Provavelmente como qualquer outro cidadão do meu país, sobre a era de
progresso turístico que aí vinha, já me tinha perguntado se sempre veio, apesar
dos fogos e das mortes, pois não mais se ouvira falar disso, centrados que
estávamos a ver o fogo e os abraços e os discursos do Presidente televisionados,
de apoio à dor, demarcado dos outros governantes, na sua indignação de afectos
e egocentrismo, ou, provavelmente no seu íntimo desejo de mudança, de um
governo de falsos remendos cosidos com alinhavos. Sentia engulhos de vergonha,
nesse anseio miserabilista de que se mantivessem os propósitos dos turistas de virem
viver para o país onde melhor se vivia, boa gente que somos, e sem terrorismo
daquele de que se falara, mas se deixou de falar momentaneamente, na abjecção
dos nossos novos incêndios devastadores. Se os turistas se retirassem, mal
estaríamos, apesar de António Costa continuar a dançar na corda bamba do seu equilibrismo
de fachada e de promessas a cumprir. Malditos incêndios que vieram lançar por
terra as expectativas turísticas, fortalecedoras da nossa economia, no país que
alguém reconhecera livre da situação de lixo em que vivera.
António Barreto, como sempre, descreve com beleza frásica e clareza de argumento,
tais estados de alma, tais sucessos gloriosos, para logo deslizar pelo matagal
das várias posturas e demarcações dos companheiros de jornada, nos cinismos das
suas jogadas, ou no novo atamancar de mais remendos governativos convincentes, calças de ganga abrindo-se em rasgões a revelar peles de hipotéticos êxtases
libidinosos.
E termina com a foto da perfeição, da beleza e bem-estar num país de
ameaça, que vai galgando a conquistar. Que têm os incêndios do nosso raquitismo
a ver com isso? O verdadeiro incêndio está para vir, na perfeição da sua
frieza, que se vai instalando, avassalando os espaços com sabedoria e mansidão…
chineses…
E lucevan le stelle...
António Barreto
DN, 22/10/17
No céu brilhavam as estrelas! Os portugueses
distinguiam-se em várias modalidades desportivas. Os cruzeiros internacionais
chegavam cada vez mais ao porto de Lisboa. Aumentava o número de estrangeiros
que desejavam viver em Portugal. Abriam hotéis todos os dias. A temporada
turística era maior do que a estação de Verão.
Estava tudo a correr tão bem! As agências
internacionais tinham-se finalmente rendido à justeza da política do governo. A
economia crescia. O desemprego baixava. A exportação aumentava. Os investimentos
estrangeiros batiam à porta. O Novo Banco estava vendido. O Orçamento
negociado: o Bloco gabava-se de tudo o que era bom, mesmo do que não era obra
sua. O PCP exigia tudo o que já obtivera. O governo tinha folga para dar ao
Bloco e ao PCP o que queriam.
Apesar de a CGTP resmungar e a Fenprof vociferar,
reinava a paz social. Magistrados e enfermeiros juntavam-se aos sectores
laborais em luta, mas sem ameaça. O Bloco e o PCP defendiam a solução de
governo. O PSD entrava em crise de liderança e, com eleições dentro de alguns
meses, deixava o governo em paz. O julgamento de Sócrates anunciava-se para
mais tarde e cada vez desaparecia mais a ligação daquele malfadado governo ao
Partido Socialista e aos actuais governantes. As ligações perigosas reveladas
pelo processo Sócrates podiam esperar. Os fantasmas de Lula, Chávez e Maduro
deixavam de ameaçar. O julgamento de Ricardo Salgado parecia estar cada vez
mais longe, dissolvendo-se no tempo as interacções daquele grupo com os
governos, especialmente os socialistas. Pensava-se que era fácil arranjar uma
explicação para o insólito desaparecimento de Tancos e a extravagante aparição
da Chamusca. Manhãs gloriosas e noites tranquilas! Não é possível pedir mais!
Brilhavam as estrelas! E muitos nunca se tinham sentido tão felizes!
Eis senão quando... Parece uma tempestade perfeita! Tudo ruiu, a
confiança e a esperança. A epifania terminou bruscamente. Ao revelarem a
incompetência das instituições, a impreparação dos serviços e talvez o
clientelismo da Protecção Civil, os fogos de Verão destruíram a confiança
reinante. Os relatórios de Pedrógão deixaram a Administração de rastos. A
segunda vaga de incêndios gerou perplexidade e insegurança. Mais de uma centena
de mortes mostraram a vulnerabilidade de um país, a fragilidade de um povo e a
incompetência de um Estado.
Os co-responsáveis por este governo, Bloco e PCP,
depressa declararam que nada tinham que ver com a Protecção Civil e que os
verdadeiros culpados eram os governos de direita. Depois de perderem as eleições
autárquicas, os comunistas decidiram atacar. O Bloco também e entendeu chegado
o momento de rever a sua posição e pensar no futuro.
Hábil e habilidoso, como é
reputado, o primeiro-ministro preparou-se para gerir a crise, como hoje se diz:
arrumar as crises parciais, dissolver as mais graves, puxar pelas coisas boas,
dilatar no tempo as más, adiar problemas, prometer subsídios e anunciar medidas
e dinheiro. Mas essa é a gestão de crise dos burocratas e dos políticos de
laboratório. Está tudo certo, menos o imprevisto, o vital, o sofrimento, a
confiança... E faltam sinceridade e prontidão. E, algures, uma réstia de
humanidade.
A verdade é que quase não há quem pense a floresta,
raros consideram as árvores, poucos estudam os incêndios. O governo preocupa-se
com o Orçamento, os seus aliados e as notícias nos jornais. António Costa pensa
em Lisboa e Bruxelas. Os socialistas são urbanos e interessam-se pelo governo.
Os comunistas são urbanos e alentejanos. O Bloco é urbano e litoral. O PSD está
desgarrado. O CDS não tem força. A direita sonha com negócios, os socialistas
com startups e os comunistas com nacionalizações. O governo tem mais que fazer.
Os autarcas desesperam e garantem que não têm poder nem meios, mas raros se
fizeram ouvir durante o ano. Parece que só o Presidente Marcelo fez o que tinha
a fazer e fez tudo o que podia. O Presidente e os bombeiros.
As minhas fotografias
ANTÓNIO BARRETO
Família chinesa diante da Cidade Proibida, com
soldados, turistas e Mao
Tudo o que ali está parece harmonioso! A pacificada Tiananmen, uma das
maiores praças do mundo, repleta de turistas nacionais e estrangeiros, três
gerações de uma família feliz com a sua sorte, soldados rígidos e hieráticos e
o retrato kitsch de um dos maiores ditadores da história contemporânea. Nesta
semana de Outubro, o congresso do Partido Comunista Chinês, o maior do mundo,
confirmou o seu chefe, Xi, elegeu a sua direcção, estabeleceu que as políticas
de Xi passassem a ser "o pensamento do presidente Xi", autoproclamou-se
a maior economia do mundo, garantiu que a China seria democrática, poderosa,
culta, desenvolvida e bela em 2050. Mais, revelou estar a construir a maior
frota marítima do mundo, as maiores centrais nucleares do mundo e o maior
exército do mundo. Apesar de ser também o país mais poluidor do mundo, decidiu
manter-se no Acordo de Paris e criticou o governo americano por ter saído.
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