Em
4 de Fevereiro José Pacheco Pereira debruçou-se sobre Trump, para ironizar
contra os “trumpistas” nacionais, acentuadamente de direita (“A direita
detesta o seu lado revolucionário e anticonservador, mas aceita-o mais do que o
admite” (artigo do Público de 4/2, «Mais uma vez: o ascenso do “trumpismo” nacional») que conclui, com a acidez plácida de demiurgo
fatalista, que de tudo dá conta e prevê os caminhos, quem sabe se encerrado ele
próprio em mundo de aspirações e ambiguidades que as muitas leituras vão
trazendo ao seu espírito sempre insatisfeito e sempre desejoso de alcançar o
supremo saber, Fausto insaciável e dividido, com Mefistófeles atento e
tenebroso a instigá-lo: ”Trump chegou à presidência americana num período
de geral radicalização da direita e de destruição do centro. Trump e a direita
portuguesa partilham os inimigos. Ora, na lógica dos mecanismos redutores da
política dos dias de hoje, essa direita vai-se encostar cada vez mais a ele,
tanto mais quanto Trump pareça ir perder, porque os seus adversários são os
seus, e os inimigos dos meus inimigos meus inimigos são. A comunidade de
adversários é, em tempos de crise, um poderoso factor de aproximação. Será muito
pouco bonito de se ver, mas vai-se ver, ou melhor, já se está a ver.”
No
Público de 7 de Fevereiro, em - “A
instrumentalização do “trumpismo” para efeitos de política caseira” - Paulo Rangel, que se sente atingido pelos
doestos de Pacheco Pereira, embora repudiando a caracterização de “direita” relativamente
a si, e não deixando de ironizar sobre a dimensão da palavra no conceito de
PP - “Mas como a noção de
direita que, de uns anos a esta parte, Pacheco Pereira tem usado é de tal modo
abrangente que parece abarcar todo e qualquer cidadão que esteja à direita do
PS…” - contesta o seu parecer, contrapondo esse outro de «Em
matrizes fundamentais de Trump, o PCP e o BE estão mais próximos do que a
alegada direita», servindo-se de argumentos vários e exemplos, como o
sobre o primeiro ministro que quando “em pleno debate
quinzenal, diz que “o maior partido português é um partido
irrelevante e que não conta para nada”, esta frase está mais bem perto de Trump
do que qualquer uma que tenhamos ouvido ao líder da oposição.» Julgo que
se refere à deselegância e grosseria de António Costa, que, de resto, é nele
habitual para com aqueles a quem usurpou a governação, os salamaleques e os sorrisos
de derretimento, cínico embora, reservando-os para os que se prestaram à fraude
e fingem aceitá-lo por conveniência própria.
E
conclui:
«7. Pacheco Pereira está a ver mal. Mas à sua
tese pode sempre replicar-se com uma outra, de idêntico calibre, já que quer
pôr as coisas no plano da política doméstica. Afinal quem é capaz de
estar a precisar de um “inimigo comum” como o pão para a boca é o tripé que
segura a geringonça. É visível que já se esgotaram as metas programáticas e as
fragilidades vêm cada vez mais à tona. O único cimento que a mantém unida é
justamente o tal factor de agregação que apelida de inimigo comum e que, no
caso, vem a ser o arco PSD-CDS. Ora, tentar identificar o “arco da direita” PSD-CDS
com o “trumpismo” é uma maneira engenhosa de tentar unir as hostes e alimentar
um inimigo comum. E de assim arranjar um argumento de último recurso, para
salvar a frustre argamassa da geringonça: o PSD e o CDS seriam os aliados úteis
e idiotas do “trumpismo”. Este argumento é tão inverosímil que de uma coisa
estou certo: não fará curso.»
Mas
o artigo ponderado de Esther Mucznik,
do mesmo Público de 7/2, destituído da querela subjectiva de ataque
pessoal que condiciona os protagonistas nacionais - “O homem da melena amarela” - parece fundamental numa
análise centrada na figura em si, com as respectivas ligações a uma História
assustadoramente repetitiva que permitem ilações pouco tranquilizadoras:
«No
princípio não acreditámos que se candidatasse. Depois não acreditámos que seria
o candidato dos republicanos, mas aconteceu. Em seguida, estávamos certos de
que perderia, mas ganhou. No fim, pensámos que toda a verborreia destilada na
campanha não passaria de gabarolice populista, mas enganámo-nos em toda a linha.
