«(24:52-53): E
eles, tendo-se prostrado diante dele, voltaram para Jerusalém com grande
alegria. E estavam continuamente no templo , bendizendo a Deus.»
I
1- Pareceres sobre a obra:
-Ernest
Renan, o biógrafo de Jesus, considerou, em 1877, o Evangelho
segundo Lucas “o livro
mais belo que existe”.
- São Jerónimo (sécs. IV e V) afirmou, na “Carta
a Dâmaso”, o estilo literário de Lucas
como, “cultíssimo” (lt. “eruditissimus”).
- Eduard Norden (Die
Antike Kunstprosa), (2008) aprovou (vol. II, p.482) o conceito.
2- Problemas de identidade e autoria:
2.1 : a) - Apesar de dedicar o seu livro a um certo Teófilo
(nos versículos iniciais), omite o nome do destinador.
b)- Sabe-se que é o mesmo autor de os “Actos dos Apóstolos” (1.1), referido por Ireneu nos finais
do s. II, em “Contra as Heresias e outras obras”, como seguidor
de Paulo, amigo de Paulo, médico e não
circuncidado: donde se conclui que “não seria judeu”.
c)- Mas havendo contradições entre aquilo que Lucas diz
sobre a biografia de Paulo nos “Actos dos Apóstolos” e o que Paulo
afirma na “Carta aos Gálatas” e noutras epístolas, põe-se a
dúvida sobre a identidade de Lucas como amigo e seguidor de Paulo.
d)- O Evangelho de Lucas também não
oferece pistas sobre a identidade do autor como médico. Excepto a
referência à mezinha de azeite e vinho com que o Bom Samaritano trata as
feridas da vítima (10:33-34) ou o facto de só no Evangelho de Lucas se
referir que Jesus curou a orelha de um escravo (22:50). (Neste último exemplo, ponho uma ressalva: parece-me
trata-se antes de um caso de milagre, pois não refere mezinhas).
e)- No século IV já os cristãos consideravam Lucas
um médico (Jerónimo, “Homens ilustres”) natural de Antioquia.
Também Eusébio refere ser Lucas natural de Antioquia (História
Eclesiástica, 3.4).
2.2 - Várias razões põem em dúvida a afirmação de Lucas não ser judeu:
1ª – Não há a certeza de o Lucas mencionado em Colossenses (4:14)
ser o mesmo Lucas evangelista e autor dos “Actos”.
2ª – Não há a certeza de que Paulo foi mesmo autor da Carta
aos Colossenses.
3ª - Mesmo que seja, nem todos os estudiosos
aceitam que «a fraseologia do apóstolo separando os
companheiros em dois grupos – “os da
circuncisão” e os outros (no qual Lucas está incluído) –
queira indicar que os do segundo grupo não são judeus», (os do
primeiro grupo podendo ser judeus-cristãos que levavam à risca todos os
preceitos judaicos, incluindo a circuncisão obrigatória, e os do segundo
grupo incluindo judeus menos rígidos nessas práticas.
4ª - Nenhum dos quatro Evangelhos mostra um amor tão grande por
Israel e pelas suas tradições como o Evangelho de Lucas. «Lucas é o único que refere a circuncisão de Jesus (e também a de
João Baptista) e está bem informado sobre as instituições referentes ao templo
de Jerusalém».
5ª – «Lucas é
um entusiasta do estilo e da temática da Escritura judaica em versão
grega (LXX), como se vê pelo magnífico 1º capítulo do seu Evangelho,
uma verdadeira obra-prima de estilo arcaizante, com o seu modo de tornar
presente o passado pela própria materialidade literária: Zacarias e
Isabel lembram-nos a cada passo Abraão e Sara; e o belíssimo canto
de Maria (o Magnificat) traz de novo à vida a mãe de Samuel. As
palavras de Lucas vincam e sublinham assim, a maravilha intemporal do
nascimento de Jesus.»:
5ª
1: Textos exemplificativos:
1º Ex:
Sobre os pais de João Baptista:
«(1: 5-7): Havia nos tempos de Herodes, rei da Judeia, um
sacerdote de nome Zacarias, da classe de Abias; e a mulher era uma das
descendentes de Abraão e o nome dela era Isabel. Eram ambos justos perante Deus,
cumpridores irrepreensíveis em todos os mandamentos e preceitos do Senhor. E não tinham tido nenhum
filho, porque Isabel era estéril e ambos estavam já avançados nos seus dias
….»
