segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Um exemplo de integridade e uma receita de bebinca



Chegou por email o artigo, enviado por João Sena, uma história de fadas, ainda possível hoje.
FERNANDO VAZ, UM HOMEM BOM
Nos Seus Noventa Anos
Óscar Monteiro
Há várias maneiras de identificar uma personalidade, a empatia, o sorriso, os gestos, a maior ou menor vivacidade, a capacidade de comunicação, a forma inovadora de ver as coisas, capturados hoje através de formulações e conceitos como inteligência emocional, visão lateral, pensamento estratégico, e ainda o que se chama pensar fora da caixa”.
Para falar do Fernando Vaz, eu vou tomar um outro ângulo, um outro aspecto da exteriorização da personalidade humana: a voz. A do Fernando Vaz é uma voz que nos fala directo ao coração, seja nos grandes temas, seja nas coisas da vida quotidiana. Uma voz ao mesmo tempo grave e diria terna, na falta de melhor caracterização. Uma voz que transporta carradas de pensamento, meditação, pensamento profundo, reflexão permanente, que nos faz parar a todos para escutar e ponderar. Era assim o Fernando quando falava no Conselho de Ministros, é assim quando nos fala hoje, intemporalmente igual nas suas atitudes e nas suas convicções.
É com a mesma voz que exalta a epopeia da libertação e a não menos gloriosa epopeia da construção do país independente, a do sonho de justiça social. Quando todos se eximem de responsabilidade consciente nesse período de busca por uma sociedade mais justa, e Fernando Voz se levanta para dizer o que fizemos foi grandioso e foi belo, nós constatamos que a teia de sonhos e valores que sustentava esse momento e essa acção tinham um alcance mais vasto. E que fora de um quadro de valores, seja de esquerda, como eram os nossos, seja de direita, jaz a desordem subreptícia e silenciosa, a corrupção aceite, o silêncio cúmplice e o medo desesperançado. O medo propugnado como virtude, meu Deus! o que pensará de tudo isto o Fernando?
Todos nós somos produto de um meio que é por sua vez produto de outros meios. Assim, o meio familiar, os valores da família são produto dos nossos pais, mas são produto de uma sociedade mais vasta. No decorrer do tempo esse meio se transforma e se alarga. Mas essa transformação só é fecunda e sustentada quando os valores da família -- como ser bom, agir bem, respeitar os outros, ser solidário, ser caridoso -- , esses valores familiares te acompanham nas várias fases da vida. Fernando Vaz foi exposto a outros mundos e outras influências, conheceu os Amílcares e Netos, e incontáveis outras figuras de valor, portadores do ideal de sociedades livres e mais justas. Mas o seu segredo está em ter sido o Fernando Vaz, filho do Sr. Olegário Vaz, o mesmo que entrou no ramo do movimento nacionalista que se desenvolveu na Casa dos Estudantes do Império, de que que foi Presidente da Assembleia Geral. Num processo identificado pelo sistema vigente como claramente anticolonial.
É desse tempo que eu o conheço sem o conhecer, ele estava em Lisboa, eu em Coimbra, mas sua imagem e prestígio eram tais que ainda me lembro graficamente de quando o vi pela primeira vez no Rossio, lembro o sol desse dia, com um fato jaquetão e um casaco de abas largas já como interno dos Hospitais da Universidade, uma distinção só dada aos melhores. A despeito do jaquetão, ajudou-me a reconhecê-lo, uma foto que pelos meus treze anos tinha visto na página  desportiva do jornal Notícias, com ele a defender um remate enquanto guarda redes do Clube Desportivo Indo-Português, e também como lembrou Hélder há dias, o Fernando foi também guarda-redes da selecção provincial. Era o mesmo Fernando amável e distinto, igual no Rocio e no campo do Desportivo.