Sem perder tempo, Donald Trump, o homem da melena amarela e um ego do tamanho
da América, parece disposto a cumprir as suas promessas à risca, não como
político que nunca foi, mas como patrão que nunca deixou de ser, despedindo
quem não aceita as suas ordens, calando quem dele ousa discordar, abrindo ou
fechando as portas do país, como se fosse a sua casa particular.
“A
América primeiro. A América para os Americanos.” Onde é que já ouvimos isto? Os
povos têm memória curta, mas há pelo menos um povo que não pode nem deve
esquecer. Esse povo, o povo judeu, onde me incluo, não se pode dar a esse luxo
porque a factura foi incomensurável. Devíamos lembrar-nos de que os pretensos
salvadores só trazem desgraças, que a procura de bodes expiatórios só fomenta a
violência, que alimentar os sentimentos de superioridade nacional, religiosa ou
de pele favorece o ódio e o
ressentimento. E sobretudo não devíamos esquecer que tratar cada indivíduo não
como tal, mas como parte de um colectivo indistinto, no qual todos são à partida
suspeitos ou culpados, para além de iníquo é perigoso porque leva a que cada
resposta seja também colectiva, juntando pessoas que à partida nem se
identificam com o grupo em que as encerram.
A
retórica do “Nunca mais”, mais do que desacreditada, deveria ser substituída
pela “Nós lembramo-nos”. Como judeus, não podemos esquecer ao que levou a “Deutschland
über alles” - a Alemanha acima de tudo. Não podemos esquecer que fomos colectivamente
o bode expiatório e colectivamente designados como o inimigo causador de todos
os males, não só da Alemanha, mas do mundo; tudo isso já estava escrito e claro, em 1924, por Hitler, no “Mein Kampf”, mas ninguém ligou. Não podemos esquecer
que quando precisávamos desesperadamente de uma porta aberta, quase todas se
fecharam, levando ao desfecho que se sabe. Não podemos esquecer que a estrada
que pavimentou a tragédia foi a indiferença - hoje tanto mais gritante quanto todos vemos,
ouvimos e sabemos tudo o que se passa em directo e no momento.
Diz-se
que a história não se repete e de facto o contexto histórico é irrepetível. Mas
a história dá sinais que deveriam funcionar como alertas nas nossas consciências.
As medidas de Donald Trump - nomeadamente a proibição de entrada nos EUA das
pessoas originárias de países maioritariamente muçulmanos, colectivamente
consideradas como potenciais terroristas -- deveriam funcionar como alerta. Do
ponto de vista ético, é uma medida iníqua e, politicamente, tem apenas como
consequência, o avolumar do ódio e da violência. O inverso do que Trump alega
pretender.
Sabemos
que é assim que começa, mas não sabemos como acaba. Para mim, é claro que a
minha liberdade e a minha segurança nunca se realizarão à custa da liberdade e
da segurança de outros, sejam eles quem forem. Não tenho nenhuma dúvida que
começando com muçulmanos, cristãos, negros, mexicanos ou chineses, eu também
acabarei por ser atingida individual ou colectivamente. Basta ver que
enquanto se processam as juras de amizade de Trump a Israel e aos judeus,
sucedem-se ameaças de bomba nos Estados Unidos a centros comunitários, escolas
e outras instituições judaicas - 18 ameaças apenas num mês, segundo a Jewish
Telegraph Agency.
Não
basta combater Trump, é preciso entendê-lo e ao novo mundo que ele de algum
modo representa, escreve João
Miguel Tavares, cujas crónicas leio regularmente com apreço. Acho que
é verdade, só assim se pode entender como e porquê foi eleito, assim como as
razões do reforço drástico dos extremos, da direita à esquerda em particular na
Europa. Mas se é verdade que não devemos cair em falsas analogias, também não
devemos ignorar os sinais da história. Estes têm, pelo menos, um, condão. O de
levar mais a sério as ameaças.»
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