendo não era para ele um momento de afirmação do seu credo político, era um instrumento de esventrar Cameron e tomar o seu lugar. Um qualquer Claudius de Hamlet ou um Macbeth não fariam melhor. E, de cabelo ao vento, pôs todo o seu peso a favor da saída da União, não hesitando na demagogia e até na vulgaridade (como se viu na reacção à posição de Obama). Mais uma vez, o desígnio da nua ambição pessoal foi posto à frente daquilo que ele até ali tinha julgado ser o interesse britânico.
5. À boa maneira dos enredos “shakespearianos”, Cameron já morreu e morreu sem honra nem glória. Na verdade, pode ainda tornar-se o responsável pela dissolução do Reino Unido e isso é epíteto que, julgo, nenhum Primeiro-Ministro britânico se orgulharia de ostentar. A verificar-se, será o clímax da tragédia em que perfidamente se quis envolver. Boris Johnson pode ainda chegar ou não ao tão almejado cargo, mas se tiver de lidar com a secessão da Escócia ou com a unificação da Irlanda, o seu destino – tão resplandecente como o seu cabelo – será amargo e pungente. Jeremy Corbin, que jogou na ambiguidade e que se julgava um Tsipras ou um Iglesias inglês – este, desde ontem mais uma vítima do Brexit – está agora a braços com a rebelião interna que dele há-de cuidar.
6. Também em Portugal, há um político que subiu à liderança a galope de uma ambição desmedida e que, depois de ter perdido eleições, não hesitou em pôr a sua carreira à frente do interesse geral. António Costa, ao fazer uma coligação entre um partido pró-europeu de esquerda moderada, como é o PS, com a esquerda radical e populista do Bloco e do PC, pôs a sobrevivência política pessoal acima do interesse geral, do legado do seu partido e até da sua presuntiva convicção. E quem sacrifica todo o complexo político à pura sobrevivência pessoal, como ensina o “Brexit”, morre inexoravelmente às mãos do destino. Esta nova crise europeia vai pôr a nu a contradição fundamental entre pró-europeus e demagogos de extrema-esquerda. Por mais que os astros lhe sorriam, o destino fará pagar quem sobrepôs o instante da mera sobrevivência política ao interesse geral e permanente.

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