Um homem sempre indignado que
os analisa e nos reduz por isso à categoria de terceiro-mundismo, na retoma
analítica de notícias não exemplares: Alberto Gonçalves. Um homem também
inteligente e culto que prefere ironizar em jeito de metáfora elegante sobre idênticas
coisas, embora desligado de intuitos distinguidores, analista sem grandes
ilusões sobre uns e outros, em jeito de Pôncio Pilatos imaculado: António
Barreto. Na esteira da indignação do primeiro, eu ressalvo Passos Coelho,
na tristeza pela sua fuga irreparável, e pela descrença nas novas marionetas no
tablado sectário de um partido em que seguidores seus não arriscaram para o
substituírem e para impor asseio ao país, cônscios de que o não saberiam. E
regresso aos tempos de Coimbra e duma voz a disfarçar agonias, na saudade por
tempos em que se desconhecia – eu desconhecia -
os efeitos tão desconcertantes e envergonhadores da poluição humana. Mas
ressalva-se a beleza das fotos de António Barreto e as suas informações de
outras vidas. Além do fado de Luís Góis.
A barca da minha vida
Anda perdida no mar
Ficou para sempre cativa
Nas ondas do teu olhar.
Quando eu morrer a
cantar
Na minha capa velhinha
Irei ao céu ter contigo
Nas asas duma andorinha.
Uma semana no Terceiro Mundo
Felizmente o dr. Rio dá uma
ajuda: a comissão de honra e a lista de apoios declarados, repletos do pior
entulho oligárquico que o partido produziu em décadas, são quase um manifesto
favorável ao rival.
Domingo
Quarenta anos após o 25
de Novembro de 1975, que nos apresentou a um regime ligeiramente similar às
democracias civilizadas, um golpe de sentido inverso subverteu os resultados
eleitorais e convidou dois partidos comunistas a partilhar o poder. Em quase
toda a parte, a ascensão de forças totalitárias é um alarme e uma aflição. Em
lugares exóticos, é motivo de celebrações: a 26 de Novembro de 2017, o governo
achou que a concessão do país à prepotência material e à indigência mental
merecia um “evento” especial e o “evento”, uma sessão de perguntas ao
primeiro-ministro a cargo de “espontâneos”, aconteceu.
Como é natural, a
comemoração de uma fraude, ou de dois anos de sucessivas fraudes, merecia ser
assinalada através de nova fraude. O controlo dos “media” ainda não é o
suficiente para esconder que os “espontâneos” eram, afinal, figurantes
contratados, as perguntas eram gentilmente combinadas e as respostas, de facto
temerárias incursões do dr. Costa pela língua portuguesa, eram uma encenação
pelintra. Um vídeo, publicado no Observador, exibiu as actividades dos senhores
ministros durante o circo: remover cera dos ouvidos, dormir, tirar macacos do
nariz, brincar com o telemóvel, comer os macacos.
Foi, em suma, um
espectáculo de propaganda típico da Bolívia com que muitos sonham. E foi,
dentro do subgénero Propaganda Boliviana, um espectáculo bonito. A única dúvida
é perceber quem saiu mais dignificado do mesmo. Talvez o governo, generoso a
ponto de esbanjar a réstia de vergonha que nunca demonstrou possuir. Ou os
figurantes, gente tão feliz e honrada que se vende a intrujões por trocos e
merenda. Ou as televisões, que ávidas de informar transmitiram a farsa depois
de a farsa ser exposta. Ou Portugal em peso, que podia estar a imitar nações a
sério e está nisto.
Terça-feira
O dr. Centeno,
especialista em fazer aos macacos do nariz aquilo que, nas horas vagas, faz aos
rendimentos dos cidadãos que não trabalham para o Estado, é candidato a liderar
uma coisa chamada Eurogrupo. O dr. Centeno concorre contra criaturas do Luxemburgo,
da Eslováquia e da Letónia. Por sorte, e engenho, a vitória do dr. Centeno
parece assegurada, talvez porque a nossa dívida pública é incomensuravelmente
superior à dos pobres rivais, talvez porque alguém tem de ir lá parar.
Certo é que, como tudo o
que cheire a cargo internacional, inclusive os que não possuem nenhum peso ou
implicam mérito além da obscuridade periférica e “imparcial”, o país oficial e
oficioso derrete-se com façanhas assim. Por algum motivo, convencionou-se que
despejar, a título de penduricalho, um compatriota em lugar de “prestígio” é
desculpa para cada português entrar em delíquio nacionalista. Mesmo quando o
lugar de “prestígio” era desconhecido de toda a gente meia hora antes e o
compatriota disputa o cargo com portentos igual e radicalmente anónimos.
Descontado o pasmo dos
pategos, não acho mal. Em princípio, aprovo qualquer pretexto
para pegar numa “personalidade” indígena e despejá-la bem longe (embora não
faça alarde disso, fui um entusiasta do envio do eng. Guterres para os campos
de refugiados e para Nova Iorque, não necessariamente por esta ordem).
O problema é o cargo em questão ser, ao que consta, cumulativo, pelo que o dr.
Centeno manterá as funções caseiras que tantas alegrias proporcionam aos
jornalistas da RTP e da TVI. E, ainda que não mantivesse, o dr. Costa seria
perfeitamente capaz de o substituir sem subir o nível do titular nem baixar a
dívida. Caso o dr. Centeno ganhe, esta é daquelas situações em que mais ninguém
ganha.
Quarta-feira
O PSD tem muito menos
encanto na hora da despedida de Pedro Passos Coelho. Terminada a vigência desse
homem afinal tão decente que se calhar passou por aqui ao engano, o que sobra?
Sobra, pelos vistos, o socialismo nem por isso envergonhado de Santana Lopes e
de Rui Rio, sobre os quais não é fácil arranjar um argumento que os distinga.
Felizmente, o dr. Rio dá uma ajuda: a sua comissão de honra e a sua lista de
apoios declarados, repletos do pior entulho oligárquico que o partido produziu
em décadas, são quase um manifesto favorável ao rival. Nomes como Ângelo
Correia, Manuela Ferreira Leite, Couto dos Santos e Ferreira do Amaral, isto
para não falar das paixões assumidas de Pacheco Pereira ou daquele sr. Capucho,
são, ou parecem ser, razões sucessivas para um optimista achar que, apesar de
tudo, o PSD ficará mais bem servido com o embaraçoso dr. Santana. Mas um
realista percebe que o país está desgraçado.
Quinta-feira
Não tenciono elogiar
Belmiro de Azevedo. Por um lado, porque não venero ou abomino homens de
negócios. Empresários a sério, por oposição aos espécimes que usam o epíteto
mas não largam o Estado, agem por interesse próprio e deixam que os efeitos
secundários do seu trabalho aconteçam naturalmente e não se prestem a grandes
juízos de valor – e assim é que deve ser. Por outro lado, não é preciso elogiar
Belmiro de Azevedo na medida em que os partidos comunistas com representação
parlamentar já se encarregaram disso. Ao negar, por oposição assumida ou
abstenção cobardolas, o voto de pesar na AR, PCP e BE prestaram ao dono da Sonae
a maior homenagem possível: é bom que uma pessoa parta entre o amor dos que lhe
são próximos, e o ódio dos que lhe são distantes. Ser detestado, até na hora da
morte, por uma corja devota de tiranos e tiranias é sinal de que, nas horas da
vida, se fez alguma coisa bem feita. Será com certeza o caso.
Um Te Deum laico e republicano
António Barreto DN,
3/12/17
Te Deum é a
designação de um hino que faz parte da Liturgia das Horas da Igreja Católica. É
a forma abreviada de Te Deum laudamus, Louvamos-te, ó Deus! O momento
apropriado para cantar este hino é o final de Dezembro, quando os fiéis
agradecem as benesses recebidas durante o ano decorrido. É também inspiração
para músicos que cultivaram o género: Purcell, Charpentier, Mozart, Haydn,
Bruckner e outros compuseram, com este título, obras-primas festejadas por
crentes e não crentes.
Hoje, as coisas tomam
outras formas. Dispensa-se o génio musical. Retira-se o Deus fora de moda.
Antecipa-se a cerimónia para o início do novo ano fiscal. Coloca-se em cena o
objecto do louvor. Rodeia-se o sujeito de uma corte bem apessoada, que até pode
ser um Conselho de Ministros, em vez dos tradicionais querubins. Adjudicam-se
os procedimentos a uma agência de imagem. Contrata-se uma universidade “a fim de
credibilizar” o exercício, segundo as palavras dos protagonistas.
Seleccionaram-se umas
dezenas de figurantes por amostra calibrada, a quem se pagam deslocações,
bebidas, um snack e um per diem de ajudas de custo (150 euros,
segundo testemunhos). Solicita-se a um sacerdote que se ocupe do ritual. Os
figurantes agem como se de um coro grego se tratasse, mas em intervenções
sucessivas, não em coral clássico. Às perguntas inteligentes dos figurantes, o
solista responde com desenvoltura. A fim de mostrar o espírito de equipa,
vários membros da corte são chamados a participar.
Vozes incómodas fizeram
reparos. Foi-lhes dito de imediato que “no ano passado também houve”. A quem
referisse que já é a segunda vez que isto se faz, foi esclarecido que o
anterior governo também tinha feito algo de parecido na televisão. Aos que
estranharam a inclinação dos socialistas, de Costa e de Sócrates, para a
propaganda, foi garantido que as direitas, Cavaco Silva, Santana Lopes e Passos
Coelho, também o faziam.
É preciso má vontade
para comparar esta liturgia honesta à propaganda das direitas! Na verdade,
enquanto estas tudo fazem para enganar os cidadãos, as esquerdas apenas se
limitam a ouvir o povo, escutar as pessoas, tentar perceber o seu pensamento e
entender os anseios profundos da população. Só com muita má-fé se pode imaginar
que este governo queira fazer qualquer coisa que não seja uma genuína e honrada
tentativa de ouvir e de sentir o pulsar dos portugueses, as suas críticas e as
suas sugestões!
Aqueles vinte ministros
não eram os patrões dos funcionários presentes no coro litúrgico e em nada
intimidavam os que, livremente, pretendiam fazer perguntas: eram coadjuvantes
competentes, prontos a ouvir e a esclarecer. Aquela universidade e aqueles
académicos eram dedicados à ciência e à cultura, não estavam ali para obter
reconhecimento e fama junto de quem decide os orçamentos. Aquela agência de
imagem desempenhou as suas funções de modo isento e com profissionalismo.
O que ali se passou não
foi medíocre. Não foi armadilha nem manipulação. Não foi a transformação da
informação em publicidade empacotada. A quermesse de Aveiro é boa e genuína. É
uma encenação patriótica e plural. A melhor prova de que é coisa boa reside no
facto de, no ano anterior, se ter feito igual. E de dois anos antes, na
televisão, organizada pelo governo da direita de Passos Coelho, ter havido
coisa parecida!
Os cidadãos que ali se
deslocaram prestaram um serviço ao país, dispuseram-se a representar os
restantes portugueses que não puderam estar todos presentes, deram ao governo
dados autênticos, entre eleições, sobre o estado da nação. Fizeram-no de modo
mais verdadeiro do que as sondagens que não permitem esta consulta de
proximidade. Melhor do que o focus group a seguir aos incêndios, este
grupo é uma auscultação em comunhão. É próprio de um governo para as pessoas,
não para os números.
As minhas fotografias
ANTÓNIO BARRETO
Par de namorados, com
telemóvel, na Cidade Proibida, Pequim Em poucas semanas de visita à China, das
quais uma na capital, foi este o único par de namorados que vi exibindo na rua
um gesto de ternura, partilhada aliás com o telemóvel que era seguramente um
objecto de interessada comunhão. Ao que parece, os chineses não gostam de
liberdades excessivas, do Google e de manifestações de sentimentos na rua!
Talvez a Cidade Proibida tenha inspirado estes dois jovens… O palácio que ocupa
esta cidade tem seis séculos de existência. Já esteve degradado várias vezes,
mas sempre recupera e renasce. É o maior palácio do mundo, uma verdadeira
cidade! Consta que tem 9999 divisões, mas parece que a prova nunca foi feita!
Era daqui que o imperador governava a China, o império e, julgava ele, o mundo.
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