Um
artigo do Maria João Avilez, como sempre arrojado e frontal, feminino na
manipulação dos dados descritos, em que o frio e as tempestades do inverno
servem de metáfora para a “invernia” que se avizinha, não só ante a grosseria
do senhor Dijsselbloem, que me parece cozinhado inter
muros e inter pares - pelos que, lá no Norte, irão talvez atropelar os
ditames da fraternidade, estabelecidos em horas que nos foram favoráveis, mas a
que não soubemos corresponder, estupidamente esbanjadores do que nos não
pertencia. Vamos bem sofrer as consequências, para sempre ficaremos os “da
mansarda”, que é isso que os da superioridade nortenha eficiente e gélida está
a cozinhar com essa outra metáfora das diferentes velocidades em vias de concretização
marginalizante. O dito do senhor Dijsselbloem não representa senão o pensamento
genérico dos povos superiores que trabalham na observância de princípios de rigor,
que estamos longe de atingir. Com a mudança da hora de março, Maria João
Avillez esperava, pois, pela felicidade de mais uma hora de sol, mas saiu dia
de inverno e com isso a perspectiva da tragédia para os povos do sol, ou seja,
os do sul. Mudança de hora, mudança de rumo na U E?
Tempestade
30/3/2017
Quero
absolutamente continuar na “Europa” mas... “ritmos e intensidades diferentes”?
Que péssima “nova direcção”! Portugal nem no “banco” se voltaria a sentar.
1. O país politicamente correcto
conseguiu um feito notável: a tempestade dos indignados com o infelicíssimo – e
nada inocente – dito de Dijsselbloem conseguiu – é obra! – ser maior, ter mais
aparato, fazer mais ruído e produzir maior efeito que o dito e o seu autor
juntos.
Que
a extrema esquerda e a esquerda fizessem o seu previsível papel e saíssem a
terreiro, os comentadores do costume dissessem o que deles se esperava, muitos
soltassem lágrimas de crocodilo e outros mostrassem “serviço” nos diversos
palcos que prestimosamente os acolhem, é natural. Nem toda a gente tem a
independência de espírito pessoal e política de Jaime Gama que se limitou a
sussurrar (Gama não fala, cicia) que Dijsselbloem tivera “ uma “boutade
infeliz”.
Agora
que um ministro (e logo dos Estrangeiros, pouca sorte nossa) que há tempos
comparou a sede da concertação social a “uma feira de gado” e acha que a
direita “se se porta mal, leva”, se indigne tão exuberantemente,
compungidamente e (pior) sinceramente, reforça esta nossa triste percepção: podíamos
estar mais bem entregues.
2. Se a tempestade fosse só a que
referi, talvez só eu me entristecesse mas os tempos são de pura tempestade.
Entre nós, há ainda crédulos que a vestem de bom tempo; na Europa é
indisfarçada e indisfarçável. Quem se convenceu com os festejos (?) da passagem
dos sessenta anos sobre o Tratado de Roma e as convicções empalidecidas dos
promotores da efeméride? Quem se comoveu seriamente com as boas intenções – é
verdade que o são mas não chegam e talvez não sirvam – publicitadas como
“prioridades” pelos notáveis do costume, em abaixo-assinados do costume? Estou
absolutamente certa que não teríamos vivido estes sessenta anos como eles foram
e eu agradeço que tenham sido, sem o que alguns homens de visão e vontade
puseram em marcha há seis décadas. Contra ventos e marés quero sem sombra de
dúvida, continuar na “Europa” mas… o último toque a rebate deixa a desejar: “ritmos
e intensidades diferentes”? Santo Deus, que péssima “nova direcção”. Acreditarão
os seus mentores que este novo cimento sustentará os alicerces de um melhor
futuro “comum”? Talvez acreditem na bondade da ideia. Mas enquanto os “grandes”
continuariam com lugar assegurado na mais conveniente “velocidade” entre os
vários “ritmos” e “intensidades” agora sugeridos, Portugal seria chutado para
canto (peço desculpa da linguagem). Talvez mesmo para fora do relvado, quem
sabe até impedido de jamais voltar ao banco.