Ao longo do tempo em que privei com o Fernando mais se vem radicando a ideia que para se ser consequente nos processos de transformação social é preciso ter alguns princípios sólidos, independentemente da camada ou mesmo classe social de origem. É daí que vem a capacidade, diria, a necessidade, de ser consequente na sua maneira de ser. No movimento de libertação nós chamamos a isso, interiorizar os princípios, isto é, fazer dos objectivos nobres parte da nossa conduta e gradualmente absorver esses princípios, fazer deles parte da nossa personalidade. Para sermos, na essência, bons. Mas isso não pode estar apenas colado, ter de estar ancorado numa parte intrínseca, por menor que pareça, da nossa personalidade original. Vou ilustrar com uma história que liga as nossas famílias e que só vim a conhecer agora nos anos noventa. Estava o pai Vaz no Chinde como responsável da Fazenda e zelador das caixas de libras-ouro com que se pagavam os funcionários naquela época. Desencadeia-se um tremendo temporal, o primeiro dos que destruíram e fizeram deslocar a vila do Chinde. O meu pai, jovem aspirante do Correios hospedava na casa Vaz e perante a gravidade da situação, o pai Vaz deixou o meu pai a tomar conta da família, a mãe, as irmãs e todos os irmãos sentados na cama. Perante o agravar da situação, a casa rangia e abanava, o meu pai ainda inexperiente, tomou a decisão de fazer evacuar a casa e esperar ao relento. Pouco tempo depois a casa ruiu.
Mas o ponto não é este, aliás esta história já foi contada. O ponto é, que interesse mais alto levou o pai Vaz a ausentar-se: era a defesa do património público, as libras-ouro que eram propriedade do Estado, bem a preservar com algo que é pertença comum, e ao mesmo tempo se destinavam a pagar vencimentos e despesas, garantir a justa remuneração dos servidores do Estado e outro incontáveis trabalhadores simples. O Fernando Vaz que conhecemos como médico do serviço público, como militante nacionalista, como dirigente do sector da saúde, como dirigente governamental descende directamente dessas caixas de libras-ouro, desta noção do respeito do bem público, do respeito de algo que nos transcende, que transcende os nossos apetites imediatos. E a sua experiência em outros horizontes, onde casou e conviveu – uma lembrança à Mimi – só o enriqueceu, de Lisboa a Timor.
É por isso que ainda hoje ele está a conceber curricula, a quer dar o seu saber, que ele sabe ser um bem colectivo, a ser criativo para que a o país prossiga e as novas gerações sejam melhores do que nós.
Há recompensa? Sim! Aqui estamos a assistir a esta tocante homenagem da Universidade e dos seus alunos. No último domingo testemunhei uma igualmente tocante: os filhos, noras e vários grupos de netos a prezar os valores de profissionalismo (uma neta é cirurgiã!), e os valores de honradez, de amor ao próximo, de dedicação ao progresso da sociedade que são os esteios do patriotismo verdadeiro.
Nesse mesmo Domingo comemos bebinca, um doce da culinária goesa, o seu apogeu, feito em em camadas sucessivas (podem ser dezenas), colocadas pacientemente após esfriar, umas sobre outras, ovos e colesterol às pazadas. Nós também estamos aqui a acrescentar uma camada à bebinca de amizade e admiração que vem rodeando o Fernando Vaz desde sempre.
Talvez não nos seja dado a todos chegar como o Fernando Vaz aos 90 anos, assim capaz, lúcido e competente. Seja! Mas se tivermos ao nível dos nossos filhos, noras e netos, ao nível dos nossos amigos, do nosso núcleo de amigos que resiste às tentações, dos nossos discípulos como certamente deve haver entre alguns dos alunos da UP aqui presentes, estes que nos ajudam a resistir, terá valido a pena e teremos aí nesse momento quase íntimo a justa recompensa. Como está merecendo o Fernando Vaz. Ninguém controla o futuro dos outros, mas os filhos e netos do Fernando já controlam o deles.
E finalmente, pensei agora no fim deste texto, no nome que deverei colocar em epígrafe do texto para o poder referenciar na imensidão dos ficheiros dos computadores: pensei em “A Voz do Fernando Vaz”, ou “Uma Camada de Bebinca”. Mas recordei que, muito simplesmente, que para além da bondade de cariz caritativo que nos vem da educação religiosa, qualquer religião, o ser pessoa íntegra, amar os outros, amar o seu país, transmitir o saber, é o que caracteriza os homens bons. Por isso eu chamaria este texto, simplesmente, Fernando Vaz, um Homem Bom!
