É
como na questão dos beijos, João de Deus sabia. O mal está em começar, sempre
com delicadeza, é certo, no caso de João de Deus, e muitas sequências vocálicas e jogos aliterantes, a condizer com o anseio. No caso do governo PS, que
cospe mais do que beija, os jogos são outros, embora não faltem as sibilantes dos
cinismos melífluos, a delicadeza dando lugar à conveniência, temos visto, a
insistência tornando-se mais premente, a aleivosia, pressentida por todos, os da
esquerda e os da direita, conduzindo a chantagens, negociações, finuras, mistificações, borboleteamentos - mais com
a esquerda, que se contenta com as migalhas para a sua representatividade
estrebuchada mas apetecida, de modo que o descambar para uma esquerda desejosa de figurar no
palco da nossa pequenez não tarda que se acentue, apesar das acusações
europeias de lixo na questão das contas. Mas o ministro das economias acha que
não, seguidor de Pangloss no cultivo dos biscates na nossa horta, e o retrato
que do PS faz António Barreto, mostra bem a capacidade de adaptação e metamorfose
do partido-charneira só para manter a sua representatividade extorquida à força,
em tempos.
Um governo alterno
António Barreto
DN, 22/1/2017
Até
há pouco, a extrema-esquerda não entrava na equação do governo. Verdade. Mas
recorde-se que esta exclusão tinha sido ditada pelo PS. Agora, depois de acusar
os "outros" da sua autoria, o PS decidiu incluí-la na área do governo.
É
a mais persistente tentação do PS: governar sozinho, mas alternar políticas,
conforme as necessidades e os interesses, fazendo aprovar umas leis com os
comunistas e outras com a direita. É um sonho adolescente, mas um sonho
perene. Desde sempre o PS convenceu-se de que era o centro de gravidade
da democracia portuguesa, o partido do regime ou o partido charneira,
designações que fizeram história. Foi por causa desse sonho que os
socialistas inventaram a moção de censura construtiva, uma bizantinice jurídica
que obriga a que só possa derrubar o governo quem tenha uma maioria pronta.
Foi por causa desse sonho que os socialistas perderam vários governos e
momentos históricos. Estamos a chegar lentamente a uma fase parecida.
Enquanto o PS puder contar com a extrema-esquerda, vai governando. O pior é que
a extrema-esquerda também já percebeu. E, depois de ser muleta, não está
pronta a suicidar-se. Foi por causa deste estilo de governo, com a mão
esquerda de manhã e a direita à tarde, que os governos socialistas de Soares,
de Guterres e de Sócrates caíram em seu tempo.
O
PS tem de facto várias identidades. Com dificuldade em assumir a
sua própria síntese (poderia ser a social-democracia de países mais
desenvolvidos), sensível à mitologia revolucionária e à ilusão estatal, muda
de roupa com facilidade. A liberdade, o pluralismo, o mercado e a
iniciativa privada levam-no a fazer políticas consideradas de direita. A
igualdade, o Estado social, o dirigismo e a empresa pública conduzem-no para a
esquerda. Quando não há síntese superior, fica este verso e reverso de
oportunidade. Até há pouco, a extrema-esquerda não entrava na equação do
governo. Verdade. Mas recorde-se que esta exclusão tinha sido ditada pelo PS.
Agora, depois de acusar os "outros" da sua autoria, o PS decidiu
incluí-la na área do governo. Nada pareceu muito complicado, para um partido
que já se disse "partido marxista" e condenou a social-democracia,
que chegou a designar como "antecâmara do nazismo"!
O
episódio recente da taxa única e do salário mínimo, de ínfimos valores e
reduzida despesa, tem a importância de revelar a fraqueza dos arranjos
políticos e a fragilidade das soluções encontradas. Não se trata,
evidentemente, de uma questão de tempo. É indiferente que este governo dure
mais seis, doze ou trinta meses. O que realmente importa é a força política
e social para governar, reformar, ajudar o país a investir e preservar um
Estado social decente. O que parece faltar.
Todo
este assunto desempenhou o papel de revelador do "jogo" ou da
"jogatana", de que todos se acusaram reciprocamente. Verdade é que
uns e outros fizeram tudo para sair bem e enfraquecer o adversário. Mas é
possível medir o que podemos esperar, o que serão os próximos episódios, como
vai funcionar o governo e os governos paralelos, o Parlamento e os parlamentos
informais, a administração e as instituições alternas.
É
estranho que o governo, ao subsidiar o salário mínimo, reconheça que está a
obrigar os empresários a pagar mais do que podem. É ainda mais estranho que os
contribuintes recompensem a ineficiência das empresas que recorrem ao salário
mínimo! De qualquer maneira, o baixíssimo salário mínimo, o reduzido aumento e
o insignificante subsídio mostram bem o mísero estado em que se encontra a
economia portuguesa!
O
governo sabe e pensa que, relativamente às possibilidades e à produtividade, o
salário mínimo foi aumentado de mais. Sabe e pensa, mas foi obrigado a aceitar
imposições. O governo pensa e sabe que é errado subsidiar as empresas que pagam
o salário mínimo. Pensa e sabe, mas foi obrigado a aceitar exigências. Corrige
um erro com outro erro.
Numa
sociedade democrática, a alternativa é indispensável. A alternância também. Mas
um governo alterno de si próprio não é recomendável.
Beijo
Beijo na
face
Pede-se e dá-se:
Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
Vá!
Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
Vá!
Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
Dá?
Teme que a tente?
É inocente...
Vá!
Guardo segredo,
Não tenha medo...
Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
Dê!
Pede-se e dá-se:
Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
Vá!
Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
Vá!
Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
Dá?
Teme que a tente?
É inocente...
Vá!
Guardo segredo,
Não tenha medo...
Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
Dê!
……………………..
Como ele é doce!
Como ele trouxe,
Flor,
Paz a meu seio!
Saciar-me veio,
Amor!
Saciar-me? louco...
Um é tão pouco,
Flor!
Deixa, concede
Que eu mate a sede,
Amor!
Talvez te leve
O vento em breve,
Flor!
A vida foge,
A vida é hoje,
Amor!
Guardo segredo,
Não tenhas medo
Pois!
Um mais na face,
E a mais não passe!
Dois...
…………………..
Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas...
Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
Três!
Três é a conta
Certinho, e justa...
Vês?
E que te custa?
Não sejas tonta!
Três!
Três, sim: não cuides
Que te desgraças:
Vês?
Três são as Graças,
Três as Virtudes;
Três.
As folhas santas
Que o lírio fecham,
Vês?
E não o deixam
Manchar, são... quantas?
Três!
João de Deus, in 'Campo de Flores'
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