Pacheco Pereira justifica a sua adesão agnóstica ao Papa, pela
doutrinação do Papa Francisco, muito do seu acordo antigo, levando carinho e
palavras condenatórias das reprováveis injustiças sociais, tal como por cá
fizeram alguns padres e um bispo também do seu apreço, em tempos de
colonialismo absolutamente escravizador, tempo de uma paz podre, segundo
convénio generalizado pelos Pachecos Pereiras da altura, que não chegavam, talvez,
à dimensão cultural do de agora, com uma ou outra excepção. Eles - os Pachecos
- não se preocupam, por norma, com a devastação genocida trazida pela
hipotética libertação, que, sabemos, trouxe morte, exploração e mais atraso,
mas o papel libertador dos Pachecos ficou salvaguardado pelos séculos fora, se
é que a Terra ainda se mantiver no espaço, então.
Bagão Félix tenta elucidar sobre a questão de uma dívida que se manterá eterna até
ver, na mesma condição de a Terra permanecer nos seus movimentos rotatórios
conhecidos.
Eu, o que desejaria, era que o Papa Francisco
pedisse à Virgem especificamente por nós, portugueses endividados embora com
muita honra, como diziam os guardiães do castelo de Lanhoso, onde S. Frei Gil,
jovem e ainda não santificado, procurava o rasto da sua amada Solena, já por
várias vezes o referi: “Cá por aqui é honra!”. Honra seja feita, pois, à
dívida, assim na Terra (enquanto rodar), como no Céu.
O que significa a visita do
Papa para um homem sem fé
José
Pacheco Pereira
Público,
6/5/17
A
visita do Papa a Portugal é uma visita importante para todos, católicos,
crentes de outras religiões, agnósticos e ateus, a minha categoria. O Papa é
o líder religioso mais importante do mundo, tendo em conta que os muçulmanos
sunitas não têm uma estrutura hierárquica e os xiitas, que a têm, estão
confinados a uma pequena parte do mundo. Na cristandade ortodoxa vários
patriarcas são personalidades de relevo, assim como vários dirigentes e
proeminentes religiosos do mundo da Reforma, mas, de novo, a sua importância e
diversidade não se podem comparar com a direcção unitária da Igreja Católica
Apostólica Romana, quer do papado, quer da hierarquia de cardeais e de
bispos. Sendo assim, a visita do Papa é um evento de primeiro plano na
vida portuguesa, como já o foram as anteriores visitas papais.
No
caso português, a visita é ainda mais importante pelo facto de a maioria dos
portugueses serem católicos, muitos praticantes, e a Igreja portuguesa ser
muito relevante em todos os planos da sociedade, um dos poucos poderes fácticos
que tem sobrevivido ao crescimento do Estado. Acresce que “Fátima” e tudo o
que este nome invoca é um lugar de crença e fé para muitos portugueses, e essa
fé deve ser respeitada, mesmo que todos os lados mundanos e políticos de Fátima
não mereçam o mesmo respeito, mas, pelo contrário, escrutínio e debate público.
O
papel da Igreja Católica é muito diferenciado em várias partes do mundo e,
visto de fora, nem sempre é unívoco, umas vezes “liberta”, outras não. Um
exemplo típico dessas contradições encontrava-se na Igreja brasileira nos anos
60 e 70 do século XX, progressista no plano político em muitas zonas pobres,
defendendo a reforma agrária, mas ao mesmo tempo opondo-se ao planeamento
familiar, à distribuição de preservativos e condenando a interrupção voluntária
da gravidez. Em muitos aspectos, a Igreja é estruturalmente desigual
para os homens e as mulheres, hostil às novas realidades familiares, às
comunidades LGBT, fechou os olhos aos abusos e crimes de muitos padres e bispos
em matéria de pedofilia e de abusos sexuais a menores, e mantém sob uma nuvem
da culpa muitos homens e mulheres que querem conciliar a sua fé com as suas
opções individuais de vida.