Matola, 19 de Dezembro de 2018

José Oscar Monteiro nasceu em Lourenço Marques (actual cidade de Maputo) em 1941. Filho de pais goeses, foi levado pelos contornos do colonialismo a uma consciência nacionalista ativa. Representante da Frelimo na Argélia e na Europa do Sul, organiza a audiência do Papa Paulo VI com os dirigentes nacionalistas, contribui para a adoção do estatuto de prisioneiros de guerra para os combatentes das lutas de libertação. Participa nas negociações públicas e confidenciais sobre os Acordos de Lusaka, é um dos seis Ministros da Frelimo no Governo de Transição e é Ministro no Primeiro Governo independente. Lecciona Direito Constitucional na Universidade Eduardo Mondlane, dirige o Governo de Gaza onde fica conhecido como "madlhaya ndlala" (mata-fome).
Faz parte do Bureau Político do Partido Frelimo, assessora o movimento de libertação da Namíbia, trabalha com Xanana Gusmão na prisão de Salemba em Jakarta. Participa na formação da nova geração de dirigentes da África do Sul multirracial, como Professor na Universidade de Wits, faz parte do Comité de Peritos em Administração Pública das Nações Unidas.

Em vésperas de 1919



Na revista E de 8/12 vem uma análise bem expressiva, feita por Luciana Leiderfarb, de George Orwell e o seu «1984» – “O LIVRO DE UM FIM”, cuja epígrafe transcrevo, na decepção de não poder guardar o texto todo:
«Em 1948, na ilha escocesa de Jura, George Orwell pôs o ponto final na obra que lhe ocupou os últimos sopros de vida. E «1984» nascia para marcar o mundo para sempre. Poucas obras foram tão faladas, comentadas e criticadas, recriadas, temidas e admiradas como esta. Porque poucas conseguiram dissecar o totalitarismo de um modo tão assustador e eficaz.»
Um livro que enregela os ossos, na hipótese macabra de criação de sociedades como a descrita, de controle absoluto e absurdo dos seres humanos, até mesmo nas suas relações de amor. É a desintegração da espécie, pelo menos a não manipulável, que sabe reflectir e desejaria seguir parâmetros de liberdade. Já “O Processo” de Kafka fora um livro bem sinistro que incomodava, nesses moldes de manipulação totalitária, que apanhava os homens nas suas malhas infernais, de um poder ilimitado e criminoso.
Vemos esse mundo na distância da História e na distância geográfica, hoje em países do oriente, governados por uma geometria de rigor - bonito de se ver e assustador de se viver. Não assim por cá, no nosso caos desordeiro, de pobreza espiritual até perceptível nos comentários indecorosos, que o artigo de AG motivou, que bem confirmam o pessimismo crítico deste, a respeito do nosso país. Vilezas absolutamente latrinárias de inomináveis e desprezíveis diálogos obscenos, em ficção comentarista, que bem denunciam os tais atributos de menoridade mental de tantos portugueses, Dâmasos Salcedes da sabujice bajuladora, caso daquele por quem AG foi despedido da revista Sábado, onde trabalhava.
O certo é que a estes não sucede mal algum, somos democratas, cristãos ou menos, nenhuma mesa censória ou big brother fiscalizador nos impede de conspurcarmos o espaço de uma escrita virtual em que somos reis, e sem vergonha. No caso de Winston Smith, o protagonista de 1984, ele será filado pelo partido, em que, aliás, trabalha, mas que odeia, infeliz para sempre. Somos, pelo contrário, um povo feliz, livre como as gaivotas em busca de alimento, ainda que seja em lixeiras.

Portugal é uma notícia falsa /premium
OBSERVADOR, 29/12/2018
Se, conforme proclama o Indicador Supremo da Felicidade, os portugueses gastaram mais dinheiro no Natal, não é virtude de Costa, mas defeito dos portugueses. E todos sabem que não nos restam muitos.
