o contrário do que afirma José Manuel Fernandes, as
férias do PM serviram, precisamente, para recarregar as baterias, julgo que,
mais do que pelos iogurtes de que fala aquele - que o PM não tem aparência de
preferir a outros pratos mais suculentos, - por conta do bom sol e dos bons
banhos salgados, provavelmente na esteira dos banhos que pratica o nosso PR,
que também neles recarrega as suas, de forma bastante matraqueadora, como é
próprio das baterias. São tudo “um supônhamos”, eu nada sei dos hábitos
alimentares nem desportivos do nosso PM. Até acho que pela sua postura no
Parlamento ontem, ele deve ter estudado a valer, no quarto do hotel onde se
deve ter acolitado – mas isto no mesmo domínio do “supônhamos” que a minha
modéstia no conhecimento me faz aventar como plausível – pois assim parece,
pelo artigo a seguir ao de José Manuel Fernandes, (este sobre as
coisas de Tancos) – o de análise do OBSERVADOR sobre o debate na Assembleia,
ontem, no regresso das férias do nosso PM - que confirma em parte o sobre
Tancos. Quanta embrulhada nos nossos destinos, sempre dependentes do excesso de
sol ou do excesso de estudo do tal maquiavélico, de que trata o OBSERVADOR.
O iogurte de António Costa
estava fora de prazo
Costa voltou de
férias para "controlar a crise". Na verdade, para nos tomar a todos
por parvos. E
para humilhar ainda mais as Forças Armadas. Ou alguém acha que o furto de
Tancos afinal não foi grave?
Confesso que só encontro uma explicação. Ou uma hipótese de
explicação. Alguns dos iogurtes que António Costa tomou nas suas férias em
Maiorca estava fora de prazo. E o calor da estância espanhola fê-lo azedar,
perturbando o raciocínio do nosso primeiro-ministro.
É que não encontro outra explicação para as inauditas
declarações desta terça-feira, depois da reunião com os chefes
militares. Mesmo alguém habituado a enganar tolos com papas e bolos teria mais
cuidado.
De facto, depois de ministros e chefes militares nos terem andado
a dizer, durante duas semanas, que o assalto aos paióis de Tancos era “muito
grave”, eis que o “incurável optimista” nos vem garantir que, “com grande
probabilidade, este acontecimento não terá qualquer impacto no risco da
segurança interna”. Isto não é optimismo – é tolice.
Mais: depois de as autoridades portuguesas terem avisado as suas
congéneres europeias (foi por Espanha que conhecemos a lista do material
roubado), depois de o Ministério
Público ter aberto um inquérito onde refere explicitamente “suspeitas
da prática dos crimes de associação criminosa, tráfico de armas internacional e
terrorismo internacional”, eis que o bonacheirão que nos governa vem
anunciar que não há “associação a qualquer tipo de atividade terrorista
nacional ou internacional”. Isto não é a calma própria da
sabedoria, é o desnorte próprio de quem nada sabe.
Mas o disparate não ficou por aqui. O senhor general Chefe do
Estado Maior General das Forças Armadas – ou seja, o homem que está no
topo da hierarquia militar – veio informar-nos que “os lança-granadas foguetes
que foram roubados provavelmente não terão possibilidade de funcionar com
eficácia, porque estavam selecionados para serem abatidos”. Confesso
que não sei se hei-de rir. Se hei-de chorar. Nestas duas semanas, o
chefe do Exército esteve no Parlamento a dar explicações aos deputados e deu
uma entrevista na televisão; o ministro da Defesa também esteve no Parlamento,
também deu uma entrevista e desmultiplicou-se em declarações públicas; o
ministro dos Negócios Estrangeiros falou inúmeras vezes em nome do
primeiro-ministo; o Presidente da República promoveu uma deslocação a Tancos e
uma reunião com as chefias militares em Belém; e tudo isto sucedeu sem que
ninguém se tivesse lembrado de conferir o prazo de validade dos lança-granadas.
Não sei se estes vêm com rótulo, como os putativos iogurtes fora de prazo de
Maiorca, mas se traziam etiqueta as letras deviam ser muito pequeninas pois
ninguém deu por elas.
Estas declarações do CEMGFA são tão desconcertantes que só temos
pena que não tenha acrescentado um agradecimento aos ladrões, por nos pouparem
o dinheiro e o trabalho de enviar para abate aquele material. Ou será que o
senhor CEMGFA dá o pagamento desse serviço de higiene militar por quite uma vez
que os ladrões levaram 45 quilos de explosivos altamente potentes e esses,
julgo, ainda não foram declarados fora de prazo?
Mas a coisa não ficou por aqui. Em poucos dias a “humilhação” que
o senhor CEME disse ter vivido ao tomar conhecimento do furto de Tancos passou,
nas palavras do senhor CEMGFA, a um mero “soco no estômago”, tão inócuo que “os
chefes militares levantaram logo a cabeça”. Imagino que seja por isso que
vários deles se demitiram e pediram a passagem à reserva. Ou será antes que
foram esses militares que quiseram manter a cabeça levantada em vez de dobrar a
cerviz, e por isso bateram com a porta?