2º Ex:
Sobre a anunciação a Maria:
«(I:30 – 33): E disse-lhe o anjo: “Não temas Maria, pois achaste
graça junto de Deus, / E eis que conceberás no ventre e parturirás um filho / e
pôr-lhe-ás o nome de Jesus. / Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo
/ e o Senhor dar-lhe-á o trono de David, seu pai, / e reinará sobre a casa de
Jacob até «ao fim de» os séculos / e do reino dele não haverá fim.» «(1:38): Maria disse: “Eis a escrava do Senhor.
Aconteça-me segundo a tua palavra.»
3º Ex:
Sobre a visita de Maria a Isabel: «(1:
41:-43): E aconteceu
que, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o bebé pulou no seu ventre e
Isabel ficou plena de um espírito santo; e levantando a voz com um grande grito, disse:
“Bendita <és> tu entre as mulheres / e bendito é o fruto do teu ventre.»
4º Ex:
Magnificat: « (1:46-55): E Maria disse: / “A minha alma engrandece o Senhor / e alegrou-se o meu
espírito em Deus, meu salvador, / porque mirou a humildade da sua escrava. /
Eis que a partir de agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada, /
porque em mim fez coisas grandes o Poderoso. / E santo é o nome d’ Ele / e a
misericórdia d’Ele é «concedida» de geração em geração / àqueles que o temem. /
E demonstrou força no seu braço / e dispersou os orgulhosos no pensamento dos
seus corações. / Derrubou os dinastas dos seus tronos / e elevou os humildes; /
os esfomeados encheu de coisas boas / e os ricos mandou embora sem nada. /
Acolheu a Israel, seu escravo, / recordado de misericórdia, / tal como falou
aos nossos pais,/ a Abraão e à semente dele para sempre.”
Nota de F. L.: «O
chamado “Magnificat” (esta tradução provém da tradução latina, “Magnificat
anima mea Dominum”) constitui um
belíssimo centão de citações do AT na
versão grega dos LXX, em
que as frases tiradas da Escritura são ligeiramente adaptadas em termos
de pronomes e de pessoas verbais para se adaptarem a serem ditas por Maria (Exs…).»
3- As
fontes sobre a vida de Jesus no “Evangelho de Lucas” e as diferenças nos
conteúdos:
1º - «A
grande inspiração de Lucas foi o Evangelho de Marcos, mas há pormenores
surpreendentes em que Lucas não segue o seu modelo:
2º - «Em
Lucas, Jesus não caminha sobre a água, não é flagelado antes de ser crucificado
e não é coroado de espinhos.
3º - «Contrariamente
ao que sucede em Marcos - (10: 45) «pois também o Filho da Humanidade não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como
resgate por muitos» - seguido por Mateus -
(20:28) tal como o Filho da Humanidade não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate por muitos - em
Lucas a morte de Jesus nunca é entendida como forma de resgatar a Humanidade.»
4- Um texto singular
1º - «Uma das razões pelas quais este Evangelho avulta
aos olhos de crentes e de não-crentes como um texto de valor singular é a
importância do material nele incluído que está ausente dos outros Evangelhos:
o nascimento e circuncisão de João
Baptista; a anunciação do anjo Gabriel a Maria; a visita de Maria a Isabel; o
nascimento de Jesus na manjedoura de Belém; a adoração dos pastores; a
circuncisão de Jesus; a apresentação de Jesus no templo; a parábola do Bom
Samaritano; a parábola do Filho Pródigo;
Marta atarefada com a lida da casa e exasperada com a sua irmã Maria; a
parábola do Homem Rico e de Lázaro; a pecadora que lava os pés de Jesus com as
suas lágrimas e os enxuga com os seus cabelos; a frase “fazei isto para
a minha memória” na Última Ceia;
Jesus julgado por Herodes; a frase de Jesus na cruz: “Pai, perdoa-lhes,
pois não sabem o que fazem”; a
aparição de Jesus ressuscitado a caminho de Emaús; a ascensão de Jesus.»
5 - Conclusões:
«A qualidade suprema deste
material fala por si:
1º - «Em termos de quantidade, é
Lucas o Evangelista que, dos três Sinópticos tem a extensão
maior de material único: estima-se que 35% do que lemos no Evangelho
de Lucas é material exclusivamente lucano (ao passo que essa percentagem
será de 20% no caso de Mateus, e de apenas 3% no caso de Marcos).
2º -«Se atendermos ao facto (não
obstante a posterior divisão em capítulos ter dado ao Evangelho de Lucas menos
quatro do que os 28 capítulos de Mateus), de o Evangelho
mais extenso ser de Lucas – e se juntarmos a isso a sua autoria dos “Actos
dos Apóstolos” – chegamos à conclusão de que quase 30% do texto do NT é da autoria deste escritor delicado e
sensível, cuja obra marcou de forma indelével não só o cristianismo, mas a
espiritualidade e a cultura universais.»
