domingo, 14 de agosto de 2016

O tempora! O mores!



Vem este título no seguimento do texto anterior, o “Ó tempos! Ó costumes” retirado da primeira Catilinária de Cícero, nele transcrito. Uma exclamação que, aliás, se pode aplicar em todos os tempos, no enfado pelo que se vê, a cada passo transposto gritantemente nos media.
João Miguel Tavares é um escritor jovem, até poderia embarcar no mesmo alvoroço de desmandos em que tantos jovens se comprazem, ou apenas na apatia da indiferença  ou do desabafo ocasional em que a maioria de jovens ou velhos se entretém, ao sabor da bica apaziguadora. Felizmente que a profissão que tem lhe permite dar a conhecer com classe, aquilo que o contraria, caso deste seu Um bocejo chamado Sócrates do Público de 30 de Julho, retrato impecável de um homem escorregadio e sem escrúpulos, que não há quem consiga desmascarar nos muitos crimes de corrupção de que é sucessivamente acusado, protegido que está por uma estranha invulnerabilidade, e contrapondo sempre a sua posição de vítima num terreno selvagem de lobos ferozes que o filaram e o manietaram  de modo a coarctarem-lhe a sua entrada no poderoso Olimpo das suas ambições a presidente da República, o objectivo-mor do desafortunado herói.
Não! A este Sócrates não se aplica o dístico do “Escrito na pedra” que encima a página final do Público onde figura o artigo de João Miguel Tavares. Trata-se de uma frase do presidente americano J.F. Kennedy que não sei se foi poeta. Sócrates não é, com certeza. Eis a frase de Kennedy (1917-1963): «Quando o poder dirige o homem à arrogância, a poesia lembra-o das suas limitações (…) Quando o poder corrompe, a poesia limpa».
Para complemento do sentido da frase de João Miguel Tavares «A complexidade deste tipo de criminalidade exige uma mudança radical nas leis do combate à corrupção, seja legalizando o enriquecimento ilícito, seja desenvolvendo o direito premial no sistema penal português», procurei na Internet um esclarecimento sobre o direito premial, que transponho de uma tese brasileira, com perfeita adaptação ao caso português.


Um bocejo chamado Sócrates
Público, 30/07/2016

José Sócrates está aos poucos a sair das primeiras páginas e do horário nobre. Na quinta-feira ele deu uma conferência de imprensa e o número de jornalistas na sala era desolador. Dois ou três canais ainda ensaiaram directos mas desistiram ao fim de cinco minutos. Era outra vez Sócrates a queixar-se de abusos inqualificáveis (tédio), insultos (enfado), infâmias (fastio), calúnias (bocejo), garantindo que o quiseram impedir de ser presidente da República (soneca) e afirmando que vai processar o Estado português (ronco). Já toda a gente ouviu isto tantas vezes que o discurso tornou-se narcoléptico. A táctica, de tão repetida, tornou-se evidente: Sócrates perpetua as queixas ao tratamento processual de que é vítima para evitar responder às dúvidas substanciais de que é autor.
E no entanto, eu estou ao lado de José Sócrates: por favor, não o esqueçam. Por favor, perseverem. Por favor, continuem a prestar atenção. Bebam sete bicas antes das suas intervenções, se for preciso – mas não mudem de canal. Ele é demasiado importante. Aquilo que está a ser investigado é demasiado importante. E as próprias dificuldades do processo são demasiado importantes. Nós não podemos adorar discutir a corrupção em abstracto mas depois não ter paciência para a analisar em concreto. Não podemos permitir que a corrupção só seja interessante se vier embrulhada em blockbuster de Hollywood – cheia de acção e sem tempos mortos –; mas se, por azar, ela aparece na forma de um filme de Manoel de Oliveira – lenta, longa, palavrosa, intrincada e a transbordar de detalhes complexos que exigem intensa actividade mental –, então já não há pachorra.
Sócrates e os seus advogados têm bastante razão nas críticas que fazem às questões processuais. Sim, a investigação está a demorar demasiado. Sim, é legítimo questionar se Sócrates deveria ter estado nove meses em prisão preventiva. Sim, o conceito de “prazo indicativo” deixa um cidadão desprotegido face ao Estado. Mas depois é raro encontrar algum advogado que tire as conclusões que se impõem: a complexidade deste tipo de criminalidade exige uma mudança radical nas leis do combate à corrupção, seja legalizando o enriquecimento ilícito, seja desenvolvendo o direito premial no sistema penal português. Ninguém acredita que o Ministério Público ande há três anos a arrastar os pés num processo que envolve um ex-primeiro-ministro. E não, não é por haver indícios a menos, como sugere a defesa de José Sócrates. É por haver indícios a mais. É por causa da avalanche de indícios, da complexidade da prova de corrupção, e do envolvimento de offshores e circuitos internacionais que exigem a emissão de inúmeras cartas rogatórias, que a investigação acaba por se estender por meses e anos sem fim.  
Este é o problema processual, que exige respostas políticas. E depois existe o problema político, que exige respostas cívicas. Poucas perguntas são mais importantes do que estas: como é que se constitui o triângulo governo-BES-PT, quem o promoveu, quem o protegeu, quem o alimentou, quem o escondeu – e o que fazer para evitar que qualquer coisa de semelhante volte a acontecer. Saber isto é essencial para o país, e é por essa razão que cada um de nós tem o dever cívico de prestar atenção de cada vez que Sócrates abre a boca. É muito possível que venhamos a descobrir que fomos o povo mais estúpido do mundo entre 2005 e 2011. Mas antes burros assumidos do que ignorantes escondidos

