Talvez como remate. Mas não.
Luto
nacional
OBSEVADOR, 24/6/17
…hopes expire of a low dishonest decade…
A primeira obrigação do Estado é
garantir a segurança física dos cidadãos. Em Pedrógão Grande o Estado Português
não a cumpriu e mostrou assim a sua fraqueza e a sua essencial ilegitimidade.
Na sopa de aletria da meia dúzia de agências ou subagências governamentais que
intervieram no caso, ninguém se entendia sobre nada. A que horas tinha começado
o fogo e porque tinha começado? Porque não se tinha fechado a tempo a chamada
“estrada da morte”? Porque não se tinham evacuado as pessoas que deviam ser
evacuadas? Tinha caído um avião ali, a uns quilómetros, ou não tinha caído um
avião? Existia um jornalista fantasma ou não existia? O que transpirava desta
confusão eram informações contraditórias das várias autoridades envolvidas,
todas visivelmente preocupadas em sacudir a água do capote para o parceiro do
lado. A cena foi deprimente e aterradora. E no meio do caos, para o completar,
desembarcaram o primeiro-ministro e o Presidente da República, com fatos de
bombeiros, que não iam lá fazer coisa alguma de útil ou louvável, excepto
evidentemente exibir a sua alma, exercício que ninguém lhes pedira ou
agradecia.
Este espectáculo, pelo mortos e pelo
sofrimento dos que não morreram, comoveu o país. Mas o mesmo país habitualmente
assiste em paz de espírito às mais graves demonstrações da incompetência e
degradação do Estado: investigações criminais que duram anos e anos (como a de
Oliveira e Costa e, a seguir, a de Sócrates, a de Ricardo Salgado e as de
várias dezenas de suspeitos menores); julgamentos sem fim; a maior dívida da
história, que vai crescendo; políticas que se atenuam, interrompem ou simplesmente
se metem na gaveta para não ofender parcelas ínfimas do eleitorado; actos
egrégios de nepotismo e compadrio; a corrupção que se manifesta ou descobre em
cada recanto da vida corrente e da vida pública nacional. O parlamento, depois
de lamentar a infindável sequência de comissões de inquérito para prevenir
incêndios, que não chegaram a parte alguma, nomeou outra comissão de inquérito;
e as “personalidades” que roubaram milhões continuam a passear tranquilamente
pelas ruas.
A grande pergunta é simples: porque
havia de aparecer em Pedrógão Grande, por milagre flagrante do Altíssimo, um
Estado previdente, eficaz e responsável? Não apareceu; e, como de costume, os
mais fracos pagaram a conta. Seria bom que fizéssemos mais três dias de luto.
Por nós.
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