Mas o mesmo acontece com o
caso da falta de água, é uma seca. Perante gravidade deste último, o da chapa
falsa é simples ouropel. Por isso vamos aceitando estas ilusórias situações de
bem-estar, embalados pelos arranjos precários do governo para nos servir, sob a
batuta dos seus parceiros, e vamos aguardando, “empurrando a bola para a frente”,
até ver.
A propósito, cito o comentário ao texto de Rui
Ramos - Chapa dada, chapa tirada - de um que se assina “Já cheira a Caril”: «Enquanto
os juros andarem baixos, os xuxas gostam é de caviar” - penso que esta frase
resume tudo. Isso e, naturalmente, uma sociedade com um nível de consciência
política colectiva que não deixa muito espaço para evolução.»
Sim, já cheira a caril, para os que beneficiamos com
as últimas provisões do 14º mês. Dá sempre jeito um reforço, mesmo que sirva só
para endireitar um pouco a vida ou ter uma ceia de Natal em beleza, com os
amigos. O que for soará. Afinal, o tempo dos incêndios já acabou por agora,
fora os ameaços. Esperemos pela chuva benéfica. Esperemos sempre por Godot.
Chapa dada, chapa tirada
OBSERVADOR, 17/11/2017
António Costa definiu esta
semana a sua política como sendo de “chapa ganha, chapa distribuída”. O
que não disse foi que muitas chapas distribuídas não são de facto chapas
ganhas, mas chapas falsas.
Na semana em que Mário
Nogueira tomou novamente os filhos dos contribuintes como reféns, para exigir
desta vez um resgate de 650
milhões de euros, Mário Centeno lembrou que a boa conjuntura internacional
pode ter um reverso: taxas de juros mais elevadas, e logo um endividamento
mais caro. Eis uma ocasião para falar da nossa história de sempre: as
boas notícias inspiram exigências, os governos dão, e depois as notícias deixam
de ser boas, e há que tirar o que se deu.
Desde a II Guerra Mundial,
os portugueses conseguiram regularmente prosperar no comércio com a Europa
ocidental, um dos maiores mercados do mundo. Mas também regularmente, essa
prosperidade foi usada pelos governos, da esquerda e da direita, para prometer
e garantir rendas e estatutos para além do que era sustentável. Foi a esta
política que António Costa chamou, esta semana, “chapa ganha, chapa distribuída”. O que não disse
foi que muitas chapas distribuídas não são de facto chapas ganhas, mas chapas
falsas.
A política das “chapas”
não resulta apenas das expectativas e da euforia dos cidadãos, mas do cinismo
de regimes e de governos decididos a ganhar popularidade hoje por meio de
compromissos inviáveis amanhã. Por isso, sempre que o mercado
externo foi menos favorável, houve crises, ou seja, descobriu-se que as chapas
eram falsas. Tivemos então resgates internacionais (em 1978, 1983, 2011),
mas também a degradação das “chapas distribuídas”: no tempo do escudo,
através da inflação, que corroeu silenciosamente salários e prestações sociais,
ou da restrição da protecção estatal aos que já estavam anteriormente
protegidos; na época do euro, através dos cortes e das flexibilizações da
troika. Em qualquer dos casos, foi “chapa dada, chapa tirada”.
A capacidade do país de
aproveitar o mercado europeu diminuiu desde a década de 1980. A
partir de 2000, sem as desvalorizações do escudo, Portugal não foi capaz de
acompanhar a globalização. Limitou-se a explorar os juros do Euro para se
endividar. Entre 2011 e 2014, corrigiram-se desequilíbrios e foi
possível tirar partido da conjuntura internacional. A economia voltou a crescer
e o desemprego diminuiu. Como seria fatal, desembocámos logo numa nova época de
distribuição de chapas. Qual é o problema desta distribuição? Tem favorecido
especialmente o funcionalismo sindicalizado, e, como de costume, não é claro
que seja sustentável.
Que acontecerá se a
conjuntura mudar? Como admitiu Centeno, nem será preciso uma nova crise. Basta
que a prosperidade justifique o fim do dilúvio de dinheiro barato com que os
bancos centrais tentaram diluir a recessão de 2008. As nossas dívidas
apertar-nos-ão logo os pés, como sapatos que encolhessem subitamente. Não
podíamos ter prova mais extrema da nossa vulnerabilidade: sofreremos se a
conjuntura piorar, sofreremos também se continuar a melhorar.
Com uma sociedade
envelhecida, uma carga fiscal que impede a acumulação de património, uma taxa
de poupança quase nula, uma produtividade estagnada, e um governo que, para se
manter no poder, agrava constrangimentos e multiplica compromissos, vai a
história, desta vez, ser diferente? Isto é, vão as chapas valer o que agora
dizem que valem? Os oligarcas dizem que sim. O “diabo não vem”, clamam com
gáudio. Acreditam em Mario Draghi e na sua tipografia de dinheiro. Acreditam
também em António Costa e na sua fábrica de equívocos: como agora, no caso de
Mário Nogueira, em que o governo “cedeu”, mas
para pagar daqui a dois anos, numa próxima legislatura …
Nos meios financeiros internacionais, entretanto, correm rumores ansiosos
sobre o estouro da bolha bolsista gerada pelos juros baixos. Nuno Amado,
o presidente do BCP, disse há dias: “espero que não haja uma nova crise… ”Resta-nos esperar o
mesmo.
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