O
de Alberto Gonçalves - «Uma vergonha
alegre» -expõe os risos do PM a tempo inteiro, o de Helena Matos-
- «António Costa vai de férias para onde?
E vai sozinho?» - refere os motivos por que ele os pode ter, - os risos - protegido que está por uma sua
máquina delirante, que, ora compungidamente, em protecção dos seus
necessitados, ora rispidamente, em ataque a um governo anterior resoluto em livrar
o país da triste vergonha - mais não enxerga que o preto e o branco dos seus
propósitos exclusivos, folclóricos e de artimanha, com um PM finório e risonhamente
cínico. E nós cá vamos cantando e rindo, sempre joguetes encartados, fingindo
não ver, por conveniência própria, embalados na falsa alegria de uma falsa e
apoteótica governação de desonesta geringonça.
OBSERVADOR, 3/6/2017
Dada
a doença da mulher de Pedro Passos Coelho, o estadista sisudo de um país
convencional evitaria alusões desagradáveis. O dr. Costa, rosto da felicidade
que nos caiu em cima, não o fez.
“A
alegria”, proclamou o dr. Costa com a densidade filosófica de um manjerico ou
dois, “é ter muitos amigos e poder brincar”. De imediato, uma repórter
interrogou-o: “O país tem suficientes alegrias ou a subida do ‘rating’ para
breve seria uma boa alegria?” Apesar da sofisticada interpelação, o dr. Costa
respondeu à altura: “A alegria nunca é suficiente, devemos querer sempre mais
alegria”. Esmagada pela potência do axioma, a repórter contorna um bocadinho o
assunto: “E o ministro Centeno no Eurogrupo a tempo inteiro?” O dr. Costa reage
impávido: “É um homem alegre, também… Olhe, mas agora terequemofumb (?) o nariz
vermelho, agora teroquemfbamanhar (?) o nariz vermelho”. Intrépida, a repórter
chega ao tema que se impunha: “Então Passos Coelho dizia ontem que o governo se
estava a aproveitar do anterior governo…” Era a deixa para o dr. Costa
sentenciar a conversa com o improviso que ensaiara durante horas: “É uma pessoa
menos alegre”.
Por
onde começar? Talvez pelo princípio. O episódio acima decorreu numa escola
primária de Lisboa, onde o primeiro-ministro celebrou o Dia Mundial da Criança
e arriscou rábulas com palhaços. Até aqui, não há nada de demasiado
estranho à rotina das democracias contemporâneas. A partir daqui, entra-se numa
dimensão exclusiva de certas democracias especiais – e especialmente alegres. Vamos
aproveitar o embalo e brincar ao “descubra as diferenças”?
A
primeira diferença passa pela hospitalidade dedicada ao dr. Costa.
Noutro lugar ou tempo, os professores exibiriam na melhor das hipóteses um ar
de enterro, e na pior um protesto que podia incluir uma interpretação sentida
do “Grândola, Vila Morena”. No caso, o único ponto comum foi a presença de
palhaços. De resto, só aplausos, “afectos” e, claro, alegria.
A
segunda diferença é o à-vontade revelado pelo dr. Costa ao
contracenar com os ditos palhaços. Se tentasse a proeza, o chefe de uma
nação triste faria uma figura ridícula. Embora o ridículo não tivesse faltado,
o dr. Costa, que ri sem parança e estava no seu habitat, nem deu por ele. A
alegria acima de tudo.
A
terceira diferença é a velha familiaridade do dr. Costa com a
língua portuguesa: quase nenhuma. Até os “tweets” do sr. Trump ficam aquém
em matéria de liberdade expressiva. E ainda bem. É óptimo sinal quando a
gramática não atrapalha a satisfação de um político com as suas conquistas e,
principalmente, consigo mesmo. A alegria comanda a vida.
A
quarta diferença é o comentário sobre Pedro Passos Coelho.
Dada a doença da mulher deste, o estadista sisudo de um país convencional
evitaria alusões desagradáveis. O dr. Costa, rosto da felicidade que nos caiu
em cima, não evitou – ou por distracção, o que atesta o seu discernimento, ou
de propósito, o que demonstra o seu repugn…, perdão, impecável carácter. A
alegria não quer saber de maleitas.