Foi a 1 de Abril de 2017, salvo o erro, que recebi o telefonema do sujeito. Eu estava no aeroporto de Orlando, a ver uma pequena tempestade cancelar sucessivos voos para Nova Iorque, e conhecia o sujeito de nome. Dias antes, o sujeito chegara a director, sob ordens do director de facto, da revista para a qual eu escrevia há 13 anos. O telefonema começou com cumprimentos efusivos e terminou, um minuto depois, com o meu afastamento da tal revista. Por isto e por aquilo, não fiquei espantado, ou demasiado aborrecido. Além de ser escusado, não me ocorreu queixar-me, ou questionar o direito de empregadores, sejam proprietários ou capatazes, despacharem empregados, sejam avençados ou “fixos”. Apenas me ocorreu responder ao funcionário da Delta Airlines que entretanto me chamara e, finalmente, apanhar um avião. Houve nuvens negras durante toda a viagem, mas pairavam lá em baixo. Não voltei a pensar no sujeito, e só ocasionalmente voltei a pensar nas consequências do meu breve contacto com ele. A vida, ou lá o que é, continua.
E continuou até 27 de Dezembro de 2018, quando pela primeira vez o Facebook me mostrou a ligação para um artigo do sujeito, publicado nesse dia no site da referida revista. Segui a ligação. Li o artigo. Cito pedaços: “António Costa vai entrar em 2019 com condições políticas invejáveis. Pode ser um ano de sonho. Termina a legislatura com uma popularidade imbatível, pode ganhar as eleições com maioria absoluta ou, no cenário menos bom, escolher o parceiro que quiser para uma nova geringonça.”;A economia permanece numa trajectória de recuperação e os portugueses, como se tem visto nesta quadra natalícia, andam tão felizes nas compras que não nutrem qualquer simpatia pelas profissões que protestam por via da greve”; “(…) a já lendária lucidez de António Costa (…)”. O artigo, cuja parte disponível citei quase na íntegra, não terminava aqui: o resto era reservado a assinantes, coisa que não sou.
Sou, porém, um maluquinho por contemplar as figuras a que alguns se prestam para ganhar o pão de cada dia. Pelo que decidi procurar artigos anteriores do sujeito, que jamais lera. Valeu a pena, e vale a pena insistir nas citações: “António Costa vai acelerar para o seu grande objectivo que é ganhar com maioria absoluta. Por isso, fez uma operação de remodelação e gestão política quase perfeita.”; “Costa afinou a máquina e ela promete ser diabólica na corrida até à meta. Remodelou a tempo para ganhar a sério.”; “(…) o pragmatismo e instinto político de António Costa (…)”; “Os bons resultados da geringonça são de António Costa e do PS”; “A vida de António Costa está cada vez mais fácil. O primeiro-ministro é o pêndulo essencial da política de alianças governativas à esquerda e à direita (…)”; “O primeiro-ministro sabe que, acidentes de percurso à parte, (…) o vento sopra a seu favor. Os portugueses já acabaram 2017 com mais dinheiro no bolso – que bem se viu nas compras de Natal – e vão continuar esse efeito em 2018.”; “Costa cometeu uns erros, disse uns disparates!? É certo que não foi um exemplo de sensibilidade política e social, em certos momentos. Mas é o timoneiro, tem uma enorme popularidade e é reconhecido como o homem certo no lugar certo. Enquanto as contas andarem bem, ninguém o derruba do poleiro. (…) Nas contas, não há político mais realista do que ele…”. Etc. Etc. Etc.
Não identifico o sujeito porque não é preciso e porque não quero personalizar um “estilo” que, na pobreza da linguagem e na curvatura das vértebras, é afinal colectivo e praticamente o padrão-ouro dos comentadores pátrios. O facto de dormirem sossegados é um rombo na indústria dos ansiolíticos. A fim de simular isenção, salpicam pelos comentários críticas a ministros fugazes, lamentam determinadas decisões governamentais ou a falta delas, desancam no “eng.” Sócrates sempre que as directivas mandam, brincam com o ocasional (e raríssimo e humano e perdoável) “deslize” do primeiro-ministro para legitimar (eles, coitados, dizem “credibilizar”) o resultado pretendido: a descarada propaganda do dr. Costa e dos poderes que o dr. Costa representa. É fascinante a jovialidade com que se eleva a um estatuto próximo do génio político alguém que, sob qualquer perspectiva, não passa de uma irrelevância manhosa. Removido o verniz que os seus bajuladores inventaram, quem é o dr. Costa? No máximo, um veterano da pequena intriga partidária, um especialista em tropeçar na verdade e na gramática, um videirinho descarado, um rústico sem noção, o chefe oportuno de um bando repulsivo à vista e à decência. Ou, na ponderada definição dos devotos, “o timoneiro”.
