domingo, 4 de setembro de 2016

Festa no Museu


É de 21 de Julho o seguinte artigo de João Miguel Tavares - 0,0035% - da última página do Público, que passou, pois, há mais de um mês, página encimada na epígrafe «Escrito na Pedra» com a sentença do escritor e político irlandês Edmund Burke (1729-1797): «Quanto maior o poder mais perigoso é o abuso” que o nosso adagiário popular traduziu por “Se queres conhecer o vilão, põe-lhe a vara na mão”. Tal sentença, quer a erudita quer a em vernáculo, adapta-se lindamente ao texto de João M. Tavares, na caracterização da nosso 1º Ministro e as cerimónias de apresentação do O.P.P., que meteram estrado, palanque, etc., etc., além da comunicação social.
J.M.T. considera tal exercício de especulação sobre os dinheiros a entregar às autarquias, bem ridículo, não só pela insignificância desses dinheiros - 0,0035% do Orçamento geral – como pela distribuição morosa da sua gestão, mais uma prova da nossa incapacidade de gerir dinheiros, o que nos afundou numa dívida sem fim à vista, além, evidentemente, desse aparato formal na apresentação de um projecto, em princípio positivo, de alargamento às Câmaras da gestão do Orçamento, pomposamente apelidada de OPP, Orçamento Participativo de Portugal.
Quanto à sentença que encima a página do Público, ela aplica-se, sobretudo, aos ditadores que passaram e passam na história, os quais, à conta desse poder ilimitado, praticaram os mais horrendos genocídios. Neste caso do nosso PM não se trata disso. Somos hipocritamente bonacheirões quando nos convém, ou críticos inflamados quando atacamos o rival e por aí nos quedamos, preferindo manobrar pela calada, em manobras de face oculta de resultado pessoal mais visível. Não! Perigoso prepotente é o chefe da Coreia do Norte, Kim Jong-un, que alia parlapatice visual a ferocidade natural amansadora do seu povo. Tal como Estaline, a ser aplaudido pelos partidários, reais ou insinceros, em palmas ininterruptas, nenhum se atrevendo a ser o primeiro a interrompê-las, o olhar inquisitorial do chefe reflectindo o íntimo  gozo, como vi há dias, num programa do 2º canal.
Nós vivemos em democracia, temos um poder mediano, afirmado com natural vaidade, explicando as nossas simpatias, e apresentando as nossas soluções, no espalhafato e na morosidade. Mas disso não passamos, mesmo quando nos apoderamos ilicitamente de um poder que não nos pertencia. Velhacaria sim, mas à nossa medida. João Miguel Tavares explica.
0,0035%
Qual é o meu problema com o vistoso arraial do Orçamento Participativo de Portugal? É este: três milhões de euros.
É verdade que tenho escrito muitos textos a atacar António Costa. Mas admitam: o homem dá-me todos os dias boas razões para isso. Na segunda-feira, o nosso querido primeiro-ministro foi ao Museu Nacional de Arte Antiga anunciar, com toda a pompa e circunstância, o primeiro OPP – Orçamento Participativo de Portugal. Levou estrado, palanque, microfones, projectores e, pelo menos (foi os que consegui contar), um primeiro-ministro, três ministros e alguns secretários de Estado. A comunicação social deu o seu OK ao OPP e respondeu em força: a cerimónia foi abordada logo nos primeiros minutos dos telejornais da SIC e da TVI e o PÚBLICO dedicou-lhe uma página inteira no dia seguinte.
A atenção compreende-se. O Orçamento Participativo de Portugal pretende ser uma réplica à escala nacional dos orçamentos participativos que têm vindo a ser desenvolvidos com sucesso em vários municípios, com destaque para Lisboa. A ideia nasceu no tempo em que António Costa era presidente da câmara, tem corrido bem, aproxima os cidadãos da política, convida-os a tomar a iniciativa de melhorar as suas cidades, e permite concretizar pequenos projectos úteis e criativos, após votação pública. Tudo coisas, como diria Artur Jorge, boas e bonitas – e, ainda por cima, descentralizadoras e liberais. Música para os meus ouvidos. Pode discutir-se, claro, se aquilo que faz sentido localmente faz sentido nacionalmente – eu acho que não, mas nem quero ir por aí. Vou até admitir, que é para os meus queridos leitores não acharem que isto é só má vontade, que a ideia é estupenda e faz todo o sentido ser implementada a partir do Terreiro do Paço.
Qual é, então, o meu problema com o vistoso arraial no Museu Nacional de Arte Antiga? É este: três milhões de euros. O orçamento do Orçamento Participativo de Portugal tem o valor de três milhões de euros, 0,0035% do orçamento do Estado para 2016 (85,4 mil milhões de euros, mais coisa, menos coisa), para aplicar em quatro áreas: cultura, agricultura, ciência e formação de adultos, o que dá uns estupendos 750 mil euros por área. E agora deixo-vos a descrição que o PÚBLICO faz dos vários passos do processo até chegar à atribuição desse incrível montante. Até final do ano, “decorre a fase exclusivamente dedicada à divulgação da iniciativa, junto de autarcas, associações, empresários e cidadãos”. Entre Janeiro e Abril de 2017 há quatro meses para apresentar ideias, durante os quais “governantes andarão pelo país” a “falar com as pessoas”. Depois vem a “discussão e elaboração” das propostas, em assembleias participativas. Em Maio, “terá início a fase da análise técnica”. Entre Junho e Agosto os cidadãos poderão votar online ou por sms. E segue-se, em Setembro, a apresentação pública dos projectos vencedores. Fixaram tudo?

Óptimo. Agora façam as contas. Se somarmos os custos da apresentação do OPP, da divulgação do OPP, da organização do OPP, da discussão do OPP, da votação do OPP e da implementação do OPP, desconfio que a burocracia e os meios envolvidos na atribuição de uns ridículos três milhões de euros serão superiores a três milhões de euros. Não só António Costa andou entretido em cerimónias de propaganda por causa da alocação de 0,0035% dos recursos do Estado, como certamente vai ser maior a despesa da propaganda do que o investimento que propagandeia. Digam-me: sou eu que tenho mau feitio? Ou andar a perder tempo e dinheiro com uma iniciativa destas, no actual contexto do país, é mesmo uma vergonha?

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