segunda-feira, 3 de abril de 2017

Deix’ó pagar



Compreendo o sentimento que acode a Vasco Pulido Valente na exposição de mazelas como as que descreve - a subordinação dos partidários ao respectivo partido, a indignação hipócrita a um dito que nos desmascara, a baixeza de justificação de uma atitude de um PR com telhados de vidro. Tudo isso provoca tristeza e asco em VPV, mas não me parece que a justificação do seu ressentimento relativamente ao PSD seja muito equilibrado, pois o que parece menos ponderado é a deserção dos partidários de um partido relativamente ao chefe que o partido escolheu. Não julgo que o exemplo de Pacheco Pereira seja tão transparente assim, e nos outros, que cita, talvez haja antes uma recusa ao “chefe”, feita de espírito de reivindicação por auto apreço vaidoso e emulativo, que não conduz a lado algum construtivo.
Mas as opiniões são sempre discutíveis e as acusações por vezes subjectivas. O certo é que o sentimento de tristeza não é exclusivo de Vasco Pulido Valente. Exclusiva é a sua expressão dela, como é exclusivo também o génio artístico de António Variações que cantou tantas tristezas suas e nossas, mas que as converteu num desforço em que ganhou o seu epicurismo. E a magia da sua arte.

O corpo é que paga
Quando a cabeça…. Quando a cabeça não tem juízo Quando te esforças mais do que é preciso O corpo é que paga O corpo é que paga Deixa'ó pagar deixa'ó pagar Se tu estás a gostar Quando a cabeça não se liberta Das frustrações inibições toda essa força Que te aperta o corpo é que sofre As privações mutilações (lap tap tere ...) Quando a cabeça está convencida De que ela é a oitava maravilha O corpo é que sofre O corpo é que sofre Deix'ó sofrer deix'ó sofrer Se isso te dá prazer Quando a cabeça está nessa confusão Já sem saber que hás-de fazer, e já és tudo o que te vem à mão O corpo é que fica Fica a cair sem resistir (lap tap tere ...) Quando a cabeça rola pro abismo Tu não controlas esse nervosismo A unha é que paga A unha é que paga Não paras de roer Nem que esteja a doer Quando a cabeça não tem juízo E tu não sabes mais do que é preciso O corpo é que paga O corpo é que paga Deix'ó pagar deix'ó pagar Se tu estás a gostar Deix'ó sofrer deix'ó sofrer Se isso te dá prazer Deix'ó cantar deix'ó cantar Se tu estás a gostar Deix'ó beijar deix'ó beijar Se tu estás a gostar Deix'ó gritar deixa'ó gritar Se tu estás a libertar

Vasco Pulido Valente
Diário de Vasco Pulido Valente
Tristezas
OBSERVADOR, 26/3/2017
… hopes expire of a low dishonest decade… (W. H. Auden)

O PSD A comissão distrital do PSD aprovou a candidatura da dra. Teresa Leal Coelho à Câmara de Lisboa por vinte e tal votos contra um. Não me admira nada, só me admira que esse único discrepante não fosse imediatamente fuzilado. Os chefes mandam hoje nos partidos como quem manda em regimentos e deviam abandonar os títulos com que se ornamentam pelo título genérico de “coronel”, como antigamente no Brasil. Era mais sincero e exacto. A obediência é, do PC ao CDS, a grande virtude do militante e, como dizia Lee Atwater, o lendário conselheiro de Reagan, o segredo do sucesso está em “não se fazer notado, fazer-se de parvo e ir sempre andando”.
Mas não há críticos do PSD? Há: os defuntos partidários (Pacheco Pereira) e os generais reformados (Marques Mendes, Santana Lopes e Manuela Ferreira Leite, todos ex-presidentes daquela desaustinada agremiação). Isto dá vontade de morrer, como Bulhão Pato inventou que Herculano tinha dito perante um espectáculo parecido? Às vezes, dá, desculpem.
Copos e mulheres José Manuel Fernandes foi o único a perceber que o comentário do sr. Dijsselbloem era um comentário de calvinista. Infelizmente, acabou aí. Mas vale a pena continuar. Garton Ash já pediu em público aos seus amigos Merkel e Schäuble que não tratassem a crise do Euro como “um ramo da teologia” e, para uso dos zoilos, também já explicou que esta perversão vem das profundezas da cultura alemã. Em alemão a palavra para orçamento (do Estado, por exemplo), Haushalt, significa simultaneamente “casa de família” ou, se quiserem, “lar”, um termo em desuso mas talvez mais exacto; e que a palavra Schuld quer dizer ao mesmo tempo “dívida” e “culpa”. Garton Ash acrescenta que na imprensa e na televisão se chama habitualmente aos países do Sul “pecadores fiscais”.
Lá do outro lado, Max Weber deve estar a rir-se das críticas que lhe fizeram. Afinal parece que há mesmo uma divisão profunda, de que ninguém se atreve a falar, entre a Europa protestante, onde o capitalismo encontra um leito macio, e a Europa católica (Portugal, Espanha, França e a maior parte de Itália – a Grécia ortodoxa por definição não conta), onde a Igreja por séculos e séculos habituou as gentes à irresponsabilidade pessoal e à dependência do padre, do bispo ou do cardeal, e onde o capitalismo encontrou um ambiente áspero e um Estado absorvente. Richard Tombs, um historiador de Cambridge especialista em história francesa, escreveu a semana passada que não existia no mundo um país tão anticapitalista como a França. Esqueceu-se de Portugal.
Quanto aos “copos e mulheres” do sr. Dijsselbloem, que aqui foram recebidos com hipócrita indignação, não passam de uma transparente metáfora para a classe média em larga medida inútil e parasitária que a democracia criou e para os serviços sociais que ela não pode de toda a evidência sustentar. Nestes apertos nós somos verdadeiramente católicos, esquecemos os nossos desvarios como quem se confessa e, apagando o passado ou até mesmo o presente, consideramo-nos honestos e limpíssimos.
Jorge Sampaio Conheço este antigo Presidente por dentro e por fora desde os vinte anos. Mas nunca o julguei capaz de descer tão baixo. O segundo volume das memórias desta medíocre criatura, que tem todos os privilégios da praxe (uma grande pensão, gabinete de quatro ou cinco pessoas, escritório, automóvel e motorista), foi para meu espanto e até escândalo financiado pelas seguintes entidades: BPI, Fundação Oriente, Fundação Luso-Americana, Grupo Visabeira (ou seja, um grupo económico privado), Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova, PT e Mota-Engil. Esta indignidade de um homem em quem milhões votaram é um insulto para o país. E ainda há quem fique perplexo com a corrupção do PS. Previno já que vou ler e escrever sobre as ditas memórias com a maior repugnância.

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