quarta-feira, 29 de novembro de 2017

E pure si muove


Mais dois artigos assustadores sobre António Costa, o que significa assustadores para o país.
E, no entanto, não parece preocupado, António Costa, e ainda hoje o ouvi expandir – provocatoriamente, é certo, - as suas convicções a respeito da sua vitalidade e alegria por estar onde está e disposto a continuar com igual energia. Creio que foi depois do almoço da aprovação do Orçamento, justificativo da vitalidade. E os dados sobre os anos no governo são inocentes de culpas, nada do que afirmam Rui Ramos e João Miguel Tavares, pessimistas. Esses, e outros, preocupados pela saúde do país, bem se esforçam por lhe apontar erros, quais inquisidores-mores dos tempos em que a Terra era chata e estava parada, segundo a visão ptolomaica, que a Igreja também propalava e que Copérnico e Galileu acharam redonda e a girar. Não, a economia cresce, disse hoje José Rodrigues dos Santos, nas notícias das nove, reproduzindo as estatísticas europeias, e nem sabemos o que pensar de tudo isto, mas queremos crer na estatística europeia, que até é mais favorável do que a do governo, este, em contenção de modéstia, sempre angariadora de simpatia e apoio.
 Mas que António Costa está contente, está, apesar de nos desvendar os seus cansaços e as suas horas sem dormir, disposto a continuar com a sua vitalidade, mau grado as acusações da bela Mortágua sobre a sua falta de lealdade nos compromissos. E a severidade da Mariana até foi muito apreciada por Miguel de Sousa Tavares, na SIC, também escutei isso, que às vezes faço zapping e captei esses dizeres. Não, não catei, que o p pronuncia-se. Até pensei que Miguel de Sousa Tavares exagerara no apreço pela Mariana, por cortesia cavalheiresca, pois que o visual dela, mais a sua voz sussurrante, causam uma emoção de fervor apologético, a que Sousa Tavares não escapou e a mim também provocam arrepios de enlevo, tanta arte lhe encontro, não sei se é isso o que atrai o comentador da SIC, ou se se sente mais no papel de Ulisses agarrado ao mastro, aquando do chamariz das sereias.
Mas vê-se que Rui Ramos e João Miguel Tavares escaparam ao sortilégio, talvez por terem cera nos ouvidos, tais os marinheiros do Ulisses, e daí que se esforcem por fazer singrar a nau com valentia, sem tentações pelo caminho. Eu, é mais êxtase, não só devido ao canto sussurrante, mas ao todo da figura ofuscante.
Quanto às críticas dos dois articulistas, quero pensar positivamente, apesar de Ptolomeu e da Igreja Católica. A Terra move-se mesmo, não sei se é Costa o Sol, se a bela Mariana.
Pelo menos é o que dizem Costa e Mortágua, satisfeitos, apesar da recente acusação desta, de deslealdade nos compromissos do ministro, ou de deslealdade no ministro dos compromissos, mas tanto faz, não devemos ser tão coca-bichinhos.