Em
muitos países, o apetite pelo poder aproximou e aproxima a Igreja do poder
político em ditadura, e Portugal foi disso um bom exemplo. Apesar de
alguma honra da Igreja ter sido salva pelos católicos que, começando no bispo
do Porto, lutaram contra a ditadura, a Igreja foi, com as Forças
Armadas, um dos seus principais sustentáculos, assumindo um papel activo de
legitimação e apoio político, fechando os olhos à repressão, à violência do
regime e à guerra colonial. Para quem olha hoje com repulsa para o
fundamentalismo muçulmano e para os seus crimes, não pode esquecer que a Igreja
cometeu crimes idênticos, e a palavra “idênticos” é mesmo rigorosa.
No
entanto, seria injusto ignorar que a Igreja evoluiu, umas vezes por dentro, mas
muitas vezes por fora, obrigada pelo “mundo”. No entanto, essa
capacidade de evolução é algo que deu à Igreja Católica e a muitas igrejas
cristãs (não todas) a possibilidade de serem uma força que hoje melhora a
sociedade como reserva moral, de cultura e de “caridade” no verdadeiro sentido
do termo. Hoje, em sociedades como a portuguesa, a Igreja tem um papel
positivo e não custa a um não crente admitir que a sua ausência significaria um
empobrecimento social muito significativo. Esse papel foi
essencial nos anos de lixo do “ajustamento”, em que as instituições da Igreja,
a Cáritas, por exemplo, perceberam melhor do que ninguém a devastação
desnecessária que estava a ser feita a muitas pessoas e famílias. E, como
poucos, falou bastante mais alto do que a hierarquia, a denunciar aquilo que
muitos governantes entendiam como sendo “efeitos colaterais” menosprezáveis da
criação da Singapura portuguesa.
Partidos
como o PSD foram fundados com enorme influência da doutrina social da Igreja e,
embora tal legado tenha em grande parte desaparecido na sua actual direcção,
mais próxima das novas maçonarias de interesses, ele esteve lá na sua génese.
Quando Sá Carneiro escreveu que o partido que criava considerava o “trabalhador
como sujeito e não como objecto de qualquer actividade” e que o “homem
português terá de libertar-se e ser libertado da condição de objecto em que tem
vivido, para assumir a sua posição própria de sujeito autónomo e responsável
por todo o processo social, cultural e económico”, é da doutrina da Igreja que
vêm estas palavras. O mesmo se passava na fase democrata-cristã do CDS, antes
da deriva “popular”, e mesmo em partidos como o PS e o PCP existe uma
influência dos olhares cristãos e de vidas que assumem o papel de serem
“testemunhais”.
E
depois há o Papa, este papa Francisco. Nada explica melhor o
sucesso adaptativo e o peso da história numa instituição com 2000 anos do que a
sucessão dos dois papas vivos, o alemão Ratzinger, Bento XVI, e o argentino
Bergoglio, Francisco, o intelectual e teólogo e o jesuíta amador de futebol.
Não esqueçam o “jesuíta”. Aparentemente não podiam ser mais diferentes, mas
devemos perguntar-nos como é que o mesmo colégio eleitoral faz estas escolhas
tão diferentes num período de tempo tão curto? É porque sendo diferentes moldam
a Igreja em suas partes distintas e cursos variados: Bento XVI veio do
progressismo do Vaticano II para o combate pela ortodoxia, mas um combate que
usava as armas intelectuais da Igreja — e se há instituição que tem essas armas
é mesmo a Igreja, e não são só os dominicanos, são também os jesuítas... —, e
Francisco conhecia um mundo que não era o de Bento, mas o da América Latina,
com a sua enorme pobreza e injustiça.
A
direita gostava de Bento XVI e detesta Francisco, a esquerda vice-versa.
Mas os dois são uma face mais comum do que pode parecer. Sem a acção teológica
de Ratzinger, Bergoglio não podia fazer as reformas que pretende, nem falar
como fala, mas no final a Igreja dará passos para a frente. Embora eu não me
cuide dos passos da Igreja, que não é a minha casa, preciso da voz da Papa para
ajudar no combate contra a ganância, a injustiça e a miséria, porque é uma voz
cuja autoridade moral pode melhorar o mundo e a vida das pessoas. Para quem não
acredita no paraíso celeste, e deseja viver numa sociedade democrática em que
não é qualquer teleologia que define a política, é a melhoria da vida terrestre
que conta. E hoje a voz do papa Francisco denuncia o que deve ser denunciado e
apoia o que deve ser apoiado. Nalgumas coisas não é assim, mas não são as mais
importantes, e a diferença de importância para fora é bastante significativa.