A
quinta diferença é o papel da referida repórter, que não
conheço, mas que, pela devoção demonstrada, o dr. Costa deve conhecer na
perfeição. Todas as “questões” da senhora partilham da exacta euforia que, com
indisfarçado zelo, os “media” avençados nos atiram à cara. Num regime
melancólico e escrutinado, pelo menos uma alminha perguntaria ao dr. Costa se a
razão das agências não se sobrepõe às patranhas dele, se o novo recorde da
dívida pública – alcançado naquele dia – não o aflige, se a “promoção” do dr.
Centeno não é sarcasmo como o do sr. Schäuble e se Pedro Passos Coelho, ao
defender os critérios de crescimento que a esquerda despreza, não desmontara a
propaganda vigente. A alegria é avessa ao cepticismo.
A
sexta diferença é a naturalidade com que meio mundo reage a
semelhante paródia. Povos taciturnos lamentam o desconchavo dos próprios
líderes. Um povo radiante lamenta o desconchavo dos líderes alheios, enquanto
agradece a sorte que lhe providenciou o dr. Costa. A alegria não implica
ingratidão.
A
sétima diferença é que governantes sérios e a sério inspiram
resmas de reflexões em volta da solidão do poder. Um governante alegre não
sofre desse mal: do alegre “jornalismo” à alegre banca, dos alegres sindicatos
a todos os alegres isentos da austeridade que não ousa dizer o seu nome, o dr.
Costa tem realmente muitos amigos. Desgraçadamente, prefere brincar
connosco.
Nota de rodapé:
Nasci
num apartamento e, por isto ou por aquilo, nunca morei num apartamento. Pela
vida fora, este pormenor impediu-me de testemunhar o mais fascinante veículo de
socialização depois dos jogos do Canelas. Falo, evidentemente, das reuniões de
condomínio. O que sei vem de relatos de amigos, que me contam encantadoras
histórias sobre aquele condómino específico, o qual, munido de má-fé,
desconfiança, inveja e a convicção de que a ele ninguém o come por parvo,
transforma duas horas ocasionais de aborrecimento em duas horas ocasionais de
divertido conflito. Pelos vistos, o espécime em questão existe em quase todos
os edifícios e, até agora, limitava-se a fazer rir os vizinhos. A partir de
agora, graças a uma proposta do PS, o espécime poderá proibi-los de arrendar a
própria casa a turistas. Além de atribuir a palermas a importância que estes
não merecem, o PS mostra a importância que atribui à liberdade, à propriedade e
ao crescimento económico que finge festejar. Na perspectiva do socialismo, a
ideia é brilhante.
António Costa vai de férias para onde? E vai sozinho?
Helena Matos
OBSERVADOR, 5/6/2017
12
de Agosto de 2012. O senhorio, tal como o dono do café no tempo de
Sócrates, representa aquilo que um marxista não pode tolerar: que alguém com
pouco dinheiro crie um negócio.
Lia-se
no JN: “Um grupo de populares que contesta a introdução
de portagens na Via do Infante tentou, este domingo à tarde, abordar o
primeiro-ministro quando este se dirigia para a praia, acompanhado pela mulher
e pela filha, assustando a criança, que começou a chorar. (…) Já esta manhã,
membros da Comissão de Utentes da Via do Infante tinham tentado abordar o chefe
de Governo na casa onde está a passar férias.”
Perante
a gravidade da situação logo o blogue Corporações (sim, esse mesmo blogue que
Sócrates pagava e que replicava o argumentário da esquerda caviar) deu o mote:
“PPC e os aprendizes de feiticeiros do spin
político que tomaram conta do PSD e do Governo utilizam de forma descarada e
intencional a família e a esfera privada para efeitos de marketing político. À
medida que exageram começam a ter a merecida retribuição.” Portanto
o problema não era a campanha de intimação montada pelo tal grupo de populares
(que de populares nada tinham e que enquanto grupo se destacava pela
proximidade ao BE) mas sim Passos Coelho ter ido de férias para a praia, o que
levava à tal “merecida retribuição” no dizer do Corporações e não só, pois não
faltou quem visse populismo nas idas de Passos Coelho para a praia.
