É certo que as armas já não
nos são necessárias, gozamos de uma mansidão calejada, e quem as roubou fê-lo
para arranjar talvez uns trocos, mas posso estar enganada, os terrores que vão
rebentando aqui e além, no mundo ocidental, com a expansão doutros credos e o
castigo das permissividades modernistas nos costumes, contrárias aos dogmas ferrenhos
do fundamentalismo islâmico, permitem-nos agoirar situações de terror por cá
idênticas às que os jornais transmitem do lado dos povos ditos civilizados. A
desconfiança ou o pessimismo são, a par da cobardia, naturais em povos de
pequena estatura como o nosso, habituados às doçuras da passividade e do
pacifismo, relegando a violência para os casos domésticos que as paredes mais
ou menos encobrem, embora se diga que têm ouvidos. Por ser, pois, um caso
estapafúrdio, de tal modo revela incúria no tratamento dos deveres e das
responsabilidades, tal como o incêndio assassino de Pedrógão, transcrevo um dos
comentários a mais um Sete-Estrelo literário de Alberto Gonçalves,
brilhante de perspicácia irónica em paralelismo estrutural de progressiva
contundência:
Tudo está
bem quando acaba bem
OBSERVADOR, 1/7/2017
O primeiro-ministro
esteve impecável. Em vez de explicar, como os fracos, o dr. Costa exigiu
explicações. Em vez de pedir desculpas, como os malucos, pediu um “focus group”
sobre a sua popularidade.
Contra a descrença de alguns,
felizmente poucos, o Estado afinal esteve à altura dos acontecimentos em Pedrógão
Grande. O Presidente da República esteve soberbo. Oito dias depois
de ter assegurado que fora feito o possível na segurança dos cidadãos, apareceu
a exigir que se apurasse “tudo, mas mesmo tudo, o que houver a apurar”. Um
burgesso julgaria que a investigação precede as conclusões, mas espíritos
superiores do calibre do prof. Marcelo não se deixam tolher pelas amarras do
senso comum. Pelo meio, ainda arranjam tempo para atender a uma festança
beneficente, faltar aos funerais das vítimas e distribuir abraços comovidos e
comoventes a 381 transeuntes – fora os que conseguiram fugir.
O primeiro-ministro esteve impecável. Em vez de
explicar, como os fracos, o dr. Costa exigiu explicações. Em vez de dar
respostas, como os pelintras, o dr. Costa fez perguntas. Em vez de pedir
desculpas, como os malucos, o dr. Costa pediu um “focus group” para avaliar o
impacto dos fogos na sua imprescindível popularidade. E sempre com um
perpétuo ar compungido, que só interrompeu para participar, aos saltinhos, no
“lançamento” de um indivíduo obscuro – e certamente prodigioso – à câmara de
Lisboa.
A ministra da Administração Interna
esteve excelente. Chorou imenso, o que é prova cabal de sensibilidade.
Nos (curtos) intervalos, declarou que: 1) o incêndio de Pedrógão Grande foi um
grande incêndio; 2) aquele foi o pior momento da vida dela; 3) não se demite na
medida em que a demissão seria o “mais fácil”, e que prefere “dar a cara”. A
cara lavada em lágrimas, escusado recordar.
O Bloco de Esquerda esteve magnífico. De início, ao
pedir chuva em lugar de demissões. De seguida, ao descobrir que a culpa dos
incêndios é dos eucaliptos, que os eucaliptos foram uma invenção de Salazar e
que os capitalistas da celulose querem calcinar o país inteiro. Ficou claro que
o conhecimento do dr. Louçã & Cia. em matéria de fogos florestais rivaliza
com a erudição que demonstram na economia e, de resto, em qualquer assunto que
se dignem abordar. Avisado, o governo apressou-se a proibir o eucalipto, em
forma plantada ou tentada.
O PCP esteve fabuloso. Perdida a
liderança do combate ao eucalipto para o BE, os comunistas desprezaram Pedrógão
Grande e mantiveram-se focados nas autênticas prioridades nacionais, leia-se
uma greve dos professores convocada para fingir que a classe está descontente.
O parlamento esteve irrepreensível. Os partidos
aprovaram uma comissão de especialistas, metade dos quais a nomear pelo dr.
Ferro Rodrigues. Elogiar isto seria redundante.
A Protecção Civil esteve fantástica. Dotada há três
meses de novas chefias, muitas sem experiência na matéria de modo a refrescar
aquilo, a entidade não serve apenas para emitir avisos coloridos: também serve
para confundir as calamidades ao adoptar procedimentos caóticos e avulsos. Num
instante, o método “andar à nora” (jargão técnico) fintou as expectativas das
chamas e mostrou-lhes quem manda.
