segunda-feira, 19 de junho de 2017

Aula colorida

De vez em quando Bagão Félix diverte-nos com os seus trocadilhos prosísticos que são simultaneamente uma forma humorística de ensinar, jogando com o sentido das expressões em foco e procurando-lhes as origens etimológicas ou outras. Desta vez foram as cores primárias que lhe mereceram a análise divertida e curiosa, entretecida simultaneamente das singularidades das suas preferências clubísticas, romanceando o discurso coloridamente. Se agarrasse nas cores secundárias, também estas lhe trariam evocações modernas, como o “alerta laranja” para acrescentar à “bandeira azul” das praias. Foi Mário Dionísio que escreveu “Dia Cinzento e outros contos”, Branquinho da Fonseca “Bandeira Preta”, Tolstoi “Noites Brancas”, mas natural é este simbolismo colorido, que tem a ver com estados de alma ou situações de diversa amplitude. José Afonso cantou o “Menino do Bairro Negro” e eu própria imodestamente posso referir os meus “Cravos Roxos. Croniquetas verde-rubras”, de patriotismo indignado e juvenil. Mas até o arco-iris dá pano para mangas, recorde-se a linda canção da Judy Garland no seu “O Feiticeiro de Oz”, em termos de simbolismo, ou o significado das cores das bandeiras, ainda que tais simbolismos ultrapassem as intenções do breve estudo humorístico de Bagão Félix, que me faz procurar os versos de António Gedeão, a justificar tanta diversidade na “paleta de  cores” e de imagens de que se serve o Homem para precisar melhor seu pensamento ou os seus  estados de alma.


IMPRESSÃO DIGITAL
 Os meus olhos são uns olhos,
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem lutos e dores
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros, gnomos e fadas
num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.
                               In Movimento Perpétuo (1956)

Público, 29 de Maio de 2017
Ouro sobre azul (ou vermelho?)
Sempre me despertaram curiosidade as expressões populares que, de uma ou de outra maneira, associam cores a aspectos da vida das pessoas. Falo hoje deste prosaico assunto porque, há dias, ainda no rescaldo da celebração do tetracampeonato do Benfica, alguém – querendo ser simpático para mim – rematou a conversa com “desta vez, foi ouro sobre azul”!
Eu, que até gosto muito de azul, fiquei a matutar na dita expressão, aparentemente desajustada para o meu coração encarnado. O meu amigo, pouco dado a estas coisas da bola, fê-lo com boa intenção. Afinal “ouro sobre azul” significa uma situação ou algo muito bom, magnífico, deslumbrante. Mas porque não “ouro sobre vermelho” ou outra cor?
Fui procurar detalhar a origem da dita frase. Comecemos pela razão de ordem técnica. Considerando as cores primárias, verificamos que o amarelo contrasta mais com o azul assim como o vermelho se opõe ao verde (esta eu entendo, futebolisticamente falando). Ora como o amarelo do ouro brilha como nenhum outro, o contraste é ainda mais impressivo. Logo “ouro sobre azul” é uma deslumbrante junção de opostos. Um desafio conquistado.
Depois, há uma outra pretensa justificação de natureza guerreira. Consta que “ouro sobre azul” se usava antigamente para a espingardaria mais elitista, pois que as armas tinham uma tonalidade azul resultante do aço temperado, à qual se juntavam inscrições a ouro.
Por fim, há algum rasto artístico para o “ouro sobre azul”. No barroco português, era habitual juntarem-se os azulejos azuis junto dos espaços sobre a talha dourada de altares e retábulos nas igrejas e capelas.
Técnica, bélica ou artisticamente “ouro sobre azul” não é uma regra de ouro, mas, por respeito ao meu bom amigo (repito, pouco conhecedor do jargão futebolístico) não o contestei. Afinal o silêncio também é de ouro
Continuando este meu itinerário por um campeonato emocionante e sofrido, confesso que tive algumas “noites em branco” (uma, justificada pelo título; outras, decepcionado com os poucos desaires). Todavia não “votei em branco” nas eleições do meu clube, até porque acho que nesta última década os encarnados têm posto o “preto no branco” com o cuidado de não darem “carta branca” a quem quer que seja.
Mas sendo o Benfica sobretudo vermelho (ou encarnado, como preferirem), para esta inédita quarta vitória consecutiva, ninguém precipitadamente “estendeu o tapete vermelho” antes da consagração. Já nos chegou o golo de Kelvin – esse jovem jogador que está na minha “lista negra” – que, só de o lembrar, nem com “sorriso amarelo” consigo disfarçar.
Já os clássicos adversários do campeão tiveram estados de alma bem diferentes dos que houve na Luz. Uns, “ficaram verdes” por não terem conseguido “pôr o pé em ramo verde”, mesmo com Jesus (o Jorge) bem pago, mas sem ser através de “recibos verdes”.
Outros, vão balbuciando que a “coisa está preta” não só por não ganharem, mas porque estão perigosamente “no vermelho”, uma ironia de cores face ao campeão. Diz-se até que entre os responsáveis da comunicação dos não campeões vai haver um “telefone vermelho” para gizarem uma estratégia de combate ao comum opositor (outra ironia colorida…).
Resta-nos, nas próximas semanas, ler as revistas “cor-de-rosa” (com hífen, pois claro!) sobre as “esposas dos craques” e afins. E começar o defeso com notícias abundantes sobre trocas e baldrocas, pegando nas “páginas amarelas” (chinesas e não só) ou dispensando algumas “ovelhas negras” das equipas. Os intermediários, esses começam a pensar no “correio azul” (ou será “saco azul”?). Ah! E alguns treinadores a chegarem e outros a partirem, estes com a imaginada “cor do burro quando foge”.


Nenhum comentário: