Diferentes nos temas e nos
espaços de referência, já também afastados de duas semanas nas suas escritas, os
dois artigos de opinião que seguem mantêm a sua visibilidade, na pujança da força
humana que faz que os casos referidos, tristemente caricatos, sejam um dia
registados na História – quem sabe? – como feitos de heroísmo e glória, ou de
puras banalidades que, todavia, ajudam a definir as idiossincrasias dos povos e
das gentes, na efervescência contínua dos arranjinhos da ambição e do poder.
Inimigos da democracia, lá e cá
Nicolás Maduro, o
mais recente membro do clube de ditadores, é apoiado por um partido português.
Diogo Queiroz de
Andrade - EDITORIAL
Público, 2 de agosto de
2017
A
Venezuela deixou de ser uma democracia. Tem presos políticos, tem um governo
com um líder autocrático, tem os tribunais manietados, a tropa está na rua para
impedir a liberdade e a nação está a caminho de possuir uma Constituição
ilegítima.
Dois
líderes da oposição voltaram a ser detidos durante a noite, sem indicação do
local para onde iam, nem identificação dos agentes envolvidos. Leopoldo López e
Antonio Ledezma estão condenados em processos que são políticos — que devem
agora estender-se a outras figuras que se opõem ao Governo. Trezentos e setenta
mil soldados estão mobilizados desde sábado para garantir que o poder se mantém
do lado do Governo, de preferência com menos manifestações activas e com mais
liberdades suprimidas.
O
líder Nicolás Maduro continua a fuga para a frente, porque tudo o que está a
acontecer visa apenas e só manter o poder. Não importa quantos venezuelanos
morram de fome ou dos tiros antimanifestantes. A única coisa que importa a
Maduro é manter a liderança — o poder e o seu programa de rádio em que continua
a passar salsa para entreter as massas que ainda o escutam. Este é o mesmo
homem que acusou potências estrangeiras de infectar Chávez com cancro, que
governa por decreto, que destruiu o tecido produtivo em nome de uma política
corrupta para beneficiar os seus aliados e tornar o território uma plataforma
privilegiada para o tráfico de droga.
As
instituições internacionais não se deixam enganar: os Estados Unidos já
condenaram o regime e apreenderam os bens dos líderes; o Parlamento Europeu
pede que a União Europeia faça exactamente o mesmo; a Amnistia Internacional
acusa o Governo de tentar desesperadamente silenciar todas as formas de crítica
e de estar a arrastar o país para a ruptura; e o responsável das Nações Unidas
pelos direitos humanos assume estar profundamente preocupado com a situação dos
presos políticos.
É
incompreensível que se continue a defender este regime, como o faz o PCP. Não é
uma novidade histórica, muito menos vindo de quem se mantém admirador da Coreia
do Norte. Mas é grave que
assim seja e é prova do atraso que vive quem insistem em olhar para o mundo com
os olhos cegos pela ideologia. A liderança comunista portuguesa assume-se como
cúmplice dos polícias que matam manifestantes e das políticas que matam os
venezuelanos à fome. No meio há portugueses.
Uma história que nos empobreceu e nos envergonha
Público, 16 de agosto de 2017
Manuel Carvalho
A crónica
da morte anunciada da PT é muito mais do que o relato de uma falência ou a
história de uma companhia que correu mal. É principalmente uma crónica de
costumes. Uma novela, onde a patifaria, a falta de escrúpulos e o perfume da
corrupção atravessa diferentes elites do poder económico e do poder político
para se abater sobre um país afundado numa grave crise financeira e moral.
Tanto como os danos resultantes da destruição
de uma empresa inovadora que poderia
servir de baluarte à modernização e à internacionalização da economia nacional,
a história sórdida da agonia da PT e as movimentações crápulas da maioria dos
seus principais dirigentes deixa em Portugal e nos portugueses uma sensação de
vulnerabilidade que só o sistema judicial poderá um dia resgatar.
Há muito se
sabia que o capitalismo português não passava de um libreto de uma ópera
cómica. Há muito que se suspeitava que as teias relacionais entre as elites
financeiras da capital e o poder político tinham criado um sistema que se
defendia e se perpetuava em relações conspícuas. Durante a
tenebrosa era de José Sócrates, essas
redes viveram no ambiente ideal para prosperar e perder qualquer laivo de
vergonha. O alto patrocínio de São Bento foi para Ricardo Salgado e os seus
sequazes mais do que uma autorização: foi um incentivo para que a PT fosse
transformada num cadáver onde os abutres pudessem saciar as suas necessidades
financeiras.
Tudo
aconteceu sem que os reguladores vissem, sem que altos quadros da PT
denunciassem, sem que a imprensa se empenhasse em perceber, sem que as
instâncias judiciais fossem capazes de antecipar o que estava em jogo. O
falhanço da PT, sendo consequência de uma cultura irresponsável, é também o
falhanço do país que fomos nesses anos perdidos da primeira década do século.
Perdida a
glória da PT, encaixada a destruição de valor, resta exigir que a Justiça faça
o seu caminho. Resta também desenvolver mecanismos de vigilância que evitem a
repetição de uma vergonha assim. Se houve um mérito no período
de ajustamento foi o de
trazer para a luz do dia a venalidade e velhacaria que se cultivavam entre os
donos disto tudo. Hoje já não há empresas como a PT para extorquir. Esperemos
que a denúncia de investigações jornalísticas como a da Cristina Ferreira ou a
punição judicial sejam capazes de travar por muitos anos a germinação de redes
como as que arrasaram a PT.
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