Cinco
anos depois faz-se de conta que isto nunca aconteceu: o primeiro-ministro
aparecer com a família na praia ou em qualquer outro lugar deixou de ser uma
“forma descarada e intencional” de utilização da família e da esfera privada
para efeitos de marketing político para se tornar numa manifestação de
proximidade e modernidade. Já a indignação popular deu
lugar ao júbilo nacional.
É
um país radioso esse que agora se desenha nas televisões: Catarina
Martins transformada numa espécie de holograma surge de cinco em cinco
minutos querendo sempre alguma coisa apresentada como indiscutivelmente
piedosa: Catarina quer acabar com a fome e logo Catarina sorri compungida
para umas crianças sentadas em bancos de escola; Catarina quer mais gastos em
saúde e logo os olhos de Catarina surgem redondamente indignados enquanto uma
voz off refere “os gastos com os privados” … Do lado do PCP a estratégia
é outra: os líderes mantêm-se a recato e quando falam é para atacar a
direita, as políticas de direita, os governos de direita e o que de direita
este governo ainda não expurgou. Depois Jerónimo manda avançar ou entrar em
letargia, Mário Nogueira, Arménio Carlos, Ana Avoila…
António
Costa naturalmente vai de férias tranquilo. Contudo quem lhe
suceder no cargo ou está preparado para viver todos os dias do ano um calvário
superior ao vivido por Passos em 2012 ou estamos tramados, literalmente
falando. Porque dia a dia Portugal torna-se um país ingovernável.
Já
lá vai a fase em que o governo de Costa tratou de comprar os favores/votos dos
funcionários públicos, transformando os serviços estatais em estruturas cujo
fim não é prestar serviços mas sim garantirem a si mesmas um conjunto blindado
de direitos e privilégios. Que num primeiro momento a “compra” valeu
politicamente a pena não se duvida: mediaticamente não mais se morreu nas
ambulâncias (nem sequer as sucessivas greves e tolerâncias de ponto no mês de
Junho suscitaram qualquer denúncia sobre atrasos nas cirurgias!) e quando um
membro do governo entra numa escola ou tribunal (sobretudo aqueles tribunais
que reabriram sem qualquer outra função que não essa mesma: fazer de conta que
reabriram) só vê sorrisos e felicidade.
Este
paraíso só é quebrado quando as mesmas corporações que construíram a paz
anunciam que é preciso avançar ainda mais e sobem a parada das exigências e das
ameaças. Agora por exemplo temos em cima da mesa ameaças
de greves de professores nos dias dos exames e dos enfermeiros aos partos.
Os
jornalistas limitam-se a dar conta dos dias em que as greves anunciadas
produzirão alterações de serviço. Fazem-no no mesmo registo em que transcrevem
um programa de eventos. Ninguém pergunta nada. Por exemplo, em que se
traduzirá a criação de regimes especiais de aposentação para professores
reivindicada pela Fenprof? Os regimes especiais de aposentação foram e são um
dos mais perniciosos vícios da administração pública, um factor de tremendas
injustiças e invariavelmente um contornar das regras que se dizem para todos.
Aprovar um regime
especial de aposentação para um grupo profissional tão numeroso
quanto é o dos professores repercute-se fortemente na Segurança Social. Onde
estão as contas? Sobretudo que sentido tem a aprovação desse regime quando o
factor de sustentabilidade está a fazer adiar a idade da reforma? E vamos continuar
como querem os sindicatos a aprovar processos de contratação extraordinária de
professores quando o número de crianças continua a baixar?… Ninguém sabe,
ninguém que saber. Há que avançar diz Arménio Carlos. E Costa além do
sossego na praia quer chegar a Belém e para tal precisa do apoio do BE e do
PCP.
Entretanto
a máquina estatal torna-se cada vez mais num Estado dentro do Estado, com
privilégios blindados e poderes transferidos das chefias para comissões onde
manda gente nunca escrutinada – veja-se
o caso do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na
Administração Pública (PREVAP) em que os sindicatos passaram a poder indicar
quais trabalhadores que podem ser integrados.
Mas
por ideologia e necessidade não lhes chega controlar a máquina estatal. A
proposta delirante de regulamentação para o alojamento local mais do que
regulamentar o alojamento local, procura intervir, controlar e cercear algo que
a esquerda não consegue tolerar: a possibilidade de alguém, com pouco dinheiro,
sem subsídios nem programas de apoio, fazer um negócio. No governo Sócrates
foram os cafés e restaurantes os alvos dessa fúria socialista. Chegou a anunciar-se que o número de cafés seria passado
a metade. De repente os galheteiros e as colheres de pau
tornaram-se um problema nacional de dimensão só equiparável à presente crise do
centro das cidades cheios de pessoas.
O
que agora irrita não é o barulho feito pelos turistas – que dificilmente
superará o de um andar alugado a estudantes – ou as idiossincrasias dos ditos
turistas que por muito destravadas que sejam têm a vantagem de apenas se
fazerem sentir por um breve período, coisa que não acontece quando estão em
causa as manias, os animais, as discussões, a falta de higiene ou a má educação
dos residentes habituais.
O
que está por trás da discussão, da aparente crise, do enorme problema do
alojamento local é o velho ódio marxista não tanto ao capitalista mas sim a que
alguém com pouco dinheiro consiga ter um negócio. Pequeno mas negócio.
Essa gente a fazer contas ao que ganha e perde em vez de estar à espera de
um subsídio, de um complemento, de um regime especial, de uma linha de apoio… é
para os marxistas de hoje a verdadeira heresia. Porque os capitalistas,
esses tornaram-se parceiros. Conhecem as regras e, como bons capitalistas,
descobriram que para enriquecer não há melhor que fazer negócios socialistas:
apela-se ao patriotismo, a empresa/banco “é nosso”, os prejuízos estão cobertos
pelo contribuinte e os lucros garantidos.
Já
o senhorio, tal como outrora o dono do café e o empresário de vão de escada,
representam na sua pequena dimensão e falta de contacto com a máquina estatal,
aquilo que um marxista não pode de modo algum tolerar: que não se conte com
o Estado. Regulamentar e complicar até que só sobrem as grandes
empresas municipais e privadas é o que lhes surge como natural. E é isso que
farão.
Para
ser primeiro-ministro António Costa deixou as corporações blindarem-se na
máquina do Estado e usarem esse mesmo Estado para intervir ideologicamente na
economia. Enquanto o negócio for favorável a ambas as partes
Costa continuará a aparecer como um triunfador.
Quando
esta farsa de interesses acabar o Verão do então primeiro-ministro fará parecer
Agosto de 2012 uma brincadeira.
PS. O Pingo Doce lançou uma campanha dirigida os
filhos dos seus funcionários que queiram trabalhar nos supermercados do sul do
país durante os meses de Julho e Agosto. Ao abrigo do programa de estágios, para jovens com idades
entre os 18 e os 25 anos, o Pingo Doce oferece, por turnos diários de dez
horas, com duas de descanso, uma bolsa de 500 euros líquidos, subsídio de
alimentação e alojamento.
Pois
não pode ser. Porquê?
José
Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda: “é uma situação perversa e, neste caso,
tratar-se-iam de falsos estágios. Se existe a necessidade de mais trabalhadores
no Algarve durante as férias, então que se contratem mais trabalhadores“.
Rita
Rato, deputada do PCP: “É preciso perceber o enquadramento destes
estágios junto da Autoridade para as Condições do Trabalho [ACT] e do Instituto
de Emprego e Formação Profissional [IEFP]“.
Luís
Azinheira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Técnicos de Serviços,
Comércio, Restauração e Turismo, afecto à UGT: “um grupo
como a Jerónimo Martins, que fala tanto em responsabilidade social, quando
pretende estágios assim está a aproveitar mão-de-obra barata“.
Isabel
Camarinha, do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços
de Portugal, afeto à CGTP: “deveriam estar a ser promovidos contratos
de trabalho permanentes“,
Moral
da história: os jovens devem desistir já de tentar trabalhar. Um jovem que
trabalha é um jovem em risco de não frequentar os acampamentos de Verão do BE.
O de 2016 incluiu: Teatro do Oprimido, discussões sobre cidade e gentrificação
e “sessões de formação sobre os movimentos feminista e LGBTQIA+, o papel do
trabalho, do partido e do Estado na sociedade”
Enfim,
matérias vocacionadas para candidatos ao estatuto de bolseiros vitalícios, não
para quem vai trabalhar nas férias para ter o seu próprio dinheiro e ajudar os
pais.
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