Trouxe-me a minha irmã o Correio
da Manhã de 29 de Outubro, com uma breve notícia de João Pereira
Coutinho – “Turismo Parlamentar” – que me surpreendeu pela provocação contra o Bloco de Esquerda e a sua novel
saliência numa pretensa política de arreganho destruidor contra a iniciativa
privada, visando, desta vez, colaborar no desenvolvimento do turismo e compor o
erário próprio – o que parece crime para os tais do BE, na sua cruzada exclusiva
em favor dos menos favorecidos, e assente num ressabiamento contra os que,
trabalhando, desejam aforrar ou prevenir o futuro dos filhos, através de uma
educação de menos preconceito demagógico.
O discurso provocatório de
Pereira Coutinho levou-me a procurar, na Internet, outras suas intervenções
articulistas, que me fizeram rever conceitos próprios sobre essas esquerdas
ultimamente saídas da sombra, em aparência seráfica, de manto divino a impor as
mãos unidas a fiéis adoradores, agora que tais esquerdas se sabem imprescindíveis
para a governação do usurpador.
Entre outros artigos,
encontrei “Entre mortos e feridos”,
de 31/10, publicado na Revista Fama, igualmente saboroso de novidades e
um pensamento jovem, saudavelmente crítico, que transcrevo, com muito gosto. Deus
ajude este país a crescer, com os filhos mais novos da Nação, proliferando, numa
desenvoltura de sensatez e menos tacanhez de espírito. Como a deste jovem Pereira
Coutinho.
Turismo parlamentar
C.M., 29 Outubro, 2017
Parece que o Bloco de Esquerda pretende limitar o alojamento local a 90
dias por ano. Nunca pensei ver isto: um grupelho trotskista a defender o grande
capital (no caso, os interesses das grandes cadeias hoteleiras). Mas entendo os objectivos maiores do pessoal: arruinar
as classes médias que viram neste arrendamento uma forma de compor os
orçamentos familiares e, já agora, contribuir para o turismo que salva a
economia nacional. Como é possível permitir actividades independentes do
Estado? O Bloco adora o cheiro a napalm sobre a iniciativa privada.
Creio, porém, que a proposta de lei seria mais coerente se o Bloco desse o
exemplo. Como? Propondo, como adenda, que os respectivos deputados também só
receberiam 90 dias por ano. É pouco? Admito que sim. Mas, com algum jeito,
seria possível a cada deputado inútil arrendar – por mais 90 dias – o espaço
que desperdiça no Parlamento.
Entre mortos e feridos
31 Outubro,
2017 by João Pereira
Coutinho
HOUVE UM TEMPO, não
muito distante, em que as esquerdas apresentavam moções de censura por birra
adolescente. Os pretextos eram vários – cortes de salários, defesa dos direitos
dos trabalhadores, noções difusas de mal estar nacional – mas o objectivo era
simples: fazer prova de vida e contentar as respectivas tribos com a gritaria
da praxe.
Hoje, quando os
camaradas partilham a responsabilidade do poder, parece que mais de cem mortos
por incúria do Estado não são causa plausível para censurar o governo. Pelo
contrário: a existência de mortos é usada pela esquerda como a principal razão
para não se apurarem responsabilidades. Quem se arrisca por esses caminhos é
imediatamente acusado de “aproveitamento político”, de “manobras macabras” e
até, imagino eu, de crimes contra a humanidade.
No fundo, a esquerda usa a
morte dos outros como um seguro de vida – e um cínico, confrontado com esta
espantosa inversão moral, não hesitaria em defender que a melhor forma de
tornar um governo intocável é ter sempre alguns caixões para calar os críticos.
Portugal, em 2017, chegou a isto.
ANTÓNIO COSTA não
mostrou “emoção” com a tragédia dos fogos? Verdade. Mas pressinto que existe
aqui um equívoco quando falamos de emoções em política. Uma coisa é a
empatia natural e até devida perante a morte de inocentes que o Estado tem a
obrigação de proteger. É uma “emoção” nobre, digna, decente, reveladora de um
carácter que partilha estas mesmas qualidades. Um estadista que não entende “o
leite da ternura humana” pode ser um perigo em circunstâncias propícias.
Outra coisa é a emoção
plástica, populista, mentecapta, que teve na morte da Princesa Diana, em 1997,
o seu momento cimeiro. “Mostrem-nos que se importam!”, gritavam os jornais à
família real. E Tony Blair, um profissional do sentimentalismo, lá foi
aconselhar os Windsor a chorarem em público a “Princesa do Povo”. Que a
família real tenha recusado esse espectáculo, aceitando porém que era
importante aparecer aos súbditos e prestar homenagem à morte de Diana, eis um
argumento forte para converter qualquer um ao princípio monárquico.
António Costa,
manifestamente, não possui o primeiro tipo de emoção. O seu pedido de
desculpas, a reboque de um pedido de pedido de desculpas, é mais um capítulo
grotesco da nossa vida democrática. Mas é justo reconhecer a resistência
do homem em não ceder ao segundo tipo de emoção. Ali não há nada para ninguém.
Prefiro isso.
O PAÍS GANHA CONTORNOS ainda
mais grotescos quando estamos ao longe. Aqui em Nova Iorque, os jornais só
falam de um tema: os assédios e as eventuais violações de Harvey Weinstein, um
poderoso produtor de cinema. São incontáveis as actrizes ou colaboradoras que
acusam Weinstein de usar o cargo para cometer os seus crimes sexuais.
Impunemente, acrescento eu, uma vez que a lista de cúmplices – por acção ou
omissão – é igualmente generosa e inclui gente como Matt Damon ou Quentin
Tarantino.
O “The Wall Street
Journal”, em editorial, pergunta (e bem) onde estavam estes paladinos do
progressismo americano quando as vítimas precisavam deles?
Não estavam. Só apareceram
agora, quando existe uma multidão a linchar o cadáver do sr. Weinstein. Quanta
virtude! Quanta coragem!
Em Portugal, leio um
acórdão do Tribunal da Relação do Porto onde uma mulher adúltera, sovada pelo
marido com requintes medievais, foi severamente criticada pelo juiz. Moral da
história?
O azar de Harvey
Weinstein é não ter nascido e actuado em Portugal, onde uma certa magistratura
sempre olhou com tolerância para as idiossincrasias do “macho ibérico”.
CAMINHO NO CENTRAL PARK
SOUTH e ouço: “Olhem, aquele senhor é português!” Volto-me para
trás e encontro um compatriota que me reconheceu das lides mediáticas. O
cavalheiro, embaraçado, pede desculpa pelo impulso – e eu sorrio de volta.
Cinco segundos depois, sou
eu quem exclama: “Olha, este senhor é o Woody Allen!” O cineasta, praticamente
abalroado pela minha distracção, acelera o passo e entra no carro. Parece
assustado.
Alguém lá em cima sabe bem
qual é o nosso lugar na hierarquia da fama.
Artigo publicado
na Revista
Sábado
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