ORÇAMENTO DO ESTADO
O pior da política
28/11/2017
Aos que agora descobriram que o “fim da austeridade” é afinal a “rendição à Fenprof”, é preciso perguntar: que esperavam que António Costa fizesse para se manter no governo?
Em Outubro de 2015, os eleitores portugueses escolheram entre dois candidatos principais a primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho e António Costa. Optaram maioritariamente por Passos Coelho. Mas umas semanas depois, António Costa, o derrotado, agarrou a desesperada disponibilidade de outro derrotado, o Partido Comunista, que trouxe a reboque o Bloco de Esquerda, e fez os acordos necessários para alcançar no parlamento o que não conseguira nas eleições. Costa fez-se assim primeiro-ministro. Foi há dois anos. Mas agora, depois de aprovado o Orçamento de Estado para 2018, parece haver duvidas outras vez. Quem é o primeiro-ministro? No Diário da República, ainda é António Costa. Mas no Orçamento de Estado, parece que também é Arménio Carlos, à frente dos sindicatos comunistas a quem o governo cede e concede.
Durante dois anos, as eleições de 2015 foram apagadas da história do regime. Se era preciso criticar o governo, que se falasse de “problemas de comunicação”. Da noite de 4 de Outubro de 2015 é que não. Mas esse permanece o ponto de partida necessário para compreender o que se está a passar. A tradição de o governo caber aos partidos vencedores das eleições e não aos derrotados, tinha a sua razão de ser, tal como o costume de os primeiros-ministros precisarem de um mandato eleitoral e não apenas de uma maioria parlamentar. Viu-se isso com Pedro Santana Lopes em 2004, e está-se a ver agora com António Costa. Quando o poder político, numa democracia como esta, não tem a força de uma vitória eleitoral, isto é, da convicção dos eleitores, tende a tornar-se um vazio que nenhum Diário da República, manobra parlamentar ou feitiço orçamental serão capazes de preencher. Aos que hoje se queixam do que antes eram “habilidades” e a que agora chamam “cambalhotas tristes”, ou aos que descobriram que o “fim da austeridade” é afinal a “rendição à Fenprof”, é preciso perguntar: que esperavam, nestas circunstâncias, que António Costa fizesse para se manter no governo, a não ser este circo de concessões ao PCP ou de equívocos com o Bloco de Esquerda?
Entre aqueles que passaram dois anos muito despreocupados, parece que há agora quem se comece a preocupar. Deploram a divisão da população entre os sindicalizados do PCP no Estado, de um lado, e os empregados do sector privado e trabalhadores independentes, do outro. Fazem contas ansiosas, não apenas aos compromissos de aumento de despesa e diminuição da receita para 2018, mas já para 2019. Sabem que governos minoritários socialistas, desesperados por aplauso e suporte, foram os anunciadores de todas as aflições em Portugal nos últimos anos, em 2001 tal como em 2011. As taxas de juro, entretanto, prometem subir, e tornar o nosso endividamento e a nossa baixa produtividade novamente assuntos de conversa entre os investidores. O que custará o fim dos juros baixos a um Estado sobrecarregado de despesa e a cidadãos apertados por uma malha fiscal tão implacável que aumentos de salários podem significar diminuição de rendimento?
Não sei o que vai acontecer. Ninguém sabe, desde que os velhos projectos do regime faliram em 2001-2002. Uma coisa sei, porém: a actual maioria social-comunista nunca será capaz de fazer mais do que o que já fez, que é aumentar os salários e pensões dos dependentes do Estado, com esperança de se reeleger em 2019. Os últimos dois anos provaram que António Costa e os seus parceiros nunca tiveram, de facto, alternativa nenhuma. Porque consumir a folga criada pelo ajustamento da troika, pela política do BCE, pelo petróleo barato e pelo crescimento económico na Europa, compensando eventuais desequilíbrios com cativações e impostos — é um expediente, mas não é um plano. Como ontem se diziam uns aos outros os deputados do PS e do BE, vivemos em Portugal o “pior da política”.
OPINIÂO
A santanização de António Costa
João Miguel Tavares,
Público, 28 de Novembro de 2017
E a polémica do dia é… (rufar de tambores) a sessão de esclarecimento/ inquérito de opinião/ distribuição de vales de compras/ estudo quantitativo (riscar o que não interessa) do Governo na Universidade de Aveiro! Devo fazer aqui uma perturbante confissão: escrevo três dias por semana no PÚBLICO e nem assim consigo acompanhar todas as asneiras produzidas pelo Governo nos últimos tempos. Fogos parte I e parte II, Tancos partes I a XV, legionella, Panteão, professores, Infarmed, focus group, confusões com os parceiros de coligação, há de tudo um pouco e para todos os gostos.
Começa a ser tão cansativo acompanhar esta profusão de casos que talvez valha a pena tentar averiguar o porquê de eles estarem a acontecer a tamanha velocidade. Que raio se passa com António Costa? Todos os políticos cometem erros, e muitas vezes grandes erros. Decisões macroeconómicas que correm mal, leis que encontram oposição inesperada, escolhas pessoais que se revelam um desastre. Mas aqui o ponto é outro — é um surpreendente desnorte não só nos grandes acontecimentos (os fogos, Tancos) mas também nas pequenas coisas, daquelas que não matam mas moem. Ora, porque é que um político que manobrou tão bem em tempos tão difíceis, transformando uma enorme derrota eleitoral do PS numa surpreendente vitória parlamentar, desencantando uma coligação de governo na qual ninguém acreditava; porque é que esse mesmo homem, que até há seis meses parecia ter uma maioria absoluta ao alcance da mão, está agora a comportar-se, em tempos que deveriam ser fáceis, como se fosse Pedro Santana Lopes em 2005?  
Estávamos todos à espera de Satanás, Satanás não veio, e de repente sai-nos um Santanás. António Costa escapou à satanização do país, mas não à santanização de si próprio: trapalhadas, imprudências, hesitações, descoordenações sucessivas no Governo, péssimo instinto político (há acções supostamente de charme que se transformam em desastres para a imagem do Governo), um sem-fim de aselhices, como há muito não se via. E, sobretudo, como não se esperava ver em António Costa. Há um filme chamado Megamind em que o vilão perde o sentido da vida após matar o seu rival. Parece ter-se passado o mesmo com António Costa após o afastamento de Pedro Passos Coelho.
O PS teve uma enorme vitória nas eleições autárquicas e menos de dois meses depois está a apanhar os cacos da sua festa. Porquê? Uma das hipóteses é o primeiro-ministro estar a perder gás e a ficar física e psicologicamente esgotado, tal como o ministro da Educação, mas sem a parte das vertigens. Não estou a brincar. Dois anos de discussões infrenes com os seus supostos aliados (recordo palavras de Pedro Nuno Santos: “Nós temos reuniões com os partidos da coligação todos os dias”), associado à necessidade permanente de fingir que está tudo bem, deve ser brutalmente desgastante. António Costa merecia ganhar dois ordenados: um como primeiro-ministro de Portugal, outro como primeiro-ministro da “geringonça”. Desconfio que o segundo trabalho seja mais massacrante do que o primeiro.
A outra hipótese é António Costa ter concluído o programa de reversões ainda com dois anos de legislatura pela frente e agora que tem o acordo com os seus parceiros totalmente cumprido anda distraído a perguntar aos seus botões: que fazer? Dar-lhes muito mais, não pode. Reformar o país, não consegue. Fingir-se de morto, é impossível. António Costa está preso no labirinto do seu sucesso. E o país tão manietado quanto ele.



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