A foto mostra uma figura bem jovem, a de Isabel
Pires. E todavia, parece consciente do problema que com tanto ardor refere
- o acordo económico da União europeia com o CETA - fugindo às regras do
bom-senso e das leis de protecção alimentar ou outras e impondo unilateralmente
rígidos preceitos - aparentemente de êxito imediato - que Isabel Pires contesta.
Isabel Pires diz-se
Licenciada em Ciências Políticas e deputada do Bloco de Esquerda, deve
estar ciente do que escreve, não será a demagogia anticapitalista própria de
uma juventude de ideologia mais altruísta que a impelem a agudizar a questão.
Não sei se houve ou haverá debate para esclarecimento
maior sobre o tema, nos canais televisivos, ou se continuamos capuchinhos
vermelhos ingénuos acordando tardiamente para perigo assustador, sem caçador
que nos salve do lobo feroz. Como é nosso hábito, hélas!
Público, sexta-feira,10 de Março de 2017
CETA PODE DERROTAR A DEMOCRACIA NA EUROPA
Isabel Pires
Algumas
pessoas podem já ter ouvido falar num acordo comercial e de investimento
entre a União Europeia (U E) e o Canadá. Devem ter ficado com a impressão
de que é dos mais transparentes até hoje negociados, que trará melhorias
económicas e criação de emprego a níveis extraordinários. Dá-se pelo nome
de CETA (Acordo Económico e Comercial Global) e é melhor que lhe
prestemos bastante atenção.
Apesar
de revestido com uma capa charmosa, o seu conteúdo é corrosivo para a democracia.
Foi negociado durante oito anos à porta fechada, sem possibilidade de
escrutínio por parte dos cidadãos e dos seus representantes eleitos, mas em
estreita articulação com as multinacionais .Sugiro que façamos um exame
a este tratado e comecemos pelo que os seus entusiastas dizem ser a sua
grande mais-valia: o crescimento da economia e do emprego. Um estudo
encomendado pela própria Comissão Europeia, revela que o crescimento
operado, em sete anos, será de (apenas) 0,08% do PIB da U.E. Em relação ao
emprego, vários estudos apontam para uma perda potencial de 200 mil postos
de trabalho em toda a União. Mas , se o crescimento económico é residual
e as ameaças ao emprego são superiores às garantias, o que encanta os seus
defensores?
A
Europa é a região do mundo onde os padrões ambientais e de segurança alimentar
são mais elevados. Um aborrecimento para as multinacionais, ou um pesado
custo de contexto, dirão eufemisticamente outros. É a partir daqui que se
torna mais claro para quem o acordo é um apetecível pote de mel. O CETA
propõe-se eliminar todas as taxas aduaneiras relevantes, harmonizar por baixo
padrões alimentares e de segurança alimentar e encarar a porta para que se
possam incumprir regras e metas de combate às alterações climáticas ainda recentemente
traçadas. Ou, para demonstrar um caso bem concreto, estende o tapete vermelho
às prateleiras dos nossos supermercados à carne canadiana produzida com
hormonas e OGM, hoje absolutamente proibidas na U.E.
Se
a vontade de terraplanar anos de evolução legislativa para proteger
consumidores e o meio ambiente é merecedora de apreensão, a transferência
de soberania popular e democrática de instituições eleitas para os conselhos de
administração dos grandes grupos económicos é ainda mais assustador. Não exagero
ao dizer que o CETA vai golpear por via legislativa o Estado de direito
democrático como o concebemos na Europa desde o pós-Segunda Guerra Mundial.
O
tratado cria um conjunto de disposições que limitam radicalmente o
poder legislativo dos países, em todas as matérias que possam ser consideradas
fora do “espírito de acordo”. Leia-se, tudo o que possa beliscar os
interesses das multinacionais, onde se incluem o que nos habituamos a conhecer
como direitos sociais e laborais, proteção ambiental ou saúde pública.
O
CETA institui um tribunal arbitral privado que se coloca acima do ordenamento
jurídico europeu e torna as multinacionais praticamente plenipotenciárias.
Se
uma dada lei for considerada prejudicial ao investimento ou aos lucros
“expectáveis” das grandes empresas, o Estado será processado, não podendo
sequer recorrer ao Tribunal Europeu de Justiça -único órgão judicial
reconhecido pela legislação Europeia. A criação de tribunais
arbitrais para resolução de litígios não é uma metodologia nova, mas com o
acordo ganha contornos nunca antes vistos na Europa. Vejamos mais um exemplo: com
o CETA, os países pensarão duas vezes antes de legislarem sobre políticas
públicas antitabágicas, por exemplo, pois correrão o risco de serem duramente
multados por interferirem nos lucros das tabaqueiras.
Apesar
de já ter sido aprovado no Conselho e Parlamento europeus, ainda vamos a tempo
de travar este desastroso acordo. Agora é a vez de os parlamentos de cada
Estado-membro se pronunciarem. A nível nacional não se podem repetir os mesmos
erros. Têm de prevalecer os direitos dos cidadãos sobre a ganância das
multinacionais. Resgatar a democracia está nas nossas mãos.
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