terça-feira, 6 de junho de 2017

Textos complementares



O de Alberto Gonçalves - «Uma vergonha alegre» -expõe os risos do PM a tempo inteiro, o de Helena Matos- - «António Costa vai de férias para onde? E vai sozinho?» - refere os motivos por que ele os pode ter,  - os risos - protegido que está por uma sua máquina delirante, que, ora compungidamente, em protecção dos seus necessitados, ora rispidamente, em ataque a um governo anterior resoluto em livrar o país da triste vergonha - mais não enxerga que o preto e o branco dos seus propósitos exclusivos, folclóricos e de artimanha, com um PM finório e risonhamente cínico. E nós cá vamos cantando e rindo, sempre joguetes encartados, fingindo não ver, por conveniência própria, embalados na falsa alegria de uma falsa e apoteótica governação de desonesta geringonça.
António Costa  - Uma vergonha alegre
OBSERVADOR, 3/6/2017
Dada a doença da mulher de Pedro Passos Coelho, o estadista sisudo de um país convencional evitaria alusões desagradáveis. O dr. Costa, rosto da felicidade que nos caiu em cima, não o fez.
“A alegria”, proclamou o dr. Costa com a densidade filosófica de um manjerico ou dois, “é ter muitos amigos e poder brincar”. De imediato, uma repórter interrogou-o: “O país tem suficientes alegrias ou a subida do ‘rating’ para breve seria uma boa alegria?” Apesar da sofisticada interpelação, o dr. Costa respondeu à altura: “A alegria nunca é suficiente, devemos querer sempre mais alegria”. Esmagada pela potência do axioma, a repórter contorna um bocadinho o assunto: “E o ministro Centeno no Eurogrupo a tempo inteiro?” O dr. Costa reage impávido: “É um homem alegre, também… Olhe, mas agora terequemofumb (?) o nariz vermelho, agora teroquemfbamanhar (?) o nariz vermelho”. Intrépida, a repórter chega ao tema que se impunha: “Então Passos Coelho dizia ontem que o governo se estava a aproveitar do anterior governo…” Era a deixa para o dr. Costa sentenciar a conversa com o improviso que ensaiara durante horas: “É uma pessoa menos alegre”.
Por onde começar? Talvez pelo princípio. O episódio acima decorreu numa escola primária de Lisboa, onde o primeiro-ministro celebrou o Dia Mundial da Criança e arriscou rábulas com palhaços. Até aqui, não há nada de demasiado estranho à rotina das democracias contemporâneas. A partir daqui, entra-se numa dimensão exclusiva de certas democracias especiais – e especialmente alegres. Vamos aproveitar o embalo e brincar ao “descubra as diferenças”?
A primeira diferença passa pela hospitalidade dedicada ao dr. Costa. Noutro lugar ou tempo, os professores exibiriam na melhor das hipóteses um ar de enterro, e na pior um protesto que podia incluir uma interpretação sentida do “Grândola, Vila Morena”. No caso, o único ponto comum foi a presença de palhaços. De resto, só aplausos, “afectos” e, claro, alegria.
A segunda diferença é o à-vontade revelado pelo dr. Costa ao contracenar com os ditos palhaços. Se tentasse a proeza, o chefe de uma nação triste faria uma figura ridícula. Embora o ridículo não tivesse faltado, o dr. Costa, que ri sem parança e estava no seu habitat, nem deu por ele. A alegria acima de tudo.
A terceira diferença é a velha familiaridade do dr. Costa com a língua portuguesa: quase nenhuma. Até os “tweets” do sr. Trump ficam aquém em matéria de liberdade expressiva. E ainda bem. É óptimo sinal quando a gramática não atrapalha a satisfação de um político com as suas conquistas e, principalmente, consigo mesmo. A alegria comanda a vida.
A quarta diferença é o comentário sobre Pedro Passos Coelho. Dada a doença da mulher deste, o estadista sisudo de um país convencional evitaria alusões desagradáveis. O dr. Costa, rosto da felicidade que nos caiu em cima, não evitou – ou por distracção, o que atesta o seu discernimento, ou de propósito, o que demonstra o seu repugn…, perdão, impecável carácter. A alegria não quer saber de maleitas.
