A indignação de Alberto
Gonçalves é muita, naturalmente, contra as baboseiras dos discursos de esquerda
atacando o turismo estrangeiro, cuja participação positiva na nossa economia
negativa é alvo, não de aceitação e estímulo, mas de repúdio e rancor, por se
tratar, naturalmente, de gente de estabilidade financeira, a possibilitar
reparação de brechas deficitárias, e não de comunidades de refugiados que é
necessário proteger para provarmos o nosso espírito de abertura e aceitação,
que a imprensa registará para ajudar à festa democrática. Após ter lido o artigo
de Alberto Gonçalves, assisti, na TV Memória, a um show já antigo de Maria de
Céu Guerra, sobre o casamento e as mulheres, que dos homens não necessitam,
numa torpeza de discurso homofóbico, directo e estimulante de sentimentos
grosseiros e toscos, apelativo do riso alvar da plateia e da deseducação do
povo, responsável, sem dúvida, pelo aumento da violência doméstica entre nós,
com expansão do crime. O mesmo direi doutros momentos revisteiros,
aparentemente humorísticos, que se lhe seguiram, na TV Memória, forma gritante
de expressar a nossa falta de nível educacional, que a equiparação com “Les
années bonheur” de Patrick Sébastien, que vi a seguir na TV5, em refúgio contra
os desabafos incendiários e futebolísticos do telejornal, mais acentuou de
revolta e asco, como os que inspiram Alberto Gonçalves. Não, não há palavras,
ou antes, há as de Alberto Gonçalves, bem mais eficazes de humor sarcástico, na
evidência dos nossos muitos desmandos, de que a esquerda há muito se encarrega.
Ficou o encanto do espectáculo de Patrick Sébastien, pleno de graça e beleza,
como copo de água fresca a dessedentar-nos em dia de canícula. Mas artigos como
este de Alberto Gonçalves fazem acentuar o sentimento de tristeza pela estreita
eficácia sobre uma mudança que não chega mais, no descaminho cultural que nos
impele.
A estátua
da nulidade
OBSERVADOR, 12/8/2017
O turismo, escusado
dizer, é hoje a actividade mais desprezível ao alcance do ser humano, uns
degraus abaixo do abuso de velhinhas e da participação voluntária no “Prós e
Contras”.
Na semana passada, escrevi aqui sobre o surto
de xenofobia que deseja escorraçar estrangeiros. Acrescento que a tendência se limita aos
estrangeiros que, com grande desfaçatez, pretendem visitar as nossas praias,
comer nos nossos restaurantes, dormir nos nossos hotéis, engordar o nosso PIB
e, em suma, fazer turismo. O turismo, escusado dizer, é hoje a
actividade mais desprezível ao alcance do ser humano, uns degraus abaixo do
abuso de velhinhas e da participação voluntária no “Prós e Contras”. Por
isso, abominar os alemães, espanhóis ou coreanos que andam por aí, de mapa em
punho, a contaminar a pureza da raça e da cidade lusitana, nem sequer é bem
xenofobia. No máximo, é uma reacção patriótica, um acto louvável de resistência
ao “outro” que não perturba a sensibilidade dos que gritam “racismo” a uma
crítica negativa da Obra de Jay-Z.
De resto, qualquer tentativa de reduzir os
portugueses a um povo xenófobo seria absurda. Em primeiro lugar, porque os
portugueses que odeiam turistas são só aqueles que dispõem dos “media” para
partilhar a sua compreensível raiva. Em segundo lugar, porque, além de odiarem
turistas, os xenófobos bonzinhos também odeiam a xenofobia. Em terceiro lugar,
porque possuímos conterrâneos do calibre de Luís Silva, o herói que, sem receio
de arranjar bolhas nos pés e aparecer no “Público”, executa “uma caminhada solitária
de 500 quilómetros pela costa alentejana e algarvia até à fronteira com
Espanha” a fim de “angariar fundos para associações que ajudam refugiados” (de
modo a simular as condições dos ditos, Luís Silva “leva na mochila uma muda de
roupa, uma lata de salsichas e de atum e um saco-cama”. O “Público” não informa
se, a benefício do realismo, o rapaz tentará afogar um cristão na Praia da
Rocha). Em quarto lugar, porque não há xenofobia má num país cujo governo
isenta os estrangeiros de condições formais para adquirirem autorização de
residência e não expulsa os que cometerem “homicídios, roubos violentos ou
tráfico de droga”.
Leram? Comparado com isto, o texto no pedestal da Estátua da Liberdade é o
“Mein Kampf”. “Dêem-me os exaustos, os
pobres, as massas oprimidas que anseiam por respirar em liberdade”, etc. Não
brinquem comigo: Portugal podia, e devia, plantar no Tejo uma estátua do dr.
Costa com calção de banho e telemóvel ligado, a pedir ao mundo que lhe enviasse
os desempregados, os candidatos a subsídios e habitações “sociais”, os
assassinos, os ladrões, os traficantes, os violadores, os bombistas, os
zarolhos e os sifilíticos. E que aceitasse de volta os insuportáveis turistas,
incapazes de cumprir um único dos critérios estipulados pela esquerda para que
uma pessoa possa ser respeitada.
Sobra um pequeno problema, o dos portugueses que tencionam viajar lá fora e
arriscam-se ao tratamento de repulsa providenciado cá dentro. Por sorte, existe
igualmente uma grande solução: basta chegar à alfândega, exibir a carteira
vazia e invocar um dos diversos estatutos admissíveis, de preguiçoso amador
a terrorista profissional. Se a reciprocidade internacional valer de alguma
coisa, não apenas conseguiremos férias sossegadas, mas férias pagas.
Notas de
rodapé:
1. Adeptos de um clube agridem um repórter televisivo. Não me interessa
o clube em causa. Mas acho interessante que a televisão seja a CMTV, a qual,
para não ofender os simpatizantes do tal clube – que pelos vistos representam
boa parte das respectivas audiências –, dedica ao sucedido o tempo que
dedicaria à criação de trutas na Finlândia. Eis, pois, um canal que prefere ver
os seus funcionários espancados do que arranjar chatices. São critérios
editoriais, que estranhamente não retiram à CMTV certa fama de independência e
valentia. E o engraçado, se estas coisas têm graça, é que o equívoco está longe
de se esgotar no futebol. No resto, sob o fascínio por incêndios, uma obsessão
por fardas, a violência “doméstica”, as tarólogas, os “casos” de “possessão
demoníaca”, o sentimentalismo, o “social” e tudo aquilo que passa por
entretenimento nos dias que correm, o que distingue a CMTV da vassalagem ao
poder de uma TVI? Sobretudo Sócrates, cujas deploráveis figuras a estação nunca
cessou de denunciar, ao contrário da concorrência e por motivos que o vulgo não
alcança. Se o vulgo alcançasse, perceberia melhor o estado do jornalismo em
Portugal. E o estado de Portugal.
2. Por falar em futebol e em televisão, constato que se anuncia com
arrebatamento a chegada das “novas tecnologias” às transmissões
dos jogos. Só não estou na rua a festejar o acontecimento porque descubro a
tempo que as “novas tecnologias”, ou “vídeo-árbitro”, consistem justamente
nisso: um árbitro a olhar para um vídeo. No mundo real, isto seria novo em 1970.
No mundo da bola, cujos “agentes” parecem com frequência habitar o paleolítico,
as novidades merecem um desconto.
3. Nas
chamadas “redes sociais”, nota-se certa indignação face ao apoio da nossa
extrema-esquerda ao regime do sr. Maduro. É preciso paciência. Desde tempos
imemoriais que, por estas ou outras palavras, a nossa extrema-esquerda se
especializou na defesa frenética de cada sociopata disponível, logo que este
chacinasse trabalhadores em prol do respectivo progresso. E ainda há quem se
espante com o facto. É quase uma desfeita, no mínimo um acto de
desconsideração. Sem vestígio de pudor, pensadores como o dr. Louçã, o prof.
Boaventura e a redacção do “Avante!” em peso andam há décadas, aos saltos e aos
berros, a criticar as democracias e a louvar tiranias sortidas. Não obstante,
continua a haver pasmados que, indiferentes ao esforço alheio, ouvem as
alucinações dos vultos citados sobre a Venezuela e não acreditam nos próprios
ouvidos: “Olha que vergonha, o senhor professor arquitecto Louçã está ao lado
do orangotango de Caracas contra o povo!”. Meus caros: está, esteve e estará. O
socialismo não é “científico” por acaso, mas porque falha com meticulosa
exactidão. Excepto nas camadas superficiais e infantis da retórica, o dr. Louçã
e as criaturas que disputam o pântano leninista com o dr. Louçã nunca, nunca,
nunca preferiram a liberdade à ditadura, a justiça à opressão, a civilização à
barbárie. Em mais do que um sentido, essa gente representa exactamente a
ditadura, a opressão e a barbárie. No dia em que deixar de representar, podem
espantar-se à vontade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário