No meio da barafunda que ultimamente temos
vivido de ataque ao PSD e sobretudo a Pedro Passos Coelho, pelos próprios do
PSD - Marques Mendes até acha que Passos Coelho deu um tiro no pé, ao
desdizer-se do que dantes dissera, pois já apoiara a tal TSU noutro contexto e
agora que o contexto mudara já não apoiava, o que era traição aos princípios
morais de seriedade que Marques Mendes acha que tem e que Passos não tem mas eu
só me lembrei, ao ouvi-lo na entrevista com a Clara de Sousa, do nosso Fernão
Mendes Pinto, que na sua Peregrinação contou coisas tão
estapafúrdias que até o seu nome foi glosado em trocadilho: “Fernão Mentes?
Minto”, tal como me pareceu, ao ouvi-lo na conversa com a Clara, que era o
caso do Marques: “Marques, mentes? Minto” não por um relato estapafúrdio (perfeitamente
extraordinário, embora), de aventura asiática, que o nosso clima aqui não proporciona,
brando que é, e europeu, mas na saliência de bons sentimentos que por aqui, sim, abunda, que
João Miguel Tavares igualmente atribui a um Silva Peneda e que as Mortáguas e
Companhia também expandem, sempre soturnas e virtuosas, neste nosso clima
português, propício, isso sim, à virtude embora soturna.
Mas não vou falar disso, da TSU, que me parece
coisa de lana caprina ou assunto para espíritos mais esclarecidos. Na realidade, o que me deu um prazer honesto, a
minha alma vibrando em uníssono - a minha alma está parva, na expressão
hiperbolicamente animista da nossa amiga - foi a figura arrogantemente enérgica de Pedro Passos
Coelho a informar, na sua voz bem timbrada e corajosa - que perfurou a
muralha severa dos ouvidos bem formados e condenatórios dos Marques Minto da
nossa história biblicamente bélica - a informar, repito, que António Costa devia entender-se
com os seus apoiantes na questão da TSU, para isso fizera a coligação, era para
se entender com esses e não consigo ou os seus. A TSU que apoiara divergia da
TSU de António Costa, por esse motivo não a apoiava agora, para mais que o PS
tinha os seus parceiros de governo, com quem se devia entender. E não consigo
ou os seus, foi o que informou Passos Coelho no seu propósito esclarecedor.
Mas se não o conseguiu, temos João Miguel Tavares, a
esclarecer melhor, e Francisco Assis a contribuir para a manutenção do crédito
de Passos Coelho, num clima avesso à compreensão, embora o não seja à virtude
soturna.
O
regresso da alma Peneda
João Miguel Tavares
19 de Janeiro de 2017
Silva Peneda escreveu uma carta aberta no Diário
de Notícias onde acusa Passos Coelho de estar a “ferir gravemente a identidade
do PSD” por se recusar a apoiar a descida da TSU. O interesse da carta não está
na acusação, que nada tem de original, mas na argumentação utilizada, que cruza
uma sinopse da história do PSD com a tese de que estamos a assistir a uma
traição dos “valores fundamentais” da social-democracia portuguesa. Passos
Coelho, o traidor, está, segundo Peneda, a “alienar” o “património político” do
partido e a promover a sua “falência”, já que a sacrossanta concertação social
representa a “cultura de compromisso” que o PSD deve buscar “de forma
incessante”. É caso para
dizer: há certas críticas que valem mais do que mil elogios.
Vale
a pena analisar a “cultura do compromisso” de Silva Peneda neste caso em
concreto. Andemos dois meses para trás. A 19 de Novembro de 2016,
o Expresso anunciava em manchete: “Salário mínimo de €557 em risco
em Janeiro.” E justificava: “Para conseguir um acordo na concertação
social, António Costa pode fasear o aumento em 2017.” Nesse mesmo dia,
António Costa recorreu ao Twitter para desmentir categoricamente a notícia: “A manchete do Expresso é falsa. O programa
de Governo será cumprido na atualização do salário mínimo.” Dois dias depois, o presidente do PS, Carlos
César, confrontado com o protesto dos patrões, fechava a porta a qualquer
negociação abaixo desse valor, numa declaração tipicamente socialista: “Não
posso interpretar o que os patrões entendem. O que sei interpretar é
aquilo que o Governo pretende: que em diálogo e no cumprimento do programa de
Governo, seja possível o aumento do salário mínimo nas condições que nós
mencionámos.” Diálogo, sim, mas nas condições impostas pelo Governo. Negociar
o salário mínimo, com certeza, desde que seja 557 euros. É a isto que Silva
Peneda chama “cultura de compromisso”. É esta maravilhosa “concertação
social” que o PSD, terrível e despudoradamente, parece que está a trair.
