Santana Castilho diz tudo o que se passou,
e que parece deixar o país indiferente, com as barbaridades cometidas na
educação escolar, quer em termos de avaliação, quer em termos de estratégias de
ensino, quer de exigências que o não são mais, desde que se permite aquilo que
dantes se chamava de copianço e agora de consulta dos manuais, aquando da
realização dos testes, o que, aliás, nem se deve estranhar, dada a brutalidade
de matérias e exercícios de que se compõe cada disciplina, distribuída por três
ou quatro manuais – (em absurdos paralelismos disciplinares temáticos, como bem
refere Santana Castilho) - como negócio
para fortalecer a economia livreira à custa das famílias e do esqueleto dos
alunos, sobrecarregadas as mochilas materialmente, sem a correspondente sobrecarga
das mentes, dispersas, para mais, nos vícios de uma vacuidade de saberes que as
tecnologias facultam.
A última medida que me chocou, foi a da proposta de participação das
famílias no âmbito escolar, que parece não ser assunto de interesse ao nível da
comunicação social, ou mesmo do parlamento, pois se não discute, como tabu de
que se acorda quando já estiver fixado nos hábitos de um país a resvalar para a
imbecilidade e a indigência em tantos níveis. É o salve-se quem puder em todo o
seu alastramento, que os desmandos vocabulares de vários responsáveis
políticos, tais as “competividades” e os “acórdos” da fixação ministerial, são
retrato, definitivamente assente na mesquinhez da nossa marginalidade e na
inutilidade de qualquer apelo ao bom senso.
O artigo de Santana Castilho deveria ser bem meditado, mas redundará,
naturalmente, na inanidade do nosso desinteresse, tal o Acordo Ortográfico dos
nossos fogachos protestantes.
Ponderação versus aventureirismo
Na Educação faltava a costumada caldeirada
tecnológica. Aí a temos sob o título “Estratégia TIC 2020”.
Público, 9 de
agosto de 2017
Santana Castilho
As intervenções do PS em Educação permitem identificar um padrão de
tendências notórias: para o facilitismo “eduquês”, para o experimentalismo
pedagógico irresponsável e para falíveis modernismos tecnológicos. Se
acrescentarmos o ódio aos professores do tempo de Maria de Lurdes Rodrigues,
fica feita a ecografia às partes moles dos governos do PS dos últimos tempos.
O vazio de ideias do ministro Tiago Rodrigues foi preenchido pela torrente
de iniciativas desastradas do secretário de Estado João Costa: o espectáculo
degradante em matéria de avaliação, com três modelos vigentes num mesmo ano,
com a recuperação de provas outrora abandonadas por inúteis, com o ministro a
desmentir o primeiro-ministro e vice-versa e os deputados do PS a votarem
contra o programa do seu próprio Governo; um perfil de alunos para o século
XXI, repositório de conceitos banais copiados de publicações não citadas, que
endeusou as “aprendizagens essenciais”, ao mesmo tempo que o ministro decretou
o fim dos “saberes essenciais”; um pomposo Plano Nacional de Promoção do
Sucesso Escolar, rapidamente afirmado como desilusão maior que a ilusão que o
promoveu, e uma miserável flexibilidade curricular, instrumento de
desconstrução curricular e imposição de transdisciplinaridade boba.
Faltava a costumada caldeirada tecnológica. Aí a temos sob o título
“Estratégia TIC 2020”, transportando-me, irremediavelmente porque tenho
memória, ao falido Plano Tecnológico da Educação, que, dizia Sócrates em 2007,
iria “colocar Portugal entre os cinco países europeus mais avançados em matéria
de modernização tecnológica”. Melhor fora que a prosa de cabresto dos discípulos que serviram a
criatura e agora nos trazem mais do mesmo, com a burocracia totalitária das
plataformas digitais, tivesse, ao menos, o decoro de se libertar dos esqueletos
dos famigerados Magalhães. Não para desentupir as sarjetas a que foram parar.
Mas para exorcizar os negócios que proporcionaram. Aqui, na Venezuela e em
Timor.
A deriva palavrosa que embrulha a coisa tem neologismos curiosos: “usabilidade”
e “interoperabilidade”, por exemplo. E plataformas excitantes: uma “para
gestão das diferentes componentes de negócio do recrutamento e gestão de
carreiras na área da educação” e outra de “big data [sic] para
tratamento de informação financeira”. Negócio de recrutamento? Big
data?
Enquanto isto, já temos lei que impõe a adopção de manuais digitais para
uso em tablets e João Costa disse que vai avaliar as condições que as
escolas têm para aplicar a medida. Falta avaliar os riscos do aventureirismo
sem ponderação. É inegável que os tablets permitem armazenar muitos
livros, protegendo do peso das mochilas as colunas vertebrais, sem abdominais
nem dorsais que as sustentem, de crianças obesas, em parte porque se tornaram
escravas sedentárias da “usabilidade” e da “interoperabilidade”
de tablets, smartphones e demais gadgets do século XXI. Mas já há reflexão que
importa e desaconselha a substituição radical do papel pelo digital.
Nos EUA fizeram contas e
concluíram que o uso de tablets multiplicou
por cinco o custo dos clássicos manuais. Porque são caros, partem-se facilmente
e não se arranjam facilmente. Ficam obsoletos rapidamente, como convém ao
negócio. E há que pagar royalties anuais
a editores, custos de infra-estruturas wi-fi e treino de professores para os
usar. E quanto ao ambiente? Desenganem-se os ecologistas porque, segundo
o The New York Times de
4 de Abril de 2010 (How green is my iPad?),
a produção de tablets é
bastante mais destrutiva e perigosa do que a produção de livros em papel. Mas,
acima de tudo, há evidências científicas de que ler em papel facilita a
compreensão e a memorização por comparação com a leitura digital e que a perda
da motricidade fina que a aprendizagem da escrita com papel e lápis permite é
danosa para o desenvolvimento das crianças. Finalmente, há a certeza de que o
preço dos tablets e
a ausência de wi-fi na
casa das crianças pobres as deixará ainda mais para trás.
Professor do ensino
superior
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