Diga-se que o estado da nação é exactamente o que se esperaria após três anos nas mãos de um timoneiro assim, e o contraponto (tosse prolongada) de uma oposição assado. A bancarrota, já uma tradição popular, volta a espreitar. Estradas, hospitais, justiça, instituições, fronteiras, soberanias desmantelam-se a céu aberto. A forma do debate público raia a demência, e o conteúdo fintou a demência há tempos. As clientelas empanturram-se. As trapaças sucedem-se. O fisco sufoca tudo. Protestos de duas dúzias são ameaçados por jagunços e vigiados por batalhões. Fanáticos e burlões sobem a “personalidades”. O ranço veste-se de progresso. Os vestígios da civilidade fugiram apavorados. E este retrato de uma agonia certa é retocado pelos “media” de serviço de modo a assemelhar-se a um caso de sucesso (juro). Numa imitação fiel da lengalenga oficial e oficiosa, também nos “media” a mentira deixou de ser um recurso para se tornar o processo. Uns e outros presumem a profunda idiotia dos cidadãos. E a maioria dos cidadãos, alheia ao colapso do país e da Europa que segura o país, tende a dar-lhes razão.
Se, conforme proclama o Indicador Supremo da Felicidade, os portugueses gastaram mais dinheiro no Natal, não é virtude de Costa, mas defeito dos portugueses. E um suspiro: todos sabem que não nos restam muitos, embora ninguém queira saber. Enquanto lá fora as “fake news” são uma praga, aqui são um bálsamo. Tenho saudades de aeroportos.

Alguns entre os 383  COMENTÁRIOS
Passos, O senhor 24% > Antonio Fonseca: Com excepção da Irlanda - cujo PIB artificialmente empolado por razões que seria fastidioso abordar aqui, faz baixar a carga fiscal - os países europeus com os quais nos devemos pretender comparar, têm taxas de carga fiscal muito superiores ou superiores à nossa. Exemplos: Luxemburgo, França, Dinamarca, Suécia, Finlândia ou Bélgica. 
Liberal Impenitente > Passos, O senhor 24%: Não nos devemos pretender comparar com países que produzem o dobro ou o triplo por habitante daquilo que produz um português. É esta soberba do guterrismo que é imperdoável: em vez de "vamos brincar aos pobrezinhos", é "vamos fazer de conta que somos ricos".
António Monteiro: Caro Alberto Gonçalves, Gente, como esse senhor de quem transcreve partes de artigos, sem saber se no meu tempo de quarta classe, passariam na prova de redacção, conheci às dezenas ao longo dos meus quarenta anos de trabalho. Falta-lhes a coluna vertebral que nos mantém de pé e de cabeça levantada, transformando-se assim em autênticas marionetes que dançam ao sabor dos seus interesses particulares, curvando-se a qualquer ser que pense poder ser-lhe útil. Ficam normalmente com o olhar toldado para verem o que não existe e não ver com clareza as verdades que se deparam à sua frente. Tornam-se malabaristas de circo, já que daqui a algum tempo vêm dizer exactamente o contrário se lhe for de interesse. Os Radiohead têm uma canção para esse tipo de gente “Creep” (verme) Aprendi na vida que os devemos olhar como se fossem transparentes, por mais opacos que sejam.
Carlos Monteiro: Num país onde a informação é por demais subserviente perante o poder, o Observador (como já afirmei noutro comentário) é uma pedrada no charco. Este artigo de A. Gonçalves é elucidativo da forma como alguns sem pudor chegam a parecer mais papistas que o Papa. Foi noticiado que Sócrates pagava a «blogs» para o elogiar, não sabemos o que se passa agora, mas uma coisa é certa, seja por dinheiro ou por amor, a bajulação chega a ser  ridícula. A anestesia do povo, pode ao acordar, ser muito dolorosa.
