quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Livre arbítrio uma ova


Uma revista sobre a história do comunismo que se lê com prazer, mas que provocou naturais reacções nos comentaristas, ainda sob o efeito iluminista da sua musa recente, e que se abespinharam com a referência à música e bifanas com que festejam a sua saliência cá no burgo. A mim o que me perturbou mais foi a afirmação «O comunismo e a ditadura associaram-se sempre, sem excepção», que parece excluir outras formas de ditadura, de que o nazismo foi exemplo brilhante, e o absolutismo, para não falar dos Neros das monstruosidades imperialistas de outros tempos. E hoje, que vivemos em democracia, ao que se diz, por cá, esse sentimento da “ditadura do caos libertário” que não permite mais as normas do respeito e da ordem, de que as escolas são exemplo-mor, entre os juniores, e as fugas ao fisco entre os seniores, fazendo outros pagar por tais desmandos concedidos na democracia, interrogamo-nos sobre isso que afirma António Barreto, de que é essa que se deve comemorar. Sim, se democracia fosse sinónimo de equilíbrio e respeito generalizado, mas há muito que a Justiça nesse regime perdeu a venda dos olhos e a sua norma da “dura lex”, numa permissividade ruinosa e injusta, e que se reflecte, entre nós, nos incêndios sem conta nem medida do nosso apocalipse.

Cem anos. Tantos anos!
D.N., 13/8/17
António Barreto
Com a chegada dos dias santos de Setembro a Novembro, começam as comemorações. Na Praça Vermelha, em Moscovo, com pouco lustro e ainda menos entusiasmo. Na Praça Kim Il-sung, em Pyonyang, com aprumo e disciplina. Na Praça da Revolução, em Habana, com rum e saudades de Fidel. Na Quinta da Atalaia, na Festa do Avante!, com música e bifanas. E pouco mais. A Grande Revolução Russa está à beira de desaparecer das agendas do presente. O comunismo, seu principal herdeiro, deixou rastos de dor, nunca se saberá se mais ou menos do que o nazismo.
O século XX ficará talvez na história como o mais sangrento. Duas guerras mundiais, uma dúzia de guerras coloniais, dezenas de guerras regionais, ainda mais guerras civis e algumas centenas de milhões de mortos por violência política. A técnica de extermínio foi elevada a cumes nunca vistos, no Gulag soviético, nos campos nazis e na revolução cultural chinesa, sem falar nas execuções sistemáticas do Ruanda e do Camboja, entre muitas outras. Foi neste século que se generalizou a tortura e se inaugurou a guerra biológica e química, assim como a explosão de bombas atómicas. Foi este o século em que os alvos deixaram de ser essencialmente militares e passaram a ser civis. De Londres a Estalinegrado e Dresden, de Phnom Penh a Aleppo e a Mossul, a geografia do horror de massas deixa poucas esperanças e nenhumas dúvidas.
Também é verdade que foi neste século que uma centena e meia de países adquiriram a sua independência, que o capitalismo dominante se comprometeu com a democracia, que os direitos do homem fizeram caminho, que o racismo como sistema recuou e que o desenvolvimento científico, económico e social mais progrediu. Sim. Neste balanço do século, o melhor vai para a ciência, a democracia e talvez a cultura. Mas o horror foi muito e nunca visto antes.
O pior, pela dimensão, pela violência, pelo número de vítimas e pela duração, vai para o comunismo. Ou é partilhado com o nazismo. É seguramente um dos mistérios do século, ou antes, um dos problemas difíceis de resolver: por que razão ainda há comemorações? Por que motivos ainda há quem se intitule orgulhosamente comunista? O que faz que o antifascista seja um herói e o anticomunista um selvagem? Como é possível que, ainda hoje, universidades, escritores, políticos, intelectuais, sindicalistas e trabalhadores aceitem que o comunismo tenha sido um avanço na história da humanidade?
A guerra civil, a execução de aristocratas e "russos brancos", o assassínio de rivais, a eliminação de democratas, os massacres de milhões de camponeses, de judeus, de cossacos e de tártaros, o Gulag contra toda a gente, a perseguição de "cosmopolitas", intelectuais e liberais, a censura, os trabalhos forçados, a fome programada e a destruição espiritual e física de todos os que não se submeteram são os pergaminhos de um dos mais tenebrosos sistemas políticos que a história conheceu. Mas os idiotas úteis continuam a dizer que o comunismo tinha desculpa, porque era em nome do povo! Que não foi assim tão mau, porque era contra o capitalismo. Que cumpriu a sua função, porque desenvolveu a Rússia!
As sociedades democráticas conseguiram compor com o capitalismo, que, com o tempo, se foi separando da ditadura - o que nunca aconteceu com o comunismo. Este e a ditadura associaram-se sempre, sem excepção. O convívio do comunismo com a democracia nunca aconteceu. Nem sequer na China, onde o comunismo conseguiu compor com o capitalismo, mas não com a democracia.
O fim do comunismo impressiona pela sua fragilidade (François Furet), pela rapidez com que desapareceu, pela maneira como ninguém veio em seu socorro. O comunismo dependeu do regime soviético. Acabado este, acabou aquele. O que sobra hoje é um pequeno conjunto de caricaturas: a Coreia do Norte, Cuba e o PCP...
O que os exércitos não conquistaram, a Rússia, foi obtido pelo capitalismo. O que o nazismo não conseguiu, derrotar o comunismo e a União Soviética, foi alcançado pela liberdade e pela democracia. É esse o aniversário a comemorar. Por muitos anos!

Comentário de Jorge Tavares ao artigo de António Barreto
Já repararam que fascismo e comunismo são praticamente a mesma coisa? Sob o comunismo, os funcionários do governo adquirem todas as vantagens da propriedade, sem nenhuma das responsabilidades, uma vez que não possuem o título da propriedade, mas sim o direito de usá-la - pelo menos até a próxima purga. O fascismo é um sistema político que finge que os indivíduos detêm propriedade privada, mas em que o governo possui poder absoluto sobre o seu uso. A definição do dicionário do fascismo é: "um sistema governamental com forte poder centralizado, não permitindo oposição ou crítica, controlando todos os assuntos da nação (industrial, comercial, etc.), enfatizando um nacionalismo agressivo." Em ambos os casos, os funcionários do governo possuem o poder económico, político e legal da vida ou da morte sobre os cidadãos. Escusado será dizer que, sob qualquer sistema, as desigualdades de rendimentos e níveis de vida são maiores do que em qualquer economia livre - e a posição de um homem é determinada, não por sua capacidade e conquista produtivas, mas pelo seu poder e contactos políticos. O total de mortes causadas pelos nazis e fascistas é estimado em cerca de 20 milhões. Na União Soviética, na China e no Cambodja, as estimativas são de quase 70 milhões.

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