Serve o dito para se acreditar na tese de
aposta no ensino, não importa que a mensagem de António Costa seja velha. Também
me lembro da reforma Veiga Simão e o alargamento da escolaridade obrigatória,
além do estabelecimento da universidade em Moçambique e certamente que em
Angola. Lembro-me das aulas nocturnas, que abriram caminho à escolarização dos
adultos, entre os quais muitos africanos que iam à escola depois dos seus
trabalhos. Em 75, o empenhamento de alguns dos promotores do ensino cá, fez que
abrissem algumas turmas na Escola secundária de S. João do Estoril, como ensino
particular, em que cada ano abrangia o conjunto dos três do secundário (1º, 2º
e 3º - actuais 7º , 8º e 9º), ou os dois do Complementar - (1º e 2º, actuais
10º e 11º). Concorri e fui aceite, tinha chegado de África, lembro-me de ter ficado
reconhecida a quem me deu a possibilidade de trabalhar aqui, no terror de um
retorno inseguro de África, embora, aparentemente, tivesse vindo “de férias”, a
receber, durante seis meses, o vencimento de Moçambique. Lembro-me de que foi
um ano glorioso, nas minhas turmas de Português e de Francês, em que não houve
nenhuma reprovação nos respectivos exames de Português e Francês, glória de que
nunca mais viria a obter, na massificação a que foi votado o ensino das
crianças, bastante indisciplinadas, na liberdade concedida. Esses eram pessoas
adultas, que precisavam desses exames para progredir nas carreiras, muitas das
quais “Professores Primários” que necessitavam dos exames do Secundário para
serem equiparados aos professores do “Ensino Secundário”, designações
obsoletas, para mais que também desapareceu a de “liceu”, tanto é o nosso pendor
de igualitarismo fraterno, receoso de ofender pruridos de distinções aviltantes,
a única distinção social que hoje conta mesmo é a económica. Nesse reduto, sim,
é que as discrepâncias não ofendem os pruridos de orgulho pessoal, o
sacrossanto dinheiro favorecedor da plena realização pessoal, apelativa da
consideração alheia, já que ainda estamos muito no primitivismo da doutrina igualitarista.
Também eu apostaria no ensino, um ensino
favorecedor da igualdade que se pretende, um ensino que favorecesse igualmente
a formação moral e cívica, mas os descalabros sociais estão cada vez mais na
ordem do dia. O certo é que dantes os cursos universitários destinavam-se à
prática de trabalhos condizentes - na Docência, no Direito, na Medicina, na
Engenharia, etc, mas a verdade é que as vias do ensino universitário também se
multiplicaram e oferecem hoje mais possibilidades de trabalho em variados
sectores, facilitados pelos meios mediáticos.
Se tal não acontecer, contará sempre a formação
pessoal, o que é um factor sempre positivo, quer a nível pessoal, quer como seu
reflexo na sociedade. Quem dera que fôssemos um povo evoluído, como outros, que
constroem racionalmente os seus destinos. O próprio trabalho na terra, pode ser
valorizado inteligentemente, pelo estudo, no seu cultivo, ou na protecção das
florestas ou da costa marítima.
Por isso, a mim não importa o défice de
imaginação de António Costa - segundo expressão de João Miguel Tavares - nos votos
de Natal do P. Ministro, tomando como prioridade o ensino. Este é fundamental,
por muito caro que fique ao Estado que será sempre indemnizado através dos
impostos.
A mensagem de Natal de António
Costa
João Miguel Tavares
Público, 27 de Dezembro de 2016
António
Costa foi a um jardim de infância gravar a sua mensagem de Natal para nos dizer
que vai apostar no ensino, porque o “maior e verdadeiro défice” do país “é o
défice do conhecimento”. Cenário novo, mensagem velha: eleger
como principal prioridade do país o combate ao défice do conhecimento apenas revela
um grande défice de imaginação. Essa é uma prioridade pelo menos desde
Marcello Caetano, que em 1970 já falava na absoluta necessidade de levar a cabo
a “grande, urgente e decisiva batalha da educação”.
Daí
sairia a Reforma Veiga Simão, lançada em 1973 com a publicação da
primeira lei de bases do sistema educativo, que alargou a escolaridade
obrigatória até ao oitavo ano. De então para cá, o investimento na
educação cresceu de forma ininterrupta até 2002. E que crescimento: o seu
peso no orçamento quadruplicou em menos de 30 anos, de 1,3% do PIB em
1974 até 5,1% em 2002. Em valores absolutos, os números são ainda mais
impressionantes. Um aluno custava anualmente ao Estado cerca de 115 euros em
1974 (fonte Pordata, valores actualizados), e em 2010 esse número
situava-se já em 810 euros. Desceu para 625 euros desde então, devido à
crise, à reorganização do mapa escolar e ao impacto demográfico no ensino, que
conduziu a uma acentuada diminuição do número de professores.
Ainda
assim, a paixão pela Educação é a maior constante da democracia portuguesa,
tanto à direita como à esquerda. Experimentem situar esta frase no tempo:
“Educar todos os portugueses promovendo uma efectiva igualdade de
oportunidades, independentemente das condições sociais e económicas de cada um,
é o objectivo desta batalha da educação.” Ela poderia ter sido proferida em
1976, em 1986, em 1996, em 2006 ou em 2016. Na verdade, é retirada
do Diário das Sessões da Assembleia Nacional de 1972.
Embora
a herança salazarista tenha sido trágica no campo da Educação, com quatro
décadas a doutrinar criancinhas com a trilogia Deus, Pátria e Família e a
promover um país pobre, rural e conformado com a sua própria mediocridade, o
certo é que já se passaram outras quatro décadas desde então, e o país
progrediu imenso em termos educativos. Ainda que seja necessário continuar
a melhorar as escolas e as universidades, “o défice do conhecimento”
dificilmente pode ser hoje considerado o “maior e verdadeiro défice do país”, a
não ser para as gerações que têm mais de 50 anos.
O
que o país precisa não é de mais “conhecimento”, mas sim de utilizar o
conhecimento que tem, para não andarmos todos a louvar a “geração mais
qualificada de sempre” ao mesmo tempo que produzimos a geração qualificada mais
pobre de sempre. No Portugal dos descamisados doutorados, o
verdadeiro défice está na classe empresarial e num tecido económico incapaz de
absorver dezenas de milhares de trabalhadores qualificados, que rapidamente se
tornam sobrequalificados por não terem forma de exercer as profissões para as
quais se formaram. É isto que António Costa devia estar a combater. Só
que esse combate não se faz com mais Estado, como se fez durante anos, porque
já não há dinheiro para isso. Faz-se com mais iniciativa privada e mais
sociedade civil – um caminho proibido no seio da coligação que nos governa,
para quem um bom investidor é apenas o estádio larvar de um mau patrão. E
como há défice de apoio para combater o novo défice, combate-se o velho como se
fosse novo. Resolvem-se os verdadeiros problemas do país? Não resolvem. Mas
compõem-se bonitas mensagens de Natal.
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