Ontem assisti vagamente, creio
que num noticiário, a uma festa do Avante, com jovens estendendo o punho,
ameaçadores, à procura do seu cantinho no partido, que dantes se pautava mais
pela exigência de um passado de heroísmos clandestinos e desconhecidos, originando
posteriormente as loas e exaltações que esse passado de resistência lhes
merecera numa época já propícia ao seu viver às claras e na glória precisa,
seguida de estudo biográfico encomiástico de algum fiel servidor. Houve por
essa altura um desafogar de paixões, uma apropriação de espaços, e outras
aleivosias a que António Barreto se refere, e que servem apenas para uma evocação já rançosa de figuras e gentes
que surgiram então cheias de garra, mas não de graça, que ajudaram,
inegavelmente, a criar uma sociedade mais atenta ao outro, apesar de sem grande eficácia, num país onde posteriormente
vem a lume tanta falcatrua quer na forma de obter destaque, quer na forma de extorquir da nação os dividendos
que fortalecem a autoestima. Creio que é disso que esses jovens do punho
estendido andam à procura - a notoriedade na diferença, o punho amplo na defesa
do interesse alheio – na realidade na busca do seu próprio cantinho, com estudo
ou sem ele, que para pouco vale o estudo agora.
Bem fazem os meninos em
estenderem o punho, em vez de procurarem no tal estudo o fortalecimento das suas dignas
aspirações à vida. Esta quer-se bem fornida de apoios, pois que o estudo, como
dizia, de pouco valerá, com a mecanização e a informática a alcandorarem-se avassaladoramente,
auxiliares do engenho humano e facilitadores da vida.
Veremos se as expectativas de
António Barreto a respeito do “arsenal semântico” da esquerda engrandecida significarão,
de facto, vitória, como lá por Cuba… As potencialidades de Jerónimo de Sousa
são bem visíveis ainda, na sua voz exaltada de discurso repetidamente sério e
condenatório, palavras para mais remoçadas com o sangue novo dos jovens que lhe vão
no rasto, de punho erguido…
Não
é final, mas é vitória...
António
Barreto
DN,
4/12/16
Na Internacional, é a luta que é final. Mas entre os slogans
e as senhas das revoluções, a "vitória final" ou a "vitória,
sempre" fazem parte do arsenal semântico. Em Portugal, neste
fim-de-semana, assistimos a uma liturgia vitoriosa inédita. É a
primeira vez, em quase quarenta anos, que o PCP comemora a vitória. Com
cuidado. Com precauções. Com ameaças. Mas vitória!
Um relógio parado está certo duas vezes por dia. A
primeira vez foi há 42 anos: aconteceu uma revolução militar que se
transformaria gradualmente em revolução política e social! Prevista há muito,
esperada durante décadas e desejada tempos sem fim, fez-se e foi o que se
sabe. O PCP garantiu que a tinha previsto. Cavalgou-a. Dirigiu-a durante
uns meses. Perdeu-a em 1975, a 25 de Novembro. Por isso, as esquerdas detestam
o 25 de Novembro. Por isso, o PS, que aplaudiu, tem hoje vergonha do 25 de
Novembro. Por isso, o Parlamento recusou no ano passado associar-se à
comemoração dos 40 anos e, neste ano, não aceitou evocar a data. Felizmente que
agora o dia se transformou no Dia Internacional pela Eliminação da Violência
contra as Mulheres, que tem o condão de mobilizar as opiniões e os jornais. Foi
também o dia em que morreu Fidel Castro, o mais duradouro ditador do século XX,
o mais longo mito e o mais perene herói das esquerdas, incluindo de muitos
socialistas que esquecem o ontem e sonham com amanhãs. Parte do mundo deixou-se
deslizar numa obscena lamúria em que se festejava em Fidel Castro o que não se
tolera em ditadores como Salazar, Mussolini, Franco e Pinochet. Mas Fidel é de
esquerda. Como os ditadores Estaline, Pol Pot, Mao e Ceausescu. Deve ser por
isso que tem todas as desculpas.
O PCP espera agora que o seu relógio acerte pela
segunda vez.
Há quarenta anos que é contra a CEE, contra a União e
contra o euro. Nunca deu resultado, nem teve êxito. Desta vez, espera que sim.
Os dissabores da União, as ameaças de desmembramento e a ascensão da
extrema-direita fazem-no ter esperança.
No dia 2 de Dezembro, o PCP iniciava o seu 20.º
Congresso, em cuja abertura o secretário-geral desferiu um dos mais brutais
ataques à União Europeia e ao euro, à economia de mercado e à iniciativa
privada, em louvor da "pátria", da saúde e da economia pública. Apesar
disso, tudo leva a crer que o PCP vá apoiar o governo do PS por mais algum
tempo. Mesmo que tenha de disfarçar, como fará com a nomeação de Paulo Macedo,
até ontem o coveiro do SNS.
Na véspera, comemorara-se o 1.º de Dezembro, que é
agora, também, o Dia Internacional de Luta contra a Sida, tema mais actual e
mais mobilizador do que a independência nacional. Esta deu origem a uma festa
"oficiosa", vá lá saber-se o que é isso, ainda por cima com a
presença das mais altas entidades nacionais. Mas é curioso ver, nestes tempos
de viragens e reversões, como a festa da independência nacional foi cancelada
pela direita, há cinco anos, e restaurada pela esquerda, agora. No dia
anterior, a 30 de Novembro, os reis de Espanha terminavam a sua visita de
Estado a Portugal, durante a qual elogiaram o bom entendimento ibérico.
Por toda a esquerda, democrática ou não, corre uma
palavra ou um conceito a definir uma política: patriótico! É o que se ouve
aos governantes, aos congressistas do PCP e aos porta-vozes do Bloco. Mas é
também o que corre no topo das instituições, Presidente e primeiro-ministro. A
palavra pode ser banal. A sua utilização oportunista. A sua evocação
automática. Mas é a palavra dos perigos imprevistos. E dos fantasmas
ameaçadores. Patriótico é também contra a globalização, contra o liberalismo
político e económico, contra o mercado livre e contra a liberdade científica.
Pátria! Pátria! Quantos crimes se cometeram por tua causa!
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