José Ramos: Excelente retrato de alguns filhos da pátria - infelizmente muitos - representados por uma personagem que se arrasta, pelo menos desde o séc. XIX, e que vai deixando a sua espessa baba gastropódica e bajulatória transformar o país num sítio particularmente viscoso. A personagem, a lesma em questão, que ao contrário do que se acha está longe de ser "chic a valer", é a queirosiana figura de Dâmaso Salcede, um peralvilho gorducho, estúpido e covarde que vai deixando escorrer muco e ridículo através de Os Maias. Parece que, um século e tal depois, alterou o nome de família (que ele, por covardia, declarava como "bêbada") para Salsábado...
José Carlos Lourenço: Alberto Gonçalves desenha o retrato fiel, rigoroso e destemido deste pindérico cantinho (em termos morais e materiais) liderado pelo "chefe oportuno de um bando repulsivo à vista e à decência".  A manhosice, chico-espertice, inveja ressentida, ignorância funcional, são características idiossincráticas tugas incrementadas e potenciadas por um videirinho manhoso vendedor de banha da cobra, que antes de preparar o assalto ao poder foi um reconhecido e inquestionável devoto e admirador do maior "suposto" corrupto e aldrabão que liderou o país no caminho da última bancarrota.  
As picadas e mordedelas dos apaniguados geringonceiros são o atestado da validade e oportunidade desta crónica. 
Miguel Fernandes: Retrato demolidor da situação em que vive Portugal e sobre o pântano nauseabundo em que tudo isto se tornou. Os caciques suceder-se-ão para criar o "ruído" necessário para bajular o timoneiro. Vivemos tempos absurdos. O meu obrigado ao autor.

domingo, 30 de dezembro de 2018

Registos da nossa cultura de opinião



Mais directo e assertivo o de João Miguel Tavares, como sempre, de uma exaltação argumentativa  provocatória, própria da sua juventude irreverente, embora disciplinada por um bom senso que os não simpatizantes da outra facção política iracundamente hostilizam. Mais elegante, no seu pensamento literário, o de Maria João Avillez, justo e sedutor. Ambos corajosos e indiferentes às divergências opinativas dos que se regem por outros “ideais” favorecedores da anarquia insciente e lorpa: Ouvi esta noite Catarina Martins do Bloco de Esquerda, boa representante dos tais, despejando medidas de eficiência e bondade, para a promoção da sua estabilidade no comando dos nossos destinos, “big sister” do nosso futuro próximo, de rebanho amansado, por um previsível despotismo provinciano ardiloso, não despiciendo, en tout cas.
I - OPINIÃO   Uma legislatura longa demais para António Costa
António Costa começa agora a pagar, com três anos de atraso, o seu pecado original: andar a vender obsessivamente ao país que a austeridade do governo Passos estava errada, quando sabia perfeitamente que não havia alternativa a ela.
JOÃO MIGUEL TAVARES     -     PÚBLICO, 29 de Dezembro de 2018
António Costa conseguiu um milagre no qual só mesmo ele acreditaria na noite de 4 de Outubro de 2015, após a sua inesperada derrota eleitoral: completar uma legislatura como primeiro-ministro, com o apoio do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista. Esse facto, que muitas vezes é despachado (injustamente) como “habilidade política”, merece o meu respeito e a minha admiração. Contudo, é muito possível que o milagre de 2015 venha agora a revelar-se a maldição de 2019, se as greves continuarem a este ritmo e a degradação dos serviços públicos acelerar. A aprovação do último Orçamento do Estado, celebrada como mais uma vitória de Costa, pode muito bem ter sido menos uma vitória de Costa e mais uma vitória de Pirro, com o primeiro-ministro a acabar refém do seu próprio sucesso.