O famoso SIRESP esteve imaculado. Após numerosos
testemunhos de que esta luminosa herança do dr. Costa não funciona, um
relatório isento, realizado por uma empresa acionista do próprio sistema,
concluiu o contrário.
Os helicópteros Kamov, outra negocia…
desculpem, benesse do dr. Costa estiveram formidáveis. Não saíram do
chão, logo não são suspeitos de nada que se relacione com a tragédia.
Os “media”, salvo ligeiros deslizes,
estiveram estupendos. Às primeiras notícias funestas, correram a
auxiliar os que mais precisavam: o dr. Costa, a ministra e as metástases do
poder. Raramente se assistiu por cá a acção de solidariedade tão coordenada.
O facto é que, apesar de toda a
perfeição acima descrita, em Pedrógão Grande morreram, que se saiba, 64
pessoas, além das centenas de feridos, desalojados e desgraçados em geral.
Culpados? A tese oficiosa foi evoluindo. Começou por se desconfiar de uma árvore
(radicalizada e já devidamente referenciada pelas autoridades). Partiu-se para
a crítica à natureza, que nunca, nunca, nunca na História da Terra se
manifestara com tamanha violência. Prosseguiu-se com a acusação dos jornais
espanhóis que não veneram a competência do dr. Costa e, movidos pela
inveja, acham o nosso Estado um atraso e uma vergonha. Finalmente, chegou-se a
um consenso, aliás previsível: a culpa é de Pedro Passos Coelho, que confiou
num boato, permitiu-se uns comentários sobre eventuais suicidas na região
dos incêndios e, para cúmulo, desculpou-se pelo erro.
De súbito, o tipo
de gente que passou anos a misturar jovialmente suicídios e “austeridade”
esfregou as mãos e aproveitou a deixa. Não é que essa gente precisasse, mas
enfim dispunha de um “pretexto”, grotesco que fosse, para ignorar a incúria, a
corrupção, a demagogia, a incompetência, o descaramento, a prepotência e o
desrespeito dos, digamos, “responsáveis”. Para alívio colectivo, o horror
talvez criminoso de Pedrógão Grande expiou-se numa frase infeliz. E, sem
surpresas, os seus autores preparam-se para sair impunes: o “focus group”
determinou que a popularidade do dr. Costa não sofreu abalos. No fundo, é que
importa.
Um comentário:
De Figueiredo
Roubam munições e DEMITEM (e bem) 5
comandantes. Não foi apenas 1 comandante - leram bem foram 5. A mão
pesada da responsabilidade a actuar. MORREM 64 cidadãos portugueses numa área
da responsabilidade directa do MAI e nem uma demissão nem um pedido de desculpas
do Primeiro Ministro ou de qualquer Ministro. Leram bem - morreram 64 pessoas e
nem um actor politico tem a VERGONHA NA CARA DE PEDIR DESCULPAS pela falha na
protecção dos seus cidadãos portugueses em solo português. Ou seja, dois pesos
e duas medidas. Para os terrestres a mão pesada da punição. Para os políticos a
COBARDIA, a FALTA de COLUNA, FALTA de DIGNIDADE, a FALTA de SENTIDO e
RESPONSABILIDADE do ESTADO. Mas acima de tudo a DESENVERGONHADA e DESENFREADA
COBARDIA DESTE GOVERNO ASCO! Quando caiu uma ponte há uns anos atrás, e com
muito menos vítimas, caiu um Primeiro Ministro, um Ministro, e o governo. Esses
sim - tiveram a vergonha na cara e a lucidez de tomarem as suas
responsabilidades. Mas hoje temos uma esquerda diferente. Esta esquerda que nos
governa é de um POUCOCHISMO que caracteriza este Primeiro Ministro e Ministros
ascos que temos. Este é o exemplo máximo da DITA e AUTO-PROCLAMADA
superioridade moral e inteligência da ilustre esquerda Geringonça!!! O mais
importante acontecimento da semana foi o focus group sobre a popularidade do Poucochinho
Golpista após os incêndios. Mais rápido se fez esta consulta do que a decisão de
se formar uma comissão para se averiguarem as falhas e as culpas, porque aparentemente
é preciso uma comissão para se confirmar que houve falhas e que TALVEZ poderá
haver RESPONSÁVEIS na falha da defesa das vitimas desta catástrofe. Portugal
tem o que merece. Portugal está onde merece estar. Portugal é um dos países
mais atrasados, falhados e falidos da Europa e também maioritariamente de
esquerda. Não há coincidências...
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