Os
patrões, como é óbvio, não tinham grande opção: já que o salário mínimo iria
subir a bem ou a mal, aproveitaram as migalhas da TSU que lhe foram postas à
disposição. Mas que a “concertação social” esteja resumida a isto, e que
seja este o património que Silva Peneda acusa Passos Coelho de estar a
destruir, só pode ser uma piada de mau gosto vinda de alguém para quem o
Terreira do Paço é o útero do país. Razão tem Francisco Louçã: esta
concertação social de 2017 parece, de facto, uma nova Câmara Corporativa. Só que o poder que ela preserva não é, como afirma
Louçã, o “poder patronal”, mas sim o poder do bom e velho Estado oligárquico,
para o qual Bloco e PCP também contribuem com denodo.
Chamar a isto “cultura do compromisso” é uma ofensa
para a cultura e para o compromisso. Isto é tão-só a batida cultura do
deixa-andar-que-assim-está-bem. É o óleo que faz girar há décadas a máquina
oligárquica portuguesa, feita de respeitáveis figuras do “centrão”, como Silva
Peneda. Se Passos Coelho está a levar à “falência” este “património político”,
essa é uma óptima razão para gostar dele. Almas Penedas é que
não – elas representam o regresso do fantasma dos natais passados, quando existia
dinheiro a rodos para distribuir. Quem
andava pela política nos anos 1990 e 2000 não precisava de ser competente,
culto, probo ou sequer inteligente. Bastava, como os leões de pedra do
Parlamento, guardar a entrada do mealheiro – e manter a pose impante da
mediocridade.
As duas maiorias
Francisco Assis
19 de Janeiro de 2017
1. Com a devida vénia inicio este
artigo com uma citação de Francisco Louçã. Anteontem, neste mesmo jornal,
escrevia o seguinte: “A concertação
social é a forma sofisticada da Câmara Corporativa, mas em vez de vénias e
pedinchice ao Estado, o que, aliás, continua a fazer com garbo, mobiliza uma
aura de legitimidade que pairaria sobre as instituições eleitas. É, por isso,
um mecanismo para preservar o poder patronal, reclamando a força espiritual dos
‘homens do dinheiro’ e do ‘sentimento dos mercados’, nada mais do que isso. A
‘concertação’ social nem conserta nem concerta, limita-se a reproduzir o
soturno direito de veto patronal, em nome da ideia de um poder social acima da
esfera da deliberação pública, por exigir assentimento prévio.”
Louçã não podia ser mais claro; dá provas de uma indesmentível coerência e
revela uma saudável desinibição discursiva. É exactamente isto que os
partidos situados à esquerda do PS pensam sobre a concertação social. Nem seria
de esperar outra coisa, tendo em consideração a fidelidade que continuam a
manifestar perante uma interpretação marxista da sociedade e da história.
No
último fim-de-semana, a actual líder do Bloco de Esquerda deslocou-se a Berlim
para, no âmbito de uma homenagem a Rosa Luxemburgo, enunciar um discurso
radicalmente crítico em relação à União Europeia, acusada de todos os males
possíveis e imaginários. Inspirada, decerto, pelo ambiente mental circundante,
onde preponderavam os herdeiros da
ditadura comunista da extinta RDA, lançou-se num desbragado ataque a tudo o que
próxima ou remotamente tivesse que ver com o projecto político europeu em
curso. Diga-se, de passagem, que a memória de Rosa Luxemburgo merecia melhor
homenagem.
O
PCP prepara-se para lançar uma campanha nacional a favor da saída da zona Euro.
Para os comunistas esse constitui um novo desígnio nacional, em nome da
recuperação de uma soberania monetária que consideram imprescindível para a
manutenção de uma verdadeira independência nacional. Nas suas intervenções
públicas, Jerónimo de Sousa não esconde a sua predilecção por um modelo
económico de natureza colectivista e por um sistema de organização social
baseado no primado da luta de classes.
Francisco
Louçã, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa não dizem hoje coisas
substancialmente diferentes daquelas que foram reiteradamente afirmando ao
longo das suas vidas. Quando reclamam para si próprios o património da
coerência doutrinária e política não estão a incorrer em nenhuma mentira. São estas
as suas posições políticas, assentes numa representação do mundo e da sociedade
fortemente determinada pela adesão ao pensamento marxista, coisa que não só não
renegam, como até notoriamente exibem.
2. A polémica criada em torno do acordo
de concertação social reveste-se de enorme importância, já que proporciona
uma melhor compreensão da situação política presente e permite antever a
principal questão que se vai colocar no nosso futuro nacional mais imediato.
