Compreendo o sentimento que acode a Vasco Pulido
Valente na exposição de mazelas como as que descreve - a subordinação dos
partidários ao respectivo partido, a indignação hipócrita a um dito que nos
desmascara, a baixeza de justificação de uma atitude de um PR com telhados de
vidro. Tudo isso provoca tristeza e asco em VPV, mas não me parece que a
justificação do seu ressentimento relativamente ao PSD seja muito equilibrado,
pois o que parece menos ponderado é a deserção dos partidários de um partido
relativamente ao chefe que o partido escolheu. Não julgo que o exemplo de
Pacheco Pereira seja tão transparente assim, e nos outros, que cita, talvez
haja antes uma recusa ao “chefe”, feita de espírito de reivindicação por auto
apreço vaidoso e emulativo, que não conduz a lado algum construtivo.
Mas as opiniões são sempre discutíveis e as acusações
por vezes subjectivas. O certo é que o sentimento de tristeza não é exclusivo
de Vasco Pulido Valente. Exclusiva é a sua expressão dela, como é exclusivo
também o génio artístico de António Variações que cantou tantas
tristezas suas e nossas, mas que as converteu num desforço em que ganhou o seu
epicurismo. E a magia da sua arte.
O corpo é que paga
Quando
a cabeça…. Quando a cabeça não tem juízo Quando te esforças mais do que é
preciso O corpo é que paga O corpo é que paga Deixa'ó pagar deixa'ó pagar Se tu
estás a gostar Quando a cabeça não se liberta Das frustrações inibições toda
essa força Que te aperta o corpo é que sofre As privações mutilações (lap tap
tere ...) Quando a cabeça está convencida De que ela é a oitava maravilha O
corpo é que sofre O corpo é que sofre Deix'ó sofrer deix'ó sofrer Se isso te dá
prazer Quando a cabeça está nessa confusão Já sem saber que hás-de fazer, e já
és tudo o que te vem à mão O corpo é que fica Fica a cair sem resistir (lap tap
tere ...) Quando a cabeça rola pro abismo Tu não controlas esse nervosismo A
unha é que paga A unha é que paga Não paras de roer Nem que esteja a doer
Quando a cabeça não tem juízo E tu não sabes mais do que é preciso O corpo é
que paga O corpo é que paga Deix'ó pagar deix'ó pagar Se tu estás a gostar
Deix'ó sofrer deix'ó sofrer Se isso te dá prazer Deix'ó cantar deix'ó cantar Se
tu estás a gostar Deix'ó beijar deix'ó beijar Se tu estás a gostar Deix'ó
gritar deixa'ó gritar Se tu estás a libertar
Vasco Pulido Valente
Diário
de Vasco Pulido Valente
Tristezas
OBSERVADOR, 26/3/2017
… hopes expire of a
low dishonest decade… (W. H.
Auden)
O PSD – A comissão distrital do PSD
aprovou a candidatura da dra. Teresa Leal Coelho à Câmara de Lisboa por vinte e
tal votos contra um. Não me admira nada, só me admira que esse único
discrepante não fosse imediatamente fuzilado. Os chefes mandam hoje nos partidos
como quem manda em regimentos e deviam abandonar os títulos com que se
ornamentam pelo título genérico de “coronel”, como antigamente no Brasil. Era
mais sincero e exacto. A obediência é, do PC ao CDS, a grande virtude do
militante e, como dizia Lee Atwater, o lendário conselheiro de Reagan, o
segredo do sucesso está em “não se fazer notado, fazer-se de parvo e ir sempre
andando”.
Mas
não há críticos do PSD? Há: os defuntos partidários (Pacheco Pereira)
e os generais reformados (Marques Mendes, Santana Lopes e Manuela
Ferreira Leite, todos ex-presidentes daquela desaustinada agremiação). Isto
dá vontade de morrer, como Bulhão Pato inventou que Herculano tinha dito
perante um espectáculo parecido? Às vezes, dá, desculpem.
Copos e mulheres – José Manuel Fernandes
foi o único a perceber que o comentário do sr. Dijsselbloem era um comentário
de calvinista. Infelizmente, acabou aí. Mas vale a pena continuar. Garton Ash
já pediu em público aos seus amigos Merkel e Schäuble que não tratassem a crise
do Euro como “um ramo da teologia” e, para uso dos zoilos, também já explicou
que esta perversão vem das profundezas da cultura alemã. Em alemão a palavra
para orçamento (do Estado, por exemplo), Haushalt, significa simultaneamente
“casa de família” ou, se quiserem, “lar”, um termo em desuso mas talvez mais
exacto; e que a palavra Schuld quer dizer ao mesmo tempo “dívida” e “culpa”. Garton
Ash acrescenta que na imprensa e na televisão se chama habitualmente aos países
do Sul “pecadores fiscais”.
Lá
do outro lado, Max Weber deve estar a rir-se das críticas que lhe fizeram. Afinal
parece que há mesmo uma divisão profunda, de que ninguém se atreve a falar,
entre a Europa protestante, onde o capitalismo encontra um leito macio, e a
Europa católica (Portugal, Espanha, França e a maior parte de Itália – a Grécia
ortodoxa por definição não conta), onde a Igreja por séculos e séculos habituou
as gentes à irresponsabilidade pessoal e à dependência do padre, do bispo ou do
cardeal, e onde o capitalismo encontrou um ambiente áspero e um Estado
absorvente. Richard Tombs, um historiador de Cambridge especialista em
história francesa, escreveu a semana passada que não existia no mundo um país
tão anticapitalista como a França. Esqueceu-se de Portugal.
Quanto
aos “copos e mulheres” do sr. Dijsselbloem, que aqui foram recebidos com
hipócrita indignação, não passam de uma transparente metáfora para a
classe média em larga medida inútil e parasitária que a democracia criou e para
os serviços sociais que ela não pode de toda a evidência sustentar. Nestes
apertos nós somos verdadeiramente católicos, esquecemos os nossos desvarios
como quem se confessa e, apagando o passado ou até mesmo o presente,
consideramo-nos honestos e limpíssimos.
Jorge Sampaio – Conheço este
antigo Presidente por dentro e por fora desde os vinte anos. Mas nunca o
julguei capaz de descer tão baixo. O segundo volume das memórias desta medíocre
criatura, que tem todos os privilégios da praxe (uma grande pensão,
gabinete de quatro ou cinco pessoas, escritório, automóvel e motorista),
foi para meu espanto e até escândalo financiado pelas seguintes entidades: BPI,
Fundação Oriente, Fundação Luso-Americana, Grupo Visabeira (ou seja, um grupo
económico privado), Instituto Português de Relações Internacionais da
Universidade Nova, PT e Mota-Engil. Esta indignidade de um homem em quem
milhões votaram é um insulto para o país. E ainda há quem fique perplexo com a
corrupção do PS. Previno já que vou ler e escrever sobre as ditas memórias com
a maior repugnância.
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