domingo, 8 de outubro de 2017

Um Senhor


António Barreto é, de facto, uma figura de relevo que merece medalhas, não só pela sua escrita artística e lúcida, como pelo seu pensamento de seriedade e isenção, apesar do seu percurso pelos vários partidos, ou talvez por esse motivo.
«A 5 de outubro de 2017, foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa», copio da Internet, e julgo que sim, que merece a Ordem da Liberdade, pois não parece pessoa atada a preconceitos, mas apenas a um pensamento de ética que poderia servir de exemplo.
Mais um seu artigo de análise sobre as eleições autárquicas, com dados estatísticos e comentários adequados sobre os resultados dos partidos. E, entre os comentários sobre as perdas ou ganhos dos vários partidos, o reconhecimento de Passos Coelho como alguém que, apesar dos erros, merece destaque pela “decência” e contributo para a melhoria no país.
E mais uma sua foto que se destaca, não só pela nitidez, como pelo seu historial de desumanidade lorpa nacional, que acentua – desta vez, sobre “A penitência das famílias dos presos de Lisboa”. Incroyable!

 A estatística e a política
António BarretoDN, 8/10/17
As "noites eleitorais" são momentos altos da vida democrática. Muitos dos comentários que ouvimos nessa noite parecem saídos directamente de um episódio de humor. Sem rir, um trata o sapo de gato e o outro de rato. Na verdade, trata-se de uma mistura hilariante entre a arte mais fingida, a política, e a ciência mais exacta, a estatística. Quem ganha e quem perde, naquela noite, é do domínio da poesia. Ou da ficção.Apesar de grandes derrotas (Porto, Oeiras) e de vitórias medíocres (Lisboa), o PS foi o grande vencedor. António Costa não escondia a sua aflita alegria. Derrotar aliados é mais problemático do que vencer adversários.Malgrado as poucas perdas (número de câmaras), o PSD ficou de rastos e pagou, com humilhação, quatro anos de troika e dois de miopia. Com serenidade, Passos Coelho não disfarçou a sua incompreensão.Não obstante os miseráveis resultados locais e nacionais, o Bloco de Esquerda, um grande derrotado, apresentou-se como vencedor sorridente, recheado de superioridade e embrulhado em certezas.Derrota pior, quase tão dolorosa quanto a do PSD, foi a do PCP. Perdeu alicerces, bastiões e fortalezas (Beja, Almada, Barreiro). Com inusitado nervosismo, Jerónimo de Sousa ameaçou os eleitores ("Hão-de arrepender-se!").Vitória magra em números (votos e câmaras), mas grande em símbolo (Assunção Cristas em Lisboa) foi a do CDS, que tem agora de saber distinguir o fortuito do essencial.O afastamento de Passos Coelho merece nota. Os seus erros foram certamente muitos e as insuficiências também. Mas não lhe faltaram honra e seriedade para levar a termo o programa de austeridade, sem o que estaríamos hoje em muito piores condições. A sua teimosia, no governo, e a sua miopia, na oposição, nunca o impediram de ser um político decente.Os dados estão lançados. Ou quase. A refundação das esquerdas começou. Dentro de dois ou três anos saberemos os resultados. Qual a relação das esquerdas com a liberdade e a democracia? Qual a opção de esquerda relativamente à segurança e à defesa europeia? Qual a determinação da esquerda perante o terrorismo? Qual o programa da esquerda relativamente ao mercado e à iniciativa privada? No essencial destes temas, a esquerda democrática (o PS) tem património rico, mas, recentemente, revela hesitações. Também a esquerda mais esquerda (o PCP e o Bloco) tem tradições, cada qual as suas, mas opostas à do PS. Depois do êxito destes dois anos de governo comum e após as eleições autárquicas, está aberto o caminho para a reorganização da esquerda! O PS quer ganhar ainda muito. O PCP e o Bloco não querem perder mais.Os tempos vão ser ricos e férteis. Os três partidos da esquerda perceberam exactamente o que os espera: o êxito de um será o fracasso dos outros. Os próximos orçamentos e as políticas públicas a aprovar dentro destes dois anos serão vitais para a definição das esquerdas e das suas fronteiras. Para o PCP e o Bloco, as eleições deixaram de ser importantes: vitais são as leis e o Orçamento.Por feliz coincidência, também as direitas estão em momento crucial de definição e refundação. Estas têm tido grandes dificuldades em acertar contas com o pensamento liberal e as tradições democratas-cristãs. E com uma certa influência social-democrata e reformista. Sem falar na política de "todos os horizontes" populares e democráticos, como se vê pelo facto de ambos os partidos, PSD e CDS, terem também alcunhas ou pseudónimos, PPD e PP. Também aqui parece ter chegado a hora das definições.Esquerdas e direitas, a todos se apresenta ainda uma série de dilemas e de escolhas indispensáveis: que fazer com a identidade nacional? Que fazer com Portugal, a Europa e o euro? Com o nacionalismo e o cosmopolitismo? E como tratar das ligações venenosas com os interesses tóxicos e a corrupção?Vivemos tempos fascinantes! 

As minhas fotografias - A penitência das famílias dos presos de LisboaFrio ou calor, chuva ou sol, nos dias de visita, especialmente aos sábados à tarde, é vê-las, as mulheres dos presos da Penitenciária de Lisboa, em filas de dezenas de pessoas, às vezes com crianças e velhos. O clima já bastaria. Mas a espera agrava. E a falta de um alpendre e de cadeiras e bancos torna as coisas ainda piores. A indignidade do espectáculo é absoluta. Durante anos, não houve alma que se comovesse. Apesar de um ou outro protesto, tudo se manteve. Agora, parece que a Penitenciária vai fechar, segundo anunciou a ministra. Que não se arrependa. Que não lhe doa a mão e que nunca esqueça. O que ali se passa, há anos, é simplesmente escandaloso. Ou indecente. Ou infame. Àquelas mulheres, já não lhes basta ter os maridos, os pais, os irmãos ou os filhos presos, ainda têm de amargar esta espécie de pena forçada ou de praxe sádica que é a miserável exposição. Foto de António Barreto

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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