A primeira ilação a retirar desta crise é a de que o executivo do Partido Socialista só está em condições
de assegurar em toda a plenitude a governação do país se puder contar com o
apoio parlamentar de duas maiorias alternativas e contraditórias.
Em tudo o que releva da restituição de rendimentos a alguns sectores
específicos da sociedade portuguesa, da concessão de novos apoios sociais ou da
reversão de decisões tomadas pelo anterior governo, o actual executivo pode
contar com o apoio do PCP e do BE. Já
no que diz respeito a outro tipo de temas, sejam eles relacionados com a
política europeia, com a necessidade de resolução de graves problemas no sector
financeiro ou, como agora se viu, com a concertação social, a única parceria
política viável só poderá realizar-se com os partidos do centro-direita. Ora,
esta realidade é de tal forma complexa que exige muito mais do que um puro
exercício de equilibrismo político.
Em
boa verdade, uma situação desta natureza só poderia ser correctamente gerida se
um governo do Partido Socialista mantivesse uma posição de equidistância em
relação aos demais partidos políticos, dispondo-se a negociar com cada um
deles, em cada circunstância precisa, o apoio de que careceria para a
prossecução da sua acção quotidiana. No fundo estaríamos perante o modelo,
amplamente teorizado nos primeiros anos da nossa democracia, que atribuía
ao PS o estatuto de partido charneira do regime.
Ora,
como é por demais evidente, a opção do Partido Socialista após as últimas
eleições legislativas foi de natureza bem diferente. Optou por assumir a
governação do país na base de um entendimento parlamentar inédito com o BE, o
PCP e o PEV e empenhou-se especialmente em proclamar o carácter verdadeiramente
histórico dessa novidade política. De então para cá assistimos a uma situação
deveras curiosa: o governo dirigido com inegável talento pelo primeiro-ministro
empenhou-se na execução de uma política no essencial moderada, de natureza
claramente pró-europeia e de tal modo rigorosa no plano orçamental que permitiu
mesmo a obtenção de um défice da ordem dos 2,3% do PIB. O próprio facto de se
ter sacrificado o investimento público em prol da concretização desse mesmo
objectivo revela lucidez e coragem. Aparentemente anestesiados, os partidos da
extrema-esquerda parlamentar foram aceitando tudo isto – que noutras
circunstâncias tão violentamente teriam vituperado – recorrendo ao discurso
justificativo da recuperação de rendimentos de funcionários públicos e
pensionistas. Viveu-se assim num tempo da ilusão de uma coabitação política
fecunda. A partir de agora as coisas colocar-se-ão de forma bem diferente.
Por
um lado – e a questão da concertação social já o indicia – quase tudo tenderá a
concorrer para demonstrar a profunda
inconsistência da presente maioria parlamentar. Entendem-se no que é mais
conjuntural, mais popular e mais fácil, rapidamente se desentendem em tudo o
que é mais exigente, complexo e estrutural. É natural que assim seja, já que entre o PS e a
extrema-esquerda parlamentar subsistem radicais dissonâncias políticas e
doutrinárias. Por outro lado, não é crível que se possam conceber grandes
aproximações aos partidos da direita, e em particular ao PSD, dado o clima de
extrema animosidade que caracteriza as relações entre os dois maiores partidos
políticos portugueses. Nesse capítulo há responsabilidades de ambos os lados, o
que conduz a comportamentos radicais e dificilmente compreensíveis como aquele
que agora o PSD se prepara para adoptar ao inviabilizar objectivamente o acordo
de concertação social. É
certo que o PSD poderá alegar em seu favor que não foi tido nem achado pelo
Governo, e que não está disponível para um papel incompatível com a preservação
da sua própria dignidade. Apesar disso, teria sido mais correcta a opção pela
inviabilização parlamentar das iniciativas da extrema-esquerda, com a
simultânea apresentação das legítimas razões de queixa em relação ao
comportamento do Governo.
Perante isto teremos de concluir pelo seguinte: o
país parece caminhar para um impasse. Na falta das duas maiorias, que
seriam simultaneamente complementares e antagónicas, o Governo corre o sério
risco de se instalar numa situação de paralisia. Qual a saída para tão precária
situação? Por muitos custos que possa ter, não vislumbro outra que não passe a
curto ou médio prazo pela realização de eleições legislativas antecipadas.
Curiosamente, se elas se realizassem no curto prazo provavelmente
proporcionariam ao PS a possibilidade de obter a legitimidade que agora não tem
para agir, de facto, como partido charneira nesta fase da nossa vida
democrática.
Nenhum comentário:
Postar um comentário