segunda-feira, 18 de julho de 2016

Um destino sem trovas e apenas vento



Um destino sem trovas e apenas vento
Um texto iroso, de troça e mágoa, um texto circunspecto, de crítica e orientação. Ambos do DN de domingo, 17/7, o primeiro da página 10, de Alberto Gonçalves o segundo da página 3, de António Barreto.
E aqui estamos nós, afundados no ridículo que fomos vivendo e que Alberto Gonçalves pontuou, em que sobressai a imagem, que também vimos, de uma espécie de palhaço de sorriso tímido e cachecol vitorioso, a merecer, dos parlamentares de Bruxelas, palmadinhas nas costas, de falsa harmonia, com, em breve, o golpe sem misericórdia, das sanções justiceiras. Também sentimos vergonha disso que vimos, mas pouco mais vimos, avessos ao empolamento que durou dias e ainda permanece, tentando outras formas de evasão, de resto, de pouca dura, com o terror em Nice e o terror na Turquia, ameaçador da paz.
São odiosos, esses que matam. Mas o ridículo mata ainda mais, quando é desprovido de competência e qualidade económica. É por isso que Donald Trump não morre, que não são vento as suas trovas ridículas. Nós, sim, estamos condenados.

Quem não chora não é patriota
Alberto Gonçalves
O vídeo tornou-se viral ou, em língua decente, passou tantas vezes que apetece rachar o televisor a meio: após a final do Euro, uma criança com a camisola da selecção portuguesa consola um adepto da selecção francesa em lágrimas, o adepto aceita o consolo e abraça a criança, toda a gente fica comovidíssima. E o Turismo de Portugal, que poderia ter encenado o momento, convida o adepto choroso a visitar o país, de modo a conhecer a nossa hospitalidade e a nossa tolerância. De seguida, toda a gente volta a insultar os franceses, esses arrogantes e esses bandalhos. Absurdo? Ainda não viram nada. Excepto quem, por viver neste lugar hospitaleiro e tolerante, já viu tudo.
Por mim, já vi uma autarquia dar tolerância de ponto para que os funcionários aplaudissem futebolistas. Já vi - ou ouvi repórteres descreverem jovialmente - médicos e enfermeiros que abandonaram hospitais para aplaudir futebolistas. Já vi o Palácio de Belém dedicado à pândega enquanto, ali pertinho, três militares acabavam de morrer em serviço. Já vi um presidente católico confessar que maçou Nossa Senhora de Fátima para interferir em resultados desportivos e prejudicar terceiros. Já vi governantes e criaturas assim pequeninas esgadanharem-se para obter a melhor selfie com Cristiano Ronaldo. Já vi um alegado ministro das Finanças comparecer a reuniões em Bruxelas com um sorriso atarantado e o cachecol da selecção. E já vi o povo, ou a parte do povo que pode escolher entre o trabalho e a folia, celebrar nas ruas exactamente ao mesmo tempo em que na Europa, na exacta Europa que Portugal acabara de conquistar na metáfora desportiva, uns senhores decidiam o que fazer com um país que, fora das metáforas, é aparentemente inviável.
Dimensões distintas? Sim, como as paralelas que só se encontram no infinito. Felizmente, os grandes poetas conseguem converter o infinito à escala humana. E os poetas minúsculos conseguem "explicar" que "a nossa selecção venceu também por outra Europa, uma Europa de iguais, sem ameaças nem sanções". É escusado dizer que as palavras pertencem a Manuel Alegre, lírico oficial do pontapé na bola, para quem, pelos vistos, o golo de Éder e a estratégia de Fernando Santos provam que merecemos viver irresponsavelmente e à custa dos alemães. Aliás, Alegre confessa que chorou na final, à semelhança de "milhões de portugueses que teimam em ser patriotas". Todos juntos, agora: e quem não chora não é patriota.
A acreditar nas reações indígenas às eventuais sanções, patriotismo não nos falta. O que nos falta é juízo. Não vale a pena descer aos pormenores técnicos do que está em jogo (guardem os cachecóis, que este é um jogo diferente): o detalhe é aborrecido, embora muito menos aborrecido do que as suas consequências.
Em descarado resumo, sucede que, para continuar a sustentar-nos, a Europa impõe-nos um valor máximo para o desvario, perdão, o défice. O governo anterior, que graças a umas habilidades discutíveis fora capaz de alguns progressos, graças a habilidades indiscutíveis e ao desejo de ganhar eleições descuidou o orçamento de 2015. Por isso é que, quando não culpa a prepotência de Bruxelas pelas sanções, o governo actual culpa o PSD e o CDS. O governo actual só não culpa a despesa pública em geral, que de resto pretende aumentar até ao limite da sobrevivência política do dr. Costa ou da economia nacional, de acordo com o que falecer primeiro. É a história do sujeito que lamenta as pessoas que atiram cigarros acesos, acusa os tipos que não limpam as propriedades e critica a actuação dos bombeiros - e em simultâneo rega o matagal com gasolina. Bruxelas assusta-se com tamanha irreverência. Principalmente se praticada com a mão estendida, a irreverência é assim assustadora.
Para continuar a existir, o dr. Costa tem de satisfazer as clientelas do seu partido e as clientelas dos partidos que mandam nele. A cavalo do PS, o BE e o PCP regulamentam os costumes, ocupam o Estado, afugentam o investimento e estrafegam o que sobra das débeis contas. O problema português não são as sanções, afinal um sintoma de que alguém se preocupa com o rumo disto. Nem o sr. Schäuble. Nem Bruxelas. O problema a sério virá no dia em que a Europa se canse de corrigir incorrigíveis e nos deixe a passear soberania sozinhos, sem sanções, sem ameaças, sem vigilância, sem empréstimos e sem um lugar onde cair mortos. Aí, bons patriotas, choraremos com razão. E não haverá uma criança a confortar-nos, mesmo contando com Manuel Alegre.

Sexta-feira, 15 de Julho
Enquanto o terror ainda é notícia
Vale a pena ouvir as platitudes genéricas e às vezes perigosas que os estadistas, nacionais e internacionais, produzem após cada chacina do terrorismo islâmico? Vale a pena simpatizar com os ingénuos que declaram em francês ser o que calha e fazem um "gosto" às propostas de vigílias e compreensão e harmonia universal? Vale a pena discutir com os canalhas que arranjam sempre "causas" e "justificações" e "motivações" e "contextos" para a mera vontade de matar? Vale a pena tolerar a lengalenga sobre um islão tão moderado que só se dá por ele na hora de lamentar as vítimas e nunca na hora de evitá-las? Vale a pena alguma coisa? Só isto: perceber que estamos a perder voluntariamente uma guerra travada no curto prazo pela violência e no longo prazo pela demografia. Em qualquer dos casos, trata-se de sangue, e o nosso, pelos vistos, vale pouco.

Às armas!
António Barreto
DN, 17/7/16
Aqui estamos, mais uma vez, a bramar "às armas!". Como sempre. Como noutros séculos. Quando os portugueses, alguns portugueses, não encontram desculpas para as suas asneiras, recorrem ao patriotismo. Quando os governantes não sabem resolver os problemas que herdaram ou criaram, entoam hinos. Quando os dirigentes querem escapar, atribuem as responsabilidades ao inimigo externo. Mas sobretudo quando não têm meios nem razão, logo apontam o dedo a um perigo estrangeiro. Já foi a Espanha dos Filipes, já foi a Inglaterra dos piratas e já foi a França do terror e de Napoleão. Também já foram os americanos. E os comunistas, russos de preferência. Já foi o petróleo e os dólares. Agora, são os europeus. Os de Bruxelas, em geral. Os da Alemanha, em particular. Os da direita, da banca e das finanças, mas estrangeiros. São eles os responsáveis pelas nossas dívidas, os causadores das nossas perdas, os obreiros da nossa crise e os culpados das nossas dificuldades!
Em vez de procurar valorizar o que temos, de aproveitar o que sabemos e de organizar a economia; em vez de investir, de diminuir o desperdício e de fazer obra útil; em vez de apenas gastar o que temos, de atrair investimento externo e de trabalhar e poupar; em vez de estudar, de nos governarmos com mais sabedoria e de fazer com que o Estado respeite os cidadãos, em vez disso, procuram as autoridades comover os sentimentos, confundir os espíritos e mobilizar contra alguém, o inimigo, o adversário, a ficção dos que querem mandar em nós, a invenção dos que não respeitam os portugueses e a fantasia dos que não honram uma nação com oito séculos de história!
António Costa, o seu governo e os partidos que o apoiam estão envolvidos num processo perigoso que vai acabar mal. Desencadearam uma guerra contra a União. Atiraram-se à Europa. Batem o pé, como gostam de dizer. Levantam a voz ou falam com voz grossa, como prometem em comícios vulgares. Não aceitam a chantagem europeia, declaram em tom marialva. Não estão cá para obedecer à Europa! Garantem que em Portugal são os portugueses que mandam e não aceitam lições de ninguém!
O governo recusa mostrar à Comissão um rascunho de orçamento que, aliás, ninguém lhe pediu! Insiste em gastar e distribuir. Não corta na despesa. Contraria a Espanha e o Reino Unido. Critica a Alemanha. Procura aliados na extrema-esquerda, coisa pouca. O governo não tem meios, nem força interna, nem aliados externos que lhe permitam esta espécie de baroud d"honneur, o último combate de uma guerra perdida! De luta simbólica para dar o exemplo. De sacrifício que faça um mártir e nos transforme em heróis! Portugal não tem riqueza, nem recursos, nem capacidade para, sozinho, contrariar as regras da economia europeia e mundial, obter os créditos de que necessita, conseguir os investimentos de que carece. Não se deve cantar mais alto do que a sua garganta. Nem dar passos maiores do que os seus pés. Muito menos cantar de galo, quando não se tem voz nem poleiro. António Costa e o governo estão a preparar-se para desencadear uma luta para a qual não têm meios nem força. E nem sequer razão.
É claro que a União Europeia está em apuros e não sabe qual é o seu destino. Há anos que se espera pela crise em que vivemos hoje. A União Europeia está à beira de morrer na praia, como diz o lugar-comum. Foi longe de mais e não foi suficientemente longe. Não é equitativa, distingue entre grandes e pequenos. Não é justa, só castiga os fracos. Não é igualitária, segue as directivas alemãs. Longe de mais para dar paz e democracia. De menos para a segurança e a disciplina. Mas nada justifica que o governo português invente uma guerra contra a União. Será sempre uma guerra contra si próprio.


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