Depois de ouvir o CEMGFA percebem-se melhor as palavras de um dos
generais demissionários, Antunes Calçada, que era o Comandante de Pessoal do
Exército, quando este se referiu aos que são “sabujo
para cima e cão para baixo”. Assim como se percebe o facto de os
demissionários terem invocado “uma quebra do vínculo sagrado entre comandantes
e subordinados”.
Não duvido que exista esta percepção no seio das Forças Armadas. O
que o senhor CEME fez no Parlamento foi dizer o necessário para proteger o
ministro da Defesa. E o que agora o senhor CEMGFA veio fazer foi tratar de
proteger o primeiro-ministro. Não é isto que se espera das
Forças Armadas: não têm de proteger titulares de cargos políticos, não têm de
fazer contorcionismos para protegerem governos. Não é isso que os portugueses
esperam dos chefes militares, não é esse papel que a Constituição lhes reserva.
Mas quando temos à frente da Defesa alguém que tive o desprazer de
conhecer bem quando presidiu à Entidade Reguladora da Comunicação Social, posto
em que se especializou em todos os imagináveis contorcionismos para
proteger as ingerências de José Sócrates nos jornais e nas televisões, assim
como a forma como este limitou a liberdade de imprensa, não me surpreende que
as artes próprias dos moluscos se tenham tornado moeda comum no todo da nossa
instituição militar. Até porque é bom recordar que o actual CEME está onde
está porque o anterior titular do cargo foi corrido por causa de um caso menor
relativo ao Colégio Militar. E que lá continua mesmo depois da morte
dos comandos e do roubo de Tancos. Se alguém o protege, alguém ele tem de proteger.
Infelizmente, toda esta miséria moral vem juntar-se à miséria
moral que rodeia a demissão dos três secretários de Estado que aceitaram
convites da GALP para irem a Paris ver a selecção. Miséria moral por serem
poucos os que apoiam a determinação do Ministério Público em cumprir a lei –
uma determinação que eu
próprio já saudei –, serem imensos os que defendem “usos e
costumes” que passam por aceitar aquele tipo de mordomias e favores, sem achar
que há nisso qualquer ónus moral ou alguma criação de dependências, mesmo que
informais (são mesmo raras a excepções a contrariar esta desfaçatez, pelo que
se saúda a
frontalidade de Miguel Poiares Maduro quando este se diz
“ofendido”, como ex-ministro, por se achar normal a aceitação deste tipo de
presentes).
E miséria moral por se perceber como em Portugal é possível estar
sistematicamente embrulhado em casos duvidosos e ainda se reivindicar estatuto
de intocabilidade. É que é isso que se passa com o mais notório dos
secretários de Estado demissionários, Rocha Andrade, alguém que continua a
achar lícito tudo o que fez – apesar de isso o inibir de seguir o contencioso
do Estado com a GALP na frente fiscal, e que já vai em 240
milhões de euros. Ora, Rocha Andrade é o mesmo que, enquanto
secretário de Estado de António Costa nos tempos em que este foi MAI, promoveu
a compra de seis helicópteros de combate a incêndio Kamov, helicópteros esses
que nunca desempenharam bem a sua missão, operação essa em que Rocha Andrade,
de acordo com a apreciação do Tribunal de Contas, não
acautelou “o interesse público”. Assim como é o mesmo que optou por
renegociar o SIRESP com o consórcio liderado pela SLN apesar de existir uma
proposta alternativa, uma renegociação em que não se tocou no essencial daquela
PPP – a
escandalosa margem de rentabilidade de 15% –, antes se tratou
de cortar serviços e funcionalidades, algumas das quais poderiam ter evitado o
colapso do sistema no fogo de Pedrógão Grande.
Em 2007, quando António Costa saiu do MAI para a câmara de Lisboa,
Rocha Andrade ainda sonhou ser secretário de Estado da Defesa, mas na altura as
altas patentes das Forças Armadas conseguiram travar a sua nomeação. Voltou com
o governo da geringonça, como homem de confiança e amigo do primeiro-ministro.
E ser amigo de Costa tem imenso valor, como já vimos com Lacerda Machado, agora
na administração da TAP, como vimos com a ida do filho desse mesmo Lacerda
Machado para técnico especialista da Secretaria de Estado da
Internacionalização, aquela onde ainda está outro dos secretários de Estado do
Galpgate, o mais discreto Jorge Costa Oliveira.
Diz o povo que uma mão lava a outra, e diz com propriedade, mas
são casos como estes, figuras como estas, comportamentos como estes que corroem
um regime. Por dentro.
A ironia, e a desgraça, de tudo isto é que, na verdade, mesmo fora
de prazo os iogurtes (porventura como os lança-granadas) não ficam logo azedos.
Pelo que é pouco provável que a minha explicação inicial seja verdadeira. O
despautério da passada terça-feira não se deve a nenhum desarranjo intestinal
do primeiro-ministro. É mesmo algo que está na sua natureza. E na natureza do
país que atura isto tudo com um mero encolher de ombros.
Malditos usos e costumes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário