sábado, 4 de novembro de 2017

João Pereira Coutinho, um nome a fixar


Trouxe-me a minha irmã o Correio da Manhã de 29 de Outubro, com uma breve notícia de João Pereira Coutinho“Turismo Parlamentar” – que me surpreendeu pela provocação contra o Bloco de Esquerda e a sua novel saliência numa pretensa política de arreganho destruidor contra a iniciativa privada, visando, desta vez, colaborar no desenvolvimento do turismo e compor o erário próprio – o que parece crime para os tais do BE, na sua cruzada exclusiva em favor dos menos favorecidos, e assente num ressabiamento contra os que, trabalhando, desejam aforrar ou prevenir o futuro dos filhos, através de uma educação de menos preconceito demagógico.
O discurso provocatório de Pereira Coutinho levou-me a procurar, na Internet, outras suas intervenções articulistas, que me fizeram rever conceitos próprios sobre essas esquerdas ultimamente saídas da sombra, em aparência seráfica, de manto divino a impor as mãos unidas a fiéis adoradores, agora que tais esquerdas se sabem imprescindíveis para a governação do usurpador.
Entre outros artigos, encontrei “Entre mortos e feridos”, de 31/10, publicado na Revista Fama, igualmente saboroso de novidades e um pensamento jovem, saudavelmente crítico, que transcrevo, com muito gosto. Deus ajude este país a crescer, com os filhos mais novos da Nação, proliferando, numa desenvoltura de sensatez e menos tacanhez de espírito. Como a deste jovem Pereira Coutinho.


Turismo parlamentar
C.M., 29 Outubro, 2017 

Parece que o Bloco de Esquerda pretende limitar o alojamento local a 90 dias por ano. Nunca pensei ver isto: um grupelho trotskista a defender o grande capital (no caso, os interesses das grandes cadeias hoteleiras). Mas entendo os objectivos maiores do pessoal: arruinar as classes médias que viram neste arrendamento uma forma de compor os orçamentos familiares e, já agora, contribuir para o turismo que salva a economia nacional. Como é possível permitir actividades independentes do Estado? O Bloco adora o cheiro a napalm sobre a iniciativa privada.
Creio, porém, que a proposta de lei seria mais coerente se o Bloco desse o exemplo. Como? Propondo, como adenda, que os respectivos deputados também só receberiam 90 dias por ano. É pouco? Admito que sim. Mas, com algum jeito, seria possível a cada deputado inútil arrendar – por mais 90 dias – o espaço que desperdiça no Parlamento.


Entre mortos e feridos
31 Outubro, 2017 by João Pereira Coutinho

HOUVE UM TEMPO, não muito distante, em que as esquerdas apresentavam moções de censura por birra adolescente. Os pretextos eram vários – cortes de salários, defesa dos direitos dos trabalhadores, noções difusas de mal estar nacional – mas o objectivo era simples: fazer prova de vida e contentar as respectivas tribos com a gritaria da praxe.
Hoje, quando os camaradas partilham a responsabilidade do poder, parece que mais de cem mortos por incúria do Estado não são causa plausível para censurar o governo. Pelo contrário: a existência de mortos é usada pela esquerda como a principal razão para não se apurarem responsabilidades. Quem se arrisca por esses caminhos é imediatamente acusado de “aproveitamento político”, de “manobras macabras” e até, imagino eu, de crimes contra a humanidade.
No fundo, a esquerda usa a morte dos outros como um seguro de vida – e um cínico, confrontado com esta espantosa inversão moral, não hesitaria em defender que a melhor forma de tornar um governo intocável é ter sempre alguns caixões para calar os críticos.

Portugal, em 2017, chegou a isto.
ANTÓNIO COSTA não mostrou “emoção” com a tragédia dos fogos? Verdade. Mas pressinto que existe aqui um equívoco quando falamos de emoções em política. Uma coisa é a empatia natural e até devida perante a morte de inocentes que o Estado tem a obrigação de proteger. É uma “emoção” nobre, digna, decente, reveladora de um carácter que partilha estas mesmas qualidades. Um estadista que não entende “o leite da ternura humana” pode ser um perigo em circunstâncias propícias.
Outra coisa é a emoção plástica, populista, mentecapta, que teve na morte da Princesa Diana, em 1997, o seu momento cimeiro. “Mostrem-nos que se importam!”, gritavam os jornais à família real. E Tony Blair, um profissional do sentimentalismo, lá foi aconselhar os Windsor a chorarem em público a “Princesa do Povo”. Que a família real tenha recusado esse espectáculo, aceitando porém que era importante aparecer aos súbditos e prestar homenagem à morte de Diana, eis um argumento forte para converter qualquer um ao princípio monárquico.
António Costa, manifestamente, não possui o primeiro tipo de emoção. O seu pedido de desculpas, a reboque de um pedido de pedido de desculpas, é mais um capítulo grotesco da nossa vida democrática. Mas é justo reconhecer a resistência do homem em não ceder ao segundo tipo de emoção. Ali não há nada para ninguém. Prefiro isso.

O PAÍS GANHA CONTORNOS ainda mais grotescos quando estamos ao longe. Aqui em Nova Iorque, os jornais só falam de um tema: os assédios e as eventuais violações de Harvey Weinstein, um poderoso produtor de cinema. São incontáveis as actrizes ou colaboradoras que acusam Weinstein de usar o cargo para cometer os seus crimes sexuais. Impunemente, acrescento eu, uma vez que a lista de cúmplices – por acção ou omissão – é igualmente generosa e inclui gente como Matt Damon ou Quentin Tarantino.
O “The Wall Street Journal”, em editorial, pergunta (e bem) onde estavam estes paladinos do progressismo americano quando as vítimas precisavam deles?
Não estavam. Só apareceram agora, quando existe uma multidão a linchar o cadáver do sr. Weinstein. Quanta virtude! Quanta coragem!
Em Portugal, leio um acórdão do Tribunal da Relação do Porto onde uma mulher adúltera, sovada pelo marido com requintes medievais, foi severamente criticada pelo juiz. Moral da história?
O azar de Harvey Weinstein é não ter nascido e actuado em Portugal, onde uma certa magistratura sempre olhou com tolerância para as idiossincrasias do “macho ibérico”.

CAMINHO NO CENTRAL PARK SOUTH e ouço: “Olhem, aquele senhor é português!” Volto-me para trás e encontro um compatriota que me reconheceu das lides mediáticas. O cavalheiro, embaraçado, pede desculpa pelo impulso – e eu sorrio de volta.
Cinco segundos depois, sou eu quem exclama: “Olha, este senhor é o Woody Allen!” O cineasta, praticamente abalroado pela minha distracção, acelera o passo e entra no carro. Parece assustado.
Alguém lá em cima sabe bem qual é o nosso lugar na hierarquia da fama.

Artigo publicado na Revista Sábado


Nenhum comentário: