Não, não são os caminhos de Mário Gil,
livres e desafogados, com fogos postos já nessa altura, é certo, mas menos do que
agora, que aliás não lhe quadrava referir, disposto a tudo adorar no Portugal
bonitinho das lembranças dos seus pais, que a si conquistou também. Mas as
labaredas e fumos de todo o tamanho de agora são coisa de classe, a equiparar-nos
aos grandes povos onde isso também acontece, para nos dar prestígio a somar ao
do futebol cuja taça europeia ainda há pouco ocupava os dias televisivos com
desenfreada fartura e agora, já esquecido o foguetório – varium et mutabile semper
gloria – virou-se a página para a labareda, coisa infernal, a erguer-se em muitas
frentes e a ocupar as reportagens e os noticiários diários, que, contudo, nunca
referem as formigas e toda a casta de insectos que se extinguem com ela, a
labareda, quando não são outros animais ou pessoas e haveres que os heróicos soldados
da paz tentam safar, apagando-a em tantas frentes, secando a água de tantas
fontes.
E de vez em quando estas
crónicas danadas, que não deixam escapar nenhum dos fogos em que ardemos, por
conta de uma economia baseada em gasto excessivo e produção deficiente, que faz
que jamais levantemos cabeça, o que parece não incomodar uma esquerda que se
acha com direito a taxar o sol das casas dos “ricos”, para gerir melhor as
contas, embora não as da dívida pública, coisa de somenos valor na sua
consciência de sensibilidade única às bases. E outras mais anomalias, entre as quais
as viagens dos dirigentes à custa da nação, para assistir aos espectáculos
olímpicos ou outros, ou o presidente da república falando demais de banalidades
e deixando escapar as coisas sérias da nossa aflição, talvez já manietado pelas
artimanhas que o governo tece, ora de sorriso impante, ora de sorriso fúnebre. E,
para finalizar, as cantorias e os cantores de prestígio nas festas do Avante, e
as considerações sarcásticas de um sociólogo que muito sabe de cordelinhos que
não deixa escapar, nas fumarolas indiferentes das nossas férias.
Pelos caminhos de Portugal
Alberto Gonçalves
DN, 7/8/16
Uma
pessoa sabe que o país está no bom caminho quando a dívida pública
aumenta 2,4 mil milhões apenas no mês de Junho (e oito mil milhões no primeiro
semestre). Uma pessoa sabe que o caminho é óptimo quando o ministro
da Economia explica que a subida em causa "evoluiu dentro de um
padrão", e que o "importante" é que a dívida pública
"cresça menos" do que a economia e que haja "contenção" nas
contas públicas. Por muito que a "direita" troglodita se esforce
por questionar o fim da austeridade, as ponderadas palavras do governante
descansam os mais aflitos, sobretudo se considerarmos que a dívida cresce a
3% e a economia a 1%. As contas são tão simples que só uma criança - e a
"troika" PS, PCP, BE - as percebe. Por falar em contas, a
"contenção" nas ditas é uma evidência e o "padrão" do
desastre, perdão, do sucesso ninguém discute. Para citar um grande, e
falecido, estadista: as dívidas não se pagam, gerem-se. Ou, de preferência,
nem isso. O importante é que, ao contrário da "direita", a esquerda
quer o nosso bem.
Uma
pessoa sabe que o país está no bom caminho quando o Ministério da
Educação tenta afastar um juiz que decide contra o governo no caso dos colégios
com contrato de associação. Uma pessoa sabe que o caminho é óptimo quando,
de brinde, o ministério espalha pela imprensa a história de que a filha do juiz
estuda num dos colégios beneficiados. O pormenor de a história ser falsa
limita-se a provar o encarniçado amor da esquerda à escola pública. O
pormenor de, suponho que pela primeira vez em 40 anos, um executivo abalroar
ao pontapé a separação de poderes prova que a esquerda é capaz de tudo para
servir os oprimidos. De qualquer maneira, o Público revelou que o referido
juiz é católico e, preparem-se, pai de seis filhos, motivos abundantes para a
exoneração sumária.
Uma
pessoa sabe que o país está no bom caminho quando, em prol do IMI e da
fundamental acção autárquica, o governo promete taxar o sol. Uma pessoa
sabe que o caminho é óptimo quando, sob o entusiasmo de PCP e BE, o PS
informa que a medida é de elementar "justiça social". Pelos
vistos, havia para aí uns patifes que adquiriam casa em área solarenga e
julgavam que podiam escapar impunes, a bronzear-se no terraço e a gozar com os
pobres. Esses reaccionários não contavam com a consciência igualitária da
frente de esquerda, incumbida de enxovalhar os ricos, principalmente os que
gozam os mil euros mensais na marquise iluminada.
Uma
pessoa sabe que o país está no bom caminho quando três secretários de
Estado (incluindo um na tutela do sector) viajam para ver a bola à custa da
Galp (em litígio com o Estado), vêem divulgado o arranjinho (talvez ilegal) e
oferecem-se para pagar a despesa do próprio bolso (que o contribuinte, aliás,
enche). Uma pessoa sabe que o caminho é óptimo quando o ministro
Santos Silva se antecipa ao Ministério Público e à lei e declara o assunto
"encerrado". O primeiro método é uma inspiração para os
candidatos a meliantes que não apreciam arriscar escalas na prisão: um tipo
pode assaltar o banco e, se for descoberto, devolve o dinheiro e vai à sua
vida. O segundo método passa pela célebre ética republicana, que inspira há
décadas gerações e gerações de valorosos patriotas de esquerda. Ainda que se
torça toda, a "direita" não alcança valores assim.
Uma
pessoa sabe que o país está no bom caminho quando, sobre estas proezas, o
senhor Presidente da República não diz nada. Uma pessoa sabe que o
caminho é óptimo quando o senhor Presidente da República diz imensas
coisas que mais valia não dizer.
Terça-feira,
2 de Agosto
As cabeças e o cartaz
Um
agrupamento musical, os UHF, cancelou o espectáculo na Festa do Avante! por
considerar que o seu nome não estava suficientemente destacado na publicidade
daquilo. Extraordinário. Uma coisa é participar no evento em causa, que
sempre deve dar uns trocos e a vida está difícil. Coisa completamente
diferente é fazer questão de que a participação seja divulgada com estrondo.
Se eu, por necessidade extrema e azar, tivesse de me ver associado a uma
agremiação com tão vastos pergaminhos antidemocráticos, rezaria para que me
citassem em fonte tamanho 5 e, de preferência, com gralhas e no verso do
cartaz. Pelos vistos, não falta quem goste de tornar público um vexame assim,
que aqui talvez se confunda com prestígio.
Esclareço:
ao contrário dos comunistas, que ambicionam proibir tudo o que não se
acomoda à sua visão do mundo, nunca me passaria pela cabeça sugerir a abolição
da dita festa, ou já agora de pândegas dedicadas à memória do III Reich ou à
celebração da Inquisição Espanhola. O que me parece esquisito é a leveza, quase
o orgulho, com que pessoas crescidas, algumas alfabetizadas, colaboram no
arranjo. O PCP é um culto à opressão e às maiores barbáries dos últimos
cem anos. A Festa do Avante! é a sua principal romaria, na qual não é possível
tocar (nos dois sentidos) sem acabar sujo. Onde é que os UHF vão preencher as
datas entretanto livres? Numa homenagem a Bin Laden? Desde que os destaquem
devidamente, não duvido.
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