O artigo de Vasco Pulido Valente, que só li agora,
serve bem de corolário ao de Alberto Gonçalves que transcrevi antes:
Diário de Vasco Pulido
Valente
O
mestre da encrenca
OBSERVADOR, 19/2/17
… hopes expire of a low dishonest decade… W. H. Auden
Quem
conheceu Marcelo nestes quarenta anos de democracia com certeza não se espanta
com a encrenca que ele agora arranjou com o primeiro-ministro e o ministro das
Finanças. Onde ele pode baralhar as coisas, baralha – pelo prazer, por impulso,
porque a sua natureza o impede de se calar, quando devia ficar calado, ou de
falar quando devia falar. Com vinte anos, foi o “lélé da cuca” e a
“vichyssoise”. Depois vieram outras mais graves, menos graves, numa sucessão
irresistível até à Presidência da República, onde ele tem finalmente a
oportunidade de exercer o seu talento e consolar o espírito. Mesmo na televisão
os comentários dele eram sempre sobre a habilidade de cada um para enganar o
próximo e o bom povo, a quem hoje ele inunda de “afecto”, num espectáculo pelo
menos pouco sério. Há quem goste e há quem se desgoste. Não interessa. Se o
elegeram, que o aturem.
De
resto, Marcelo em parte não tem culpa. A espécie de sarilho em que desta vez se
resolveu meter exige parceiros e ele descobriu dois com muitas possibilidades:
Centeno e Costa. O jogo do diz que disse e que não disse, ou que disse e não
pensou, ou que pensou e não disse, precisa de um certo treino e de uma certa
vocação. Pena que o Estado e as finanças da ralé sofram com isso. E que a
Presidência da República, como o parlamento e os partidos, caia no desprezo
geral. Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco cometeram erros, consentiram abusos,
mas nunca se arriscaram ao ridículo e as querelas pueris, a que o vivaz Marcelo
diariamente se presta. A República pede por força um Presidente; e a nossa,
com origem militar, deu a essa personagem um papel, aliás, pouco a pouco
limitado, mas que, de qualquer maneira, ainda é excessivo e lhe permite uma
ingerência constante na política partidária.
Com
Marcelo em Belém não consigo conceber onde iremos parar. Ou consigo: iremos de
encrenca em encrenca até ao desastre final.
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