domingo, 13 de agosto de 2017

Sem palavras


A indignação de Alberto Gonçalves é muita, naturalmente, contra as baboseiras dos discursos de esquerda atacando o turismo estrangeiro, cuja participação positiva na nossa economia negativa é alvo, não de aceitação e estímulo, mas de repúdio e rancor, por se tratar, naturalmente, de gente de estabilidade financeira, a possibilitar reparação de brechas deficitárias, e não de comunidades de refugiados que é necessário proteger para provarmos o nosso espírito de abertura e aceitação, que a imprensa registará para ajudar à festa democrática. Após ter lido o artigo de Alberto Gonçalves, assisti, na TV Memória, a um show já antigo de Maria de Céu Guerra, sobre o casamento e as mulheres, que dos homens não necessitam, numa torpeza de discurso homofóbico, directo e estimulante de sentimentos grosseiros e toscos, apelativo do riso alvar da plateia e da deseducação do povo, responsável, sem dúvida, pelo aumento da violência doméstica entre nós, com expansão do crime. O mesmo direi doutros momentos revisteiros, aparentemente humorísticos, que se lhe seguiram, na TV Memória, forma gritante de expressar a nossa falta de nível educacional, que a equiparação com “Les années bonheur” de Patrick Sébastien, que vi a seguir na TV5, em refúgio contra os desabafos incendiários e futebolísticos do telejornal, mais acentuou de revolta e asco, como os que inspiram Alberto Gonçalves. Não, não há palavras, ou antes, há as de Alberto Gonçalves, bem mais eficazes de humor sarcástico, na evidência dos nossos muitos desmandos, de que a esquerda há muito se encarrega. Ficou o encanto do espectáculo de Patrick Sébastien, pleno de graça e beleza, como copo de água fresca a dessedentar-nos em dia de canícula. Mas artigos como este de Alberto Gonçalves fazem acentuar o sentimento de tristeza pela estreita eficácia sobre uma mudança que não chega mais, no descaminho cultural que nos impele.

A estátua da nulidade
OBSERVADOR, 12/8/2017
O turismo, escusado dizer, é hoje a actividade mais desprezível ao alcance do ser humano, uns degraus abaixo do abuso de velhinhas e da participação voluntária no “Prós e Contras”.

Na semana passada, escrevi aqui sobre o surto de xenofobia que deseja escorraçar estrangeiros. Acrescento que a tendência se limita aos estrangeiros que, com grande desfaçatez, pretendem visitar as nossas praias, comer nos nossos restaurantes, dormir nos nossos hotéis, engordar o nosso PIB e, em suma, fazer turismo. O turismo, escusado dizer, é hoje a actividade mais desprezível ao alcance do ser humano, uns degraus abaixo do abuso de velhinhas e da participação voluntária no “Prós e Contras”. Por isso, abominar os alemães, espanhóis ou coreanos que andam por aí, de mapa em punho, a contaminar a pureza da raça e da cidade lusitana, nem sequer é bem xenofobia. No máximo, é uma reacção patriótica, um acto louvável de resistência ao “outro” que não perturba a sensibilidade dos que gritam “racismo” a uma crítica negativa da Obra de Jay-Z.
De resto, qualquer tentativa de reduzir os portugueses a um povo xenófobo seria absurda. Em primeiro lugar, porque os portugueses que odeiam turistas são só aqueles que dispõem dos “media” para partilhar a sua compreensível raiva. Em segundo lugar, porque, além de odiarem turistas, os xenófobos bonzinhos também odeiam a xenofobia. Em terceiro lugar, porque possuímos conterrâneos do calibre de Luís Silva, o herói que, sem receio de arranjar bolhas nos pés e aparecer no “Público”, executa “uma caminhada solitária de 500 quilómetros pela costa alentejana e algarvia até à fronteira com Espanha” a fim de “angariar fundos para associações que ajudam refugiados” (de modo a simular as condições dos ditos, Luís Silva “leva na mochila uma muda de roupa, uma lata de salsichas e de atum e um saco-cama”. O “Público” não informa se, a benefício do realismo, o rapaz tentará afogar um cristão na Praia da Rocha). Em quarto lugar, porque não há xenofobia má num país cujo governo isenta os estrangeiros de condições formais para adquirirem autorização de residência e não expulsa os que cometerem “homicídios, roubos violentos ou tráfico de droga”.
Leram? Comparado com isto, o texto no pedestal da Estátua da Liberdade é o “Mein Kampf”. “Dêem-me os exaustos, os pobres, as massas oprimidas que anseiam por respirar em liberdade”, etc. Não brinquem comigo: Portugal podia, e devia, plantar no Tejo uma estátua do dr. Costa com calção de banho e telemóvel ligado, a pedir ao mundo que lhe enviasse os desempregados, os candidatos a subsídios e habitações “sociais”, os assassinos, os ladrões, os traficantes, os violadores, os bombistas, os zarolhos e os sifilíticos. E que aceitasse de volta os insuportáveis turistas, incapazes de cumprir um único dos critérios estipulados pela esquerda para que uma pessoa possa ser respeitada.
Sobra um pequeno problema, o dos portugueses que tencionam viajar lá fora e arriscam-se ao tratamento de repulsa providenciado cá dentro. Por sorte, existe igualmente uma grande solução: basta chegar à alfândega, exibir a carteira vazia e invocar um dos diversos estatutos admissíveis, de preguiçoso amador a terrorista profissional. Se a reciprocidade internacional valer de alguma coisa, não apenas conseguiremos férias sossegadas, mas férias pagas.
Notas de rodapé:
1. Adeptos de um clube agridem um repórter televisivo. Não me interessa o clube em causa. Mas acho interessante que a televisão seja a CMTV, a qual, para não ofender os simpatizantes do tal clube – que pelos vistos representam boa parte das respectivas audiências –, dedica ao sucedido o tempo que dedicaria à criação de trutas na Finlândia. Eis, pois, um canal que prefere ver os seus funcionários espancados do que arranjar chatices. São critérios editoriais, que estranhamente não retiram à CMTV certa fama de independência e valentia. E o engraçado, se estas coisas têm graça, é que o equívoco está longe de se esgotar no futebol. No resto, sob o fascínio por incêndios, uma obsessão por fardas, a violência “doméstica”, as tarólogas, os “casos” de “possessão demoníaca”, o sentimentalismo, o “social” e tudo aquilo que passa por entretenimento nos dias que correm, o que distingue a CMTV da vassalagem ao poder de uma TVI? Sobretudo Sócrates, cujas deploráveis figuras a estação nunca cessou de denunciar, ao contrário da concorrência e por motivos que o vulgo não alcança. Se o vulgo alcançasse, perceberia melhor o estado do jornalismo em Portugal. E o estado de Portugal.
2. Por falar em futebol e em televisão, constato que se anuncia com arrebatamento a chegada das “novas tecnologias” às transmissões dos jogos. Só não estou na rua a festejar o acontecimento porque descubro a tempo que as “novas tecnologias”, ou “vídeo-árbitro”, consistem justamente nisso: um árbitro a olhar para um vídeo. No mundo real, isto seria novo em 1970. No mundo da bola, cujos “agentes” parecem com frequência habitar o paleolítico, as novidades merecem um desconto.

3. Nas chamadas “redes sociais”, nota-se certa indignação face ao apoio da nossa extrema-esquerda ao regime do sr. Maduro. É preciso paciência. Desde tempos imemoriais que, por estas ou outras palavras, a nossa extrema-esquerda se especializou na defesa frenética de cada sociopata disponível, logo que este chacinasse trabalhadores em prol do respectivo progresso. E ainda há quem se espante com o facto. É quase uma desfeita, no mínimo um acto de desconsideração. Sem vestígio de pudor, pensadores como o dr. Louçã, o prof. Boaventura e a redacção do “Avante!” em peso andam há décadas, aos saltos e aos berros, a criticar as democracias e a louvar tiranias sortidas. Não obstante, continua a haver pasmados que, indiferentes ao esforço alheio, ouvem as alucinações dos vultos citados sobre a Venezuela e não acreditam nos próprios ouvidos: “Olha que vergonha, o senhor professor arquitecto Louçã está ao lado do orangotango de Caracas contra o povo!”. Meus caros: está, esteve e estará. O socialismo não é “científico” por acaso, mas porque falha com meticulosa exactidão. Excepto nas camadas superficiais e infantis da retórica, o dr. Louçã e as criaturas que disputam o pântano leninista com o dr. Louçã nunca, nunca, nunca preferiram a liberdade à ditadura, a justiça à opressão, a civilização à barbárie. Em mais do que um sentido, essa gente representa exactamente a ditadura, a opressão e a barbárie. No dia em que deixar de representar, podem espantar-se à vontade.

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