Habituados à falcatrua, como
expressão de uma natureza timorata mas simultaneamente ávida, de emulação ou
inveja, a esperteza nos fez seguir os trilhos ínvios do sucesso que ansiamos, porque
há sempre maneiras de o atingir, por capacidade própria ou por amparo alheio. Tive
um merceeiro que a si mesmo se chamava ladrãozinho, mas sorria simpaticamente e
prosperou no sorriso e no seu comércio, que mais tarde passou a outro, menos
sorridente, mas igualmente eficiente na manipulação das contas. Mercearia de
bairro, para uma emergência e para as pessoas de idade, teria que lutar contra
a dimensão dos espaços da modernidade comercial e eram-lhe desculpados os truques.
Mas a teia da ambição vai-se avolumando em quem pode, em filamentos quase
sempre invisíveis e de repente é o escândalo. Temos vivido com muito escândalo
e sentimos vergonha disso. Mas faz parte da nossa maneira de estar, de pessoas
que dão mais valor ao parecer do que ao ser, e a prova disso está nas tais eleições
sabotadas pelos truques defendidos por pessoas que até se afirmam nobres de
pensamento mas demonstram o contrário, quando ajudam ao estabelecimento de um
governo de falcatrua com o país não dividido em partidos mas bipolarizado em
esquerda e direita, para efeitos oportunistas de governação. Há quem se não conforme
e o advirta, e, inteligente que é - e naturalmente mais honesto - ataca e
avisa. Chama-lhe “Portugal amarrotado”. Mas julgo que, mais do que isso, é um “Portugal
amarrado”. Definitivamente amarrado pelo sorriso impante de quem se não importa
com os “peanuts” das imposições dessa esquerda mais à esquerda, de ideais
avançados, agora pela despenalização da eutanásia, logo pela despenalização dos
crimes de terrorismo em nome dos ideais democráticos.
Leiamos Alberto Gonçalves, até
podermos:
Portugal amarrotado
OBSERVADOR,
4/3/2017
Quando
há ano e meio recebeu a humilhante derrota eleitoral com o belo sorriso que não
voltou a perder, o plano do dr. Costa não se limitava à tomada de um mero cargo:
o objectivo era capturar o país.
Já
se decidiu se os famosos 10 mil milhões “fugiram”, “voaram” ou saíram “pela
porta do cavalo”? Entretanto, devia informar-se os governantes, deputados,
comentadores e acólitos sortidos da frente de esquerda de que,
independentemente da respectiva origem e destino, aquele dinheiro não é deles.
É que falam como se fosse.
Em
qualquer dos casos, o portentoso escândalo dos offshores, fundamentado num
roubo imaginário, conseguiu abafar as “tricas” da CGD, colectânea de roubos
reais cujo espólio voou para os bolsos de criaturas e instituições devidamente
credenciadas pela casta dirigente. No primeiro caso, a casta
passeia indignação, instiga muito barulho e, na condição de não se levantar
surpresas, reclama um simulacro de investigação. No segundo, a ordem é de
censura. No máximo, a ralé pode contemplar reverente a fortuna que lhe
subtraem em prol do banco público e da harmonia universal. A casta não se
limita a falar como se o dinheiro alheio lhe pertencesse: aparentemente,
convenceu-se mesmo disso.
E
não é só de bens materiais que a casta se julga proprietária. Na
quinta-feira, a dra. Teodora Cardoso comparou o défice de 2,1% a um “milagre”,
alcançado graças a “medidas que não são sustentáveis”. Embora a presidente do
Conselho de Finanças Públicas tenha sido objectiva e, talvez, simpática, depressa
o PCP soltou um jagunço para avisar a senhora que o milagre é ela ainda ter
salário e emprego. À luz da tradição siberiana da seita, a ameaça
aceita-se. Já as reacções do PM e do PR, formalmente mais brandas e igualmente
raivosas, não se aceitam sob pretexto nenhum. Anda por aí um cheirinho
peculiar, e não é a democracia.
Apenas
na última semana, o dr. César dos Açores, que possui a inteligência de uma
anémona e a subtileza de duas, confessou que se encontra a “reflectir” sobre a permanência
do governador do Banco de Portugal. O “Público”, após alertar aflito
para a “fuga” de capitais e de seguida lamentar os que aludem à “fuga” de
capitais, aceitou nova missão: enlamear o pérfido juiz Carlos Alexandre,
acusado de pedir 10 mil euros emprestados. Nas televisões, com destacado
louvor para a TVI e a RTP, “analistas” esgadanham-se para apurar quem melhor
aplaude os poderes vigentes. Nas rádios, ouvir os noticiários da Antena 1 e da
TSF embaraçaria os conselheiros do almirante Thomaz. Nas “redes
sociais”, os guardiões da moral perseguem blasfemos com afinco. E
tudo, do atarantado dr. Núncio aos problemas na suinicultura e às derrotas do
Tondela, serve de argumento para tentar enxotar Pedro Passos Coelho. Ao exigir,
sem pingo de vergonha, a urgência de a “direita” se habituar a “novas regras”,
o dr. Ferro não brinca.
De
que regras se trata? Quando, há ano e meio, recebeu a humilhante derrota
eleitoral com o belo sorriso que não voltou a perder, o plano do dr. Costa não
se limitava à tomada de um mero cargo: o objectivo era o de capturar o país.
Uma maioria, um governo e, hoje que se percebe o engodo chamado Sampaio da
Nóvoa, um “presidente”. A que acresce a tal máquina de propaganda, capaz de
transformar em rosas as misérias, as mentiras e a prepotência que a cada dia
nos impõem. Apesar da divertida boçalidade dos protagonistas, convém não nos
iludirmos: há aqui uma espécie de “projecto”, e um “projecto” onde a liberdade,
seja ela qual for, é parte descartável. E indesejável.
Sei
que arrisco a repetição, mas se a casa continua a arder é difícil sentarmo-nos
na sala sem mencionar o incêndio: em Outubro de 2015, os portugueses
caíram nas mãos de gente perigosa. A julgar pelas sondagens, e por
defeito de visão ou de carácter, não consta que preferissem mãos diferentes.
Por isso, e porque se gastou o nome para não se reconhecer a coisa, não vou
ceder ao impulso dramático e dizer que chegámos ao – esperem um instante –
fascismo. O caminho até lá, porém, é parecidíssimo com este.
Notas de rodapé:
1. Numa era em que o Estado é tão
eficaz a vigiar a vida dos cidadãos, é consolador descobrir brechas nesse
sufoco. Consola um bocadinho menos perceber que as brechas não beneficiam
aqueles que cumprem a lei, mas justamente os que a violaram. Mas ainda
assim é revigorante aprender que, segundo o próprio director dos serviços
prisionais, não existe um “protocolo” de actuação para fugas de presidiários.
O que fazem então as autoridades quando alguém se evade da cadeia? Ligam
para o 112 e, aparentemente, esperam. Com sorte, os fugitivos regressam, ou
porque se esqueceram de qualquer coisa na cela, ou porque têm saudades. Com
azar, os fugitivos não voltam a ser vistos. É pena que tamanha
descontracção não se aplique a outros ramos do Estado: com ou sem
“offshores”, com ou sem falhas informáticas, o fisco, por exemplo, está repleto
de “protocolos” destinados a garantir que o nosso dinheiro não lhe escapa. Se
escapar, em penúltima instância vamos parar à prisão. Em última, escapamos nós.
2. Leio que Barack Obama assinou um
contrato milionário para escrever as memórias dos seus mandatos presidenciais.
Aguardo para ler as críticas dos indígenas a essa infâmia: um antigo chefe de
Estado não pode revelar conversas e momentos privados; trata-se de um reles
ajuste de contas; aquilo é de um ressentimento intolerável; etc. Isto, claro,
se a obra mencionar o “eng.” Sócrates. Se não mencionar, as críticas serão
nulas, mas o desplante maior: quem julga o sr. Obama que é para ignorar a
criança que sonhava com ventoinhas, o governante que vendia moinhos, o
socialista que, desconfiado do mercado, compra os próprios livros e o
empreendedor que, sensível ao investimento, paga a outros para escrevê-los?
Nenhum comentário:
Postar um comentário