II
Síntese dos capítulos, segundo os títulos de Frederico
Lourenço:
«1 -
Dedicatória a Teófilo; Zacarias e Isabel, pais de João Baptista; a anunciação
feita a Maria; Visita de Maria a Isabel;
Cântico de Maria; Nascimento e circuncisão de João Baptista; Cântico de
Zacarias. 2 – O nascimento de Jesus na manjedoura de Belém; A
adoração dos pastores; Circuncisão e apresentação de Jesus no templo; O cântico
de Simeão; a reacção da profetisa Ana; Jesus espanta os professores no templo. 3 -
João Baptista; O baptismo de Jesus; A genealogia de Jesus. 4 - A
tentação no deserto; Início do ministério de Jesus; Jesus em Nazaré e
Cafarnaum; Jesus cura a sogra de Pedro. 5 - A
pesca milagrosa e o chamamento dos primeiros discípulos; Jesus cura um leproso e um
paralítico; O chamamento de Levi; O jejum; O vinho novo em odres velhos. 6 - Jesus e o sábado; Jesus cura o
homem com a mão deformada ao sábado; A eleição dos doze; As bem-aventuranças;
As imprecações; O amor aos inimigos e a regra de ouro. 7 - Jesus cura o escravo do
centurião: A ressurreição do filho de uma viúva; Jesus elogia João Baptista; A
pecadora arrependida. 8- Maria Madalena e outras mulheres; A parábola do
semeador; a mãe e os irmãos de Jesus; Jesus acalma a tempestade; O possesso de
Gerasa; A filha de Jairo e a mulher com fluxo de sangue. 9 – A
missão dos doze; Herodes ouve falar de Jesus; A multiplicação dos pães e dos
peixes; Pedro reconhece que Jesus é o Messias; O primeiro anúncio da Paixão;
As condições para seguir Jesus; A transfiguração; Jesus cura um jovem
epiléptico; O segundo anúncio da Paixão; O maior do Reino. 10- A
missão dos setenta discípulos; A lamentação sobre as cidades do lago; O
regresso dos discípulos; Jesus sente alegria; O mandamento do amor; Marta e
Maria. 11- O Pai Nosso; Jesus e Belzebu; A verdadeira
bem-aventurança; O sinal de Jonas; A luz da fé; Jesus condena os fariseus; o
perigo da ganância; A parábola do rico insensato; O tesouro do céu; A parábola
do administrador infiel; Jesus causa de conflitos familiares. 12 –
O perigo da ganância; A parábola do rico insensato; O tesouro do céu; A parábola
do administrador infiel; Jesus causa de conflitos familiares. 13- A
figueira estéril: Jesus cura uma mulher
ao sábado: A parábola do grão de mostarda; A parábola do fermento; A porta
estreita; Os fariseus avisam Jesus de que Herodes o quer matar; Lamentação
sobre Jerusalém. 14- Jesus cura um hidrópico ao sábado; A humildade; A
parábola do grande banquete; A renúncia. 15 –
A ovelha perdida; A dracma perdida; O filho pródigo. 16- A
parábola do administrador desonesto; O dinheiro; A lei antiga e a nova; A
parábola do rico e de Lázaro. 17
– O bom servidor; Jesus cura
dez leprosos; O dia do Filho da Humanidade. 18 –
A parábola do juiz e da viúva; O fariseu e o cobrador de impostos; Jesus e as
crianças; O homem rico; O desprendimento; O terceiro anúncio da Paixão; Jesus
cura um cego em Jericó. 19 – Zaqueu, cobrador de impostos; A parábola das dez
minas; Entrada de Jesus em Jerusalém; Jesus expulsa os vendilhões do templo. 20 –
A autoridade de Jesus; A parábola dos vinhateiros assassinos; O tributo a
César; A ressurreição dos mortos. 21 -. A oferta da
viúva pobre: O anúncio da destruição do templo; A destruição de Jerusalém:
A vinda do Filho da Humanidade; O sinal da figueira. 22 – Os
judeus procuram matar Jesus; A traição de Judas; A preparação da Ceia
Pascal; A instituição da Eucaristia; Jesus no Monte das Oliveiras; A prisão de
Jesus; As três negações de Pedro; Jesus perante as autoridades judaicas.
23 – Jesus perante Pilatos; Jesus perante Herodes; Barrabás;
A caminho do Calvário; A crucificação de Jesus; A morte de Jesus; A sepultura
de Jesus. 24 – As mulheres vão ao sepulcro; No caminho de Emaús;
Aparição e ascensão de Jesus ressuscitado.
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