A quinta diferença é o papel da referida repórter, que não conheço, mas que, pela devoção demonstrada, o dr. Costa deve conhecer na perfeição. Todas as “questões” da senhora partilham da exacta euforia que, com indisfarçado zelo, os “media” avençados nos atiram à cara. Num regime melancólico e escrutinado, pelo menos uma alminha perguntaria ao dr. Costa se a razão das agências não se sobrepõe às patranhas dele, se o novo recorde da dívida pública – alcançado naquele dia – não o aflige, se a “promoção” do dr. Centeno não é sarcasmo como o do sr. Schäuble e se Pedro Passos Coelho, ao defender os critérios de crescimento que a esquerda despreza, não desmontara a propaganda vigente. A alegria é avessa ao cepticismo.
A sexta diferença é a naturalidade com que meio mundo reage a semelhante paródia. Povos taciturnos lamentam o desconchavo dos próprios líderes. Um povo radiante lamenta o desconchavo dos líderes alheios, enquanto agradece a sorte que lhe providenciou o dr. Costa. A alegria não implica ingratidão.
A sétima diferença é que governantes sérios e a sério inspiram resmas de reflexões em volta da solidão do poder. Um governante alegre não sofre desse mal: do alegre “jornalismo” à alegre banca, dos alegres sindicatos a todos os alegres isentos da austeridade que não ousa dizer o seu nome, o dr. Costa tem realmente muitos amigos. Desgraçadamente, prefere brincar connosco.
Nota de rodapé:
Nasci num apartamento e, por isto ou por aquilo, nunca morei num apartamento. Pela vida fora, este pormenor impediu-me de testemunhar o mais fascinante veículo de socialização depois dos jogos do Canelas. Falo, evidentemente, das reuniões de condomínio. O que sei vem de relatos de amigos, que me contam encantadoras histórias sobre aquele condómino específico, o qual, munido de má-fé, desconfiança, inveja e a convicção de que a ele ninguém o come por parvo, transforma duas horas ocasionais de aborrecimento em duas horas ocasionais de divertido conflito. Pelos vistos, o espécime em questão existe em quase todos os edifícios e, até agora, limitava-se a fazer rir os vizinhos. A partir de agora, graças a uma proposta do PS, o espécime poderá proibi-los de arrendar a própria casa a turistas. Além de atribuir a palermas a importância que estes não merecem, o PS mostra a importância que atribui à liberdade, à propriedade e ao crescimento económico que finge festejar. Na perspectiva do socialismo, a ideia é brilhante.
António Costa vai de férias para onde? E vai sozinho?
Helena Matos
OBSERVADOR, 5/6/2017
12 de Agosto de 2012. O senhorio, tal como o dono do café no tempo de Sócrates, representa aquilo que um marxista não pode tolerar: que alguém com pouco dinheiro crie um negócio.
Lia-se no JN: “Um grupo de populares que contesta a introdução de portagens na Via do Infante tentou, este domingo à tarde, abordar o primeiro-ministro quando este se dirigia para a praia, acompanhado pela mulher e pela filha, assustando a criança, que começou a chorar. (…) Já esta manhã, membros da Comissão de Utentes da Via do Infante tinham tentado abordar o chefe de Governo na casa onde está a passar férias.”
Perante a gravidade da situação logo o blogue Corporações (sim, esse mesmo blogue que Sócrates pagava e que replicava o argumentário da esquerda caviar) deu o mote: “PPC e os aprendizes de feiticeiros do spin político que tomaram conta do PSD e do Governo utilizam de forma descarada e intencional a família e a esfera privada para efeitos de marketing político. À medida que exageram começam a ter a merecida retribuição.” Portanto o problema não era a campanha de intimação montada pelo tal grupo de populares (que de populares nada tinham e que enquanto grupo se destacava pela proximidade ao BE) mas sim Passos Coelho ter ido de férias para a praia, o que levava à tal “merecida retribuição” no dizer do Corporações e não só, pois não faltou quem visse populismo nas idas de Passos Coelho para a praia.