Para
que o país se mantivesse à tona neste novo cenário era preciso nascer outra
vez: vontade em vez de imobilismo, convicção em vez de instalação, visão
em vez de presunção, coragem em vez de cedência. Era no fundo e em
resumo, preciso ser capaz daquilo que rarissimamente é capaz. Entregue a
quem está, iludido, irrelevante, pobre ( e mal agradecido) se a receita das
“diferentes intensidades” se institucionalizar como parece, terá que se
inventar vocábulo mais forte que tempestade.
Nada
disto contradiz porém ser obviamente este o momento “H” para agir e reagir, as
efemérides alguma coisa terão de ter de bom. Tudo menos o que está e como
está – indecisão, ambiguidade, descoordenação, impasse. É preciso
sair do meio da ponte e avançar. Mas se me perguntarem se estou esperançada
sobre o discernimento em curso, não estou. E se me assusto com a incapacidade
dos lideres em perceberem a importância da re-invenção da política, sim,
assusto.
3. As tempestades têm graus e
alertas como nos anúncios do mau tempo nos distritos . A falência da política
como a conhecemos há décadas nas dantes apelidadas “democracias de tipo
ocidental” justifica o alerta vermelho. O centro político some-se
diante dos nossos olhos como uma onda a morrer na praia: aos solavancos mas
irreversivelmente. Os partidos cujo eleitorado – à esquerda ou à direita
– abrange ou inclui parte do centro, parecem estilhaçar-se enquanto sem eira
nem beira, nem votos, nem destino, agonizam à porta do novo mundo de quem
ninguém tem a chave. Macron talvez ganhe as eleições francesas porque
convenceu os franceses de que “não faz parte do sistema” (embora faça).
Não
sei caracterizar a deserção de que os partidos tradicionais são alvo e vitimas-
e não basta insistir nos erros cometidos – nem contabilizar os estragos que
ainda estão para vir mas o pior é que eles também não sabem. Basta só pensar na
sombria tensão com que se aguardam as eleições em França e na Alemanha; a
aflição que causam seres como Erdogan ou Putin, a desconfiada expectativa com
que se olha para Trump esperando melhores dias que não virão. Em suma, há um
desconhecido inconforto que passou a ser a nossa nova condição de vida.
4. Detesto o inverno. Morada
de tempestades. E de dias magros, que de repente se esvaem, cortados por lâminas
de tristeza fininha, uma inarredável melancolia a tingi-los. Uns atrás dos
outros, baços e iguais.
Mal
soa, nos Outubros, aquela maldita mudança da hora que nos mergulha nas trevas e
aí estou eu a caminho da mais despida, mais desapiedada das estações até ficar
totalmente prisioneira dela. Vivo rodeada de gente que lhe acha encantos,
evocando serões aconchegados ou as doces horas de ócio de que o inverno é
amigo; o gosto pelo frio, as lareiras acesas e as conversas que elas espevitam,
livrarias, museus, casacos, lãs. Roupa em demasia. Trocarei sempre qualquer
dessas coisas, todas elas, pela mudança da hora, nos Marços. E pelo que se
segue: os dias a abrirem como flores, o princípio das manhãs na primavera, o
cheiro da noite em Julho, uma esplanada sobre a água, sandálias, um banho de
mar, o cheiro a iodo que se liberta das ondas do Atlântico. E se houver por
perto uma duna com cheiro a esteva, sei que estou às portas do paraíso.
Tudo
isto para dizer que no último domingo bem quis festejar a tão auspiciosa data
da mudança da hora. Abrir um bom vinho, sair para a rua, correr, rir, ir ao
mar. Aperceber-me do nervo e do fulgor do recomeço, levo o ano à espera do dia
em que adiantar o relógio me faz ter mais dia. Estar mais perto da luz do que
da sombra, que o mesmo é dizer mais perto da vida do que da morte.
Mas
no domingo, uma brutal tempestade interditou o festejo. Nuvens plúmbeas, frio
até ao osso, ventos zangados, o céu a desabar em água, estrelas em fuga. Uma
inclemência parecida com a ira que Deus às vezes sente. A tempestade
capturou-me o brilho da festa que o dia da mudança da hora de verão pedia,
permitia e merecia.
E
só há um por ano.
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