Por
tudo isto, seja bem-vindo a Portugal, papa Francisco, e fale como tem falado,
que também nos ajuda. Pode usar, aliás, as palavras de um seu companheiro
jesuíta, o Padre António Vieira: “Entre todas as injustiças, nenhumas clamam
tanto ao Céu como as que tiram a liberdade aos que nasceram livres e as que não
pagam o suor aos que trabalham.”
Bem-vindos à discussão da dívida!
Público,
1 de Maio de 2017,
O
relatório da dívida (PS/BE) é um trabalho bem estruturado, tecnicamente
respeitável e prudente na maioria dos seus pressupostos. Depois do
chamado “Manifesto dos 74” e num tempo em que no “mainstream” político nacional
e europeu é quase herético reflectir sobre a dívida, tem o mérito de voltar
a pôr no primeiro plano o mais fundamental problema que Portugal enfrentará nas
próximas décadas, com uma indissociável dimensão geracional, e exigindo, mais
cedo ou mais tarde, um compromisso nacional e europeu.
O
relatório reflecte o necessário ajustamento de ideias à inexorável
realidade e a constrangimentos que não dependem de nós. Entre eles, está
a falácia do “Tratado Orçamental”. O tal que nos obriga (ou obrigaria?) a
dedicar cerca de 7% da riqueza anual ao pagamento dos juros (4%) e à amortização
anual de 1/20 da parte que excede 60% do PIB (3%). Uma impossibilidade no
passado e no … futuro!
Por
outro lado, não poderemos actuar sobre a dívida pública apenas do lado do seu
valor nominal. O fundamental é a relação entre esta e a riqueza criada.
Logo, actuar sobre o denominador (PIB) é um elemento-chave para a redução do
garrote da dívida. Importa romper com o círculo vicioso de um crescimento débil
em grande parte comido pelo serviço da dívida.
Há
medidas propostas que não exigem aceitação europeia. A redução da provisão para
riscos gerais do Banco de Portugal (medida mais relacionada com o défice anual)
é uma delas. Todavia, o BdP não é uma qualquer empresa do Estado e
como tal não deve ser tratada. Nem a sua independência deve ser marginalizada.
O Banco tem responsabilidades fundamentais para a estabilidade do país e manda
o bom-senso que não sejamos menos previdentes. Mas a questão levantada merece
ser ponderada entre o governo e a administração do Banco. Provavelmente, nem
tanto ao mar, nem tanto à terra…
Pondo
de parte, a recompra antecipada da dívida do FMI e a optimização da gestão das
disponibilidades líquidas das Administrações Públicas – medidas indiscutíveis e
que têm sido já em parte concretizadas pelo anterior e actual Governo – refiro-me
agora à redução das maturidades médias da dívida directa do Estado, bem como à
redução da taxa de juro (140 p.b.) e aumento da maturidade em 45 anos da dívida
às instâncias europeias. Se esta implica uma decisão bilateral
(certamente não aceite) e não à escala europeia total, ambas, porém, acarretam
o risco de alguma desconfiança acrescida em relação a Portugal. De facto, o
diabo está nas entrelinhas, gostemos ou não: agências de notação, operadores de
mercado, provável ressurgimento de condicionalidades. É que as variáveis não
são independentes e os efeitos colaterais são tudo menos despiciendos. Há,
aliás, uma aparente contradição entre reduzir a maturidade em novas emissões e
sugerir o seu aumento nos 51,6 MM euros devidos às instituições europeias.
O
estudo não incorpora os efeitos nefastos de qualquer crise futura que altere os
pressupostos nele enunciados. Nem sequer são analisadas possíveis
consequências da redução e supressão do programa de compra de activos por parte
do BCE. A almofada financeira do Estado e o endividamento mais longo (com
custos adicionais, é certo) são uma resposta aos riscos de refinanciamento a
que não somos imunes. É como se no circo um quase infalível trapezista
trabalhasse, contudo, sem rede de segurança…
Por
fim, uma palavra sobre alguns aspectos que não foram considerados: a) medidas
para estimular o aforro interno das famílias e aumentar a sua quota na dívida;
b) nada se diz sobre a importância do desemprego estrutural e dos efeitos
adversos da demografia nas finanças públicas.
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