Se assim for, e se 2019 for o ano em que a esquerda comunista e bloquista se vai vingar de todos os sapos que engoliu durante a legislatura, colocando o governo que diligentemente apoiou a fritar em lume brando até Outubro, é caso para dizer: é muito bem feito, senhor primeiro-ministro. Porque se eu admiro a arte política que António Costa revelou nos últimos anos, e se continuo a considerar – como sempre considerei – que ele é o melhor quadro que o PS tem para oferecer ao país, há uma coisa que não lhe deve ser perdoada: ter assinado um pacto de governo com base numa mentira escandalosa, que fica para a História como “o virar da página da austeridade”.
Quando fazemos o balanço destes três anos, houve muitas medidas económicas que o governo tomou e com as quais não concordo, mas só uma delas posso classificar como verdadeiramente obscena – a redução do horário de trabalho de 40 para 35 horas na função pública. Essa, sim, é uma medida imperdoável. Mas, fora isso, não houve aumentos de 2,9% para a função pública em vésperas de eleições, como nos saudosos tempos de José Sócrates, nem delírios como a Parque Escolar ou o TGV. Ou seja, de um modo geral, a política adoptada por Costa e Centeno está dentro de padrões de responsabilidade financeira aceitáveis, ao contrário do que era prática comum no Partido Socialista.
Aquilo que não está dentro dos padrões aceitáveis é a formação de uma narrativa de enganos em torno do legado do governo anterior, e a demonização do trabalho de Passos Coelho, que na cabeça de muita gente perdura até hoje. Essa narrativa não é apenas injusta – ela conduz, naturalmente, ao relaxamento da sociedade portuguesa, ao regresso a uma certa inconsciência no endividamento e à adopção de um discurso de facilidades que não existem. É verdade que as acções de Costa e Centeno foram sempre mais responsáveis do que as palavras que saíam das suas bocas – só que, a partir de certa altura, o mal estava feito. Se a austeridade prejudicou tanto o país, se ela não era necessária, porque é que as pessoas não podem regressar à vida de antigamente?
Quem por palavras mata, por palavras morre. António Costa começa agora a pagar, com três anos de atraso, o seu pecado original: andar a vender obsessivamente ao país que a austeridade do governo Passos estava errada, quando sabia perfeitamente que não havia alternativa a ela. Agora, na sua mensagem de Natal, o “virar a página de austeridade” deu lugar aovirar a página dos anos mais difíceis”. Mas já vem tarde. Avizinham-se tempos duros para o governo, e é muito possível que esta legislatura tenha dez meses a mais do que recomendaria a boa saúde política de António Costa.  
COMENTÁRIOS:
 Há 31 minutos: Concordo com o JMT, porque até ao virar do "calendário" não vai haver "Alternativa" nenhuma, porque a Multinacional COSTA/Centeno e Cª., vai a todo o "vapor" para o terceiro ano de Austeridade, com apoio do BE, e PC que "maravilhados" com a Diminuição do Défice, estão convictos que 2019 vai ser o "Ano" da classe Trabalhadora, que tanto tem sofrido com a "Austeridade".
Nuno Silva: Que os deuses nos livrem do PS ter mais do que 33% de votos, senão o PS voltará novamente a roubar e a bater nos mais pobres. E quanto mais o governo aguentar as reivindicações dos quadros médios e superiores do estado (professores, médicos, enfermeiros, juízes, etc), que estão um pouco, não muito, acima do que o povo pode pagar, mais votos terá nas eleições (é o efeito 'Passos austero', que dá votos do centro-direita e trabalhadores do privado). Mas se não meter mais pessoal para aliviar a carga de trabalho daqueles quadros, que também foram martirizados pelo Coelho, perde votos à esquerda a juntar às leis laborais miseráveis e salário mínimo de miséria, apesar de condições económicas favoráveis, apesar da insistência da CDU e Bloco, diminuindo assim mais a desigualdade e pobreza.