Cinco anos depois faz-se de conta que isto nunca aconteceu: o primeiro-ministro aparecer com a família na praia ou em qualquer outro lugar deixou de ser uma “forma descarada e intencional” de utilização da família e da esfera privada para efeitos de marketing político para se tornar numa manifestação de proximidade e modernidade. Já a indignação popular deu lugar ao júbilo nacional.
É um país radioso esse que agora se desenha nas televisões: Catarina Martins transformada numa espécie de holograma surge de cinco em cinco minutos querendo sempre alguma coisa apresentada como indiscutivelmente piedosa: Catarina quer acabar com a fome e logo Catarina sorri compungida para umas crianças sentadas em bancos de escola; Catarina quer mais gastos em saúde e logo os olhos de Catarina surgem redondamente indignados enquanto uma voz off refere “os gastos com os privados”Do lado do PCP a estratégia é outra: os líderes mantêm-se a recato e quando falam é para atacar a direita, as políticas de direita, os governos de direita e o que de direita este governo ainda não expurgou. Depois Jerónimo manda avançar ou entrar em letargia, Mário Nogueira, Arménio Carlos, Ana Avoila
António Costa naturalmente vai de férias tranquilo. Contudo quem lhe suceder no cargo ou está preparado para viver todos os dias do ano um calvário superior ao vivido por Passos em 2012 ou estamos tramados, literalmente falando. Porque dia a dia Portugal torna-se um país ingovernável.
Já lá vai a fase em que o governo de Costa tratou de comprar os favores/votos dos funcionários públicos, transformando os serviços estatais em estruturas cujo fim não é prestar serviços mas sim garantirem a si mesmas um conjunto blindado de direitos e privilégios. Que num primeiro momento a “compra” valeu politicamente a pena não se duvida: mediaticamente não mais se morreu nas ambulâncias (nem sequer as sucessivas greves e tolerâncias de ponto no mês de Junho suscitaram qualquer denúncia sobre atrasos nas cirurgias!) e quando um membro do governo entra numa escola ou tribunal (sobretudo aqueles tribunais que reabriram sem qualquer outra função que não essa mesma: fazer de conta que reabriram) só vê sorrisos e felicidade.
Este paraíso só é quebrado quando as mesmas corporações que construíram a paz anunciam que é preciso avançar ainda mais e sobem a parada das exigências e das ameaças. Agora por exemplo temos em cima da mesa ameaças de greves de professores nos dias dos exames e dos enfermeiros aos partos.
Os jornalistas limitam-se a dar conta dos dias em que as greves anunciadas produzirão alterações de serviço. Fazem-no no mesmo registo em que transcrevem um programa de eventos. Ninguém pergunta nada. Por exemplo, em que se traduzirá a criação de regimes especiais de aposentação para professores reivindicada pela Fenprof? Os regimes especiais de aposentação foram e são um dos mais perniciosos vícios da administração pública, um factor de tremendas injustiças e invariavelmente um contornar das regras que se dizem para todos. Aprovar um regime especial de aposentação para um grupo profissional tão numeroso quanto é o dos professores repercute-se fortemente na Segurança Social. Onde estão as contas? Sobretudo que sentido tem a aprovação desse regime quando o factor de sustentabilidade está a fazer adiar a idade da reforma? E vamos continuar como querem os sindicatos a aprovar processos de contratação extraordinária de professores quando o número de crianças continua a baixar?… Ninguém sabe, ninguém que saber. Há que avançar diz Arménio Carlos. E Costa além do sossego na praia quer chegar a Belém e para tal precisa do apoio do BE e do PCP.
Entretanto a máquina estatal torna-se cada vez mais num Estado dentro do Estado, com privilégios blindados e poderes transferidos das chefias para comissões onde manda gente nunca escrutinadaveja-se o caso do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVAP) em que os sindicatos passaram a poder indicar quais trabalhadores que podem ser integrados.
Mas por ideologia e necessidade não lhes chega controlar a máquina estatal. A proposta delirante de regulamentação para o alojamento local mais do que regulamentar o alojamento local, procura intervir, controlar e cercear algo que a esquerda não consegue tolerar: a possibilidade de alguém, com pouco dinheiro, sem subsídios nem programas de apoio, fazer um negócio. No governo Sócrates foram os cafés e restaurantes os alvos dessa fúria socialista. Chegou a anunciar-se que o número de cafés seria passado a metade. De repente os galheteiros e as colheres de pau tornaram-se um problema nacional de dimensão só equiparável à presente crise do centro das cidades cheios de pessoas.
O que agora irrita não é o barulho feito pelos turistas – que dificilmente superará o de um andar alugado a estudantes – ou as idiossincrasias dos ditos turistas que por muito destravadas que sejam têm a vantagem de apenas se fazerem sentir por um breve período, coisa que não acontece quando estão em causa as manias, os animais, as discussões, a falta de higiene ou a má educação dos residentes habituais.
O que está por trás da discussão, da aparente crise, do enorme problema do alojamento local é o velho ódio marxista não tanto ao capitalista mas sim a que alguém com pouco dinheiro consiga ter um negócio. Pequeno mas negócio. Essa gente a fazer contas ao que ganha e perde em vez de estar à espera de um subsídio, de um complemento, de um regime especial, de uma linha de apoio… é para os marxistas de hoje a verdadeira heresia. Porque os capitalistas, esses tornaram-se parceiros. Conhecem as regras e, como bons capitalistas, descobriram que para enriquecer não há melhor que fazer negócios socialistas: apela-se ao patriotismo, a empresa/banco “é nosso”, os prejuízos estão cobertos pelo contribuinte e os lucros garantidos.
Já o senhorio, tal como outrora o dono do café e o empresário de vão de escada, representam na sua pequena dimensão e falta de contacto com a máquina estatal, aquilo que um marxista não pode de modo algum tolerar: que não se conte com o Estado. Regulamentar e complicar até que só sobrem as grandes empresas municipais e privadas é o que lhes surge como natural. E é isso que farão.
Para ser primeiro-ministro António Costa deixou as corporações blindarem-se na máquina do Estado e usarem esse mesmo Estado para intervir ideologicamente na economia. Enquanto o negócio for favorável a ambas as partes Costa continuará a aparecer como um triunfador.
Quando esta farsa de interesses acabar o Verão do então primeiro-ministro fará parecer Agosto de 2012 uma brincadeira.
PS. O Pingo Doce lançou uma campanha dirigida os filhos dos seus funcionários que queiram trabalhar nos supermercados do sul do país durante os meses de Julho e Agosto. Ao abrigo do programa de estágios, para jovens com idades entre os 18 e os 25 anos, o Pingo Doce oferece, por turnos diários de dez horas, com duas de descanso, uma bolsa de 500 euros líquidos, subsídio de alimentação e alojamento.
Pois não pode ser. Porquê?
José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda: “é uma situação perversa e, neste caso, tratar-se-iam de falsos estágios. Se existe a necessidade de mais trabalhadores no Algarve durante as férias, então que se contratem mais trabalhadores“.
Rita Rato, deputada do PCP: “É preciso perceber o enquadramento destes estágios junto da Autoridade para as Condições do Trabalho [ACT] e do Instituto de Emprego e Formação Profissional [IEFP]“.
Luís Azinheira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo, afecto à UGT: “um grupo como a Jerónimo Martins, que fala tanto em responsabilidade social, quando pretende estágios assim está a aproveitar mão-de-obra barata“.
Isabel Camarinha, do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, afeto à CGTP: “deveriam estar a ser promovidos contratos de trabalho permanentes“,
Moral da história: os jovens devem desistir já de tentar trabalhar. Um jovem que trabalha é um jovem em risco de não frequentar os acampamentos de Verão do BE. O de 2016 incluiu: Teatro do Oprimido, discussões sobre cidade e gentrificação e “sessões de formação sobre os movimentos feminista e LGBTQIA+, o papel do trabalho, do partido e do Estado na sociedade”
Enfim, matérias vocacionadas para candidatos ao estatuto de bolseiros vitalícios, não para quem vai trabalhar nas férias para ter o seu próprio dinheiro e ajudar os pais.

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