Apontamento:

DIREITO PENAL PREMIAL: Breves apontamentos sobre Delação e Colaboração premiada (Autor: Jeferson Botelho Pereira)

«Os índices de criminalidade cada vez mais ascendentes ao nosso redor, a inércia legislativa e a omissão estatal têm servido de combustível para colocar o Brasil em destaque negativo na comunidade mundial, dentre eles os altos níveis de corrupção e insegurança pública.
Perdidos na selva de delinquentes, o povo não sabe por onde caminhar e a quem decorrer. A barbárie instalada nos cantos e recantos das grandes e pequenas cidades. Violência no campo, nas escolas, nas famílias, que serve de base para o primeiro desdobramento da escola da socialização defeituosa, por meio da teoria do broken homo, que parte do pressuposto de que o criminoso geralmente vem de uma família desestruturada. A ideia do crime pode nascer do lar destruído.
O criminoso reage em face da  frustração de uma família desestruturada, tudo isso por conta de um estado que não cumpre sua função social, fazendo com que haja explosão nos índices de criminalidade no Brasil.
Geralmente, as condutas são classificadas em crimes de colarinho azul e branco. Ambos extremamente violentos.
Os crimes de colarinho azul são praticados por delinquentes desalmados que invadem residências e estabelecimentos comerciais, agridem impiedosamente suas vítimas, arrancam-lhe a voz da garganta, vão se embora levando seus pertences, deixando marcas inesquecíveis.
Já os crimes de colarinho branco, muito comum na atualidade e que se alastra feito metástase, também são praticados com requintes de crueldade, eis que cometidos por executivos, gestores públicos homiziados na Administração Pública, homens trajados com ternos importados, conhecidos por "almofadinhas", e que se utilizam de razoável capacidade intelectiva para impor decisões essencialmente em benefício próprio e de seus asseclas. São os chamados crimes de escritório ou de gabinete.
Desviam verbas e rendas públicas, fraudam licitações, apoiam bicheiros, participam de esquemas de transplantes de veículos, recebem propinas de toda sorte, de financiamentos de campanhas políticas, praticam inimagináveis atrocidades, delitos de lesa-humanidade.
São verdadeiramente, genocidas sociais, canalhas enojados e sanguessugas abjetos do povo.
São guerrilheiros, terroristas, assaltantes de banco, sequestradores de embaixadores que se transformaram em agentes públicos, ocupando cargos importantes na esfera administrativa.
E agora são terroristas de um povo sofredor, faminto de proposições positivas, de uma Nação sem esperança e paz.    
As leis cada vez mais frágeis. Diante da omissão de políticas públicas, bem que o legislador tenta a todo o instante aprovar leis como se um simples pedaço de papel fosse suficiente para debelar as mazelas sociais.
As provas de autoria e materialidade das condutas criminosas devem habilitar o intérprete da lei, fornecendo-lhe as condições para respaldar suas decisões, art. 93, inciso IX, da CF/88.
Assim, neste contexto, mergulhado em visíveis sintomas da impunidade, abordaremos o tema da delação premiada, muito atual no Brasil, como sendo mais uma tentativa de fornecer ao processo meios eficazes para a descoberta das falcatruas reinantes nos órgãos públicos e desmantelar as grandes organizações criminosas que assentaram raízes no meio social.

Nota (Internet): O que é Delação premiada:
«Delação premiada é uma expressão utilizada no âmbito jurídico, que significa uma espécie de "troca de favores" entre o juiz e o réu. Caso o acusado forneça informações importantes sobre outros criminosos de uma quadrilha ou dados que ajudem a solucionar um crime, o juiz poderá reduzir a pena do réu quando este for julgado.»

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