Rebelde, Aveiro : E quem paga as reduções de horário? O cobertor não estica e governar implica tomar decisões. Quando dá para uma coisa tem que tirar a outra. Onde tira? Vivem muito mal os médicos e enfermeiros da nossa terra que não possam trabalhar 40 horas? (> Sandra), acessório é contratar pessoal a rodos ou pagar horas extraordinárias para poder fazer face a 35 horas que ninguém percebe. Ah, valoriza a educação, e os desempregados não? E as estradas, podem estar todas esburacadas? e o apoio à deficiência e aos idosos não valoriza? e a habitação valoriza? e a polícia e os tribunais acha importantes ou não? e os presos? Pense. O Costa queria ganhar as eleições a todo o custo e para isso tinha que mentir. Como sempre acontece em Portugal. Lembram-se do choque fiscal do Barroso? O que fez? Aumentou impostos em vez de os diminuir como prometeu. A verdade é que a nossa produtividade só dá para estes remedeios de orçamento.
II - NATAL
Camélias e Haydn. O Natal /premium
MARIA JOÃO AVILLEZ    -    OBSERVADOR, 26/12/2018
Nesses lugares menos poluídos pela azáfama, onde se dão as Boas Festas em nome próprio, andando a pé pelas ruas, numa troca de votos festiva porque há tanto de vagar quanto de sinceridade para isso.
1. E de súbito, por entre as fiéis neblinas matinais que sempre acolhem as manhãs aqui no oeste, abro a janela para o jardim e eis diante dos meus olhos surpresos o primeiro presente de Natal: camélias, muitas, rosa e vermelho, uma profusão delas, despontando no verde das cameleiras. Camélias, Santo Deus, flor entre as flores (de igual talvez só a rosa), deve ter sido o frio, há duas semanas não havia uma que se visse e agora… são um mar embalado pelas neblinas.
2. A verdade é que o Natal já começara há uns dias. Foi em Viena e estava muito frio quando numa manhã de Dezembro, passei a porta da Igreja dos Jesuítas, faltava ainda um bom bocado para a missa mas eu sabia que, lá dentro, já estariam a ensaiar a Missa de Lord Nelson (Haydn). Desde que um dos meus filhos lá vive fui-me apropriando da cidade, criando hábitos, afeiçoando-me a rotinas. A maior é sem dúvida o encontro semanal nesta igreja, situada muito perto do centro, severa por fora, excessiva e excessivamente barroca, por dentro. É de há muito costume do seu pároco fazer acompanhar a missa do domingo por uma orquestra e coro que, a cada vez, toca e canta uma missa de um compositor diferente. Sim, é Viena, mas mesmo assim. Não é fácil descrever o ambiente, o privilégio daquela oferta, a espiritualidade conferida à celebração pelo impacto de uma missa cantada envolvendo a missa celebrada, ambas desenrolando-se recolhidamente, em magnífica acústica, numa quase prodigiosa simbiose. Descobri por puro acaso esta espécie de dádiva – e que outro nome lhe dar? — quando, andando a pé pelo centro histórico, ouvi música. Entrei. Era o som absolutamente arrebatador da Missa da Coroação de Mozart, cantada nos Jesuítas e foi assim que descobri esta igreja e este seu costume. Nunca deixei de voltar. Este ano, uma manhã gelada do feriado santo do dia 8 de Dezembro, cantava-se Haydn, cheguei muito cedo, ainda eles ensaiavam numa quase penumbra. Sentada solitariamente num banco frio, era como se aquela orquestra e aquele coro tocassem só para mim o anúncio do Natal. No dia seguinte, domingo, tocou-se a Missa Alemã de Schubert. O Natal tinha começado. E eu nunca desistirei dele.
3. O Natal fora de portas tem a distingui-lo uma espécie de íntima espessura que pouco se encontra, e talvez já nem sequer exista nos centros urbanos ou nas grandes metrópoles, onde a sua simbologia cristã é cada vez mais marginal, senão objecto de caricatura ou desprezo. Acredito porém que as “diferenças” entre distintas vivências e versões natalícios diga ainda alguma coisa a alguém para quem o Natal não se esgote exclusivamente na mesa ou no centro de comercial.
Onde estou agora há desde logo o silêncio, tão diferente quando se está nas lonjuras do campo, dos arredores, deste ou daquele Portugal mais ou menos “profundo”. Nesses lugares menos poluídos pela azáfama, onde se dão as Boas Festas em nome próprio, andando a pé pelas ruas, numa troca de votos festiva porque há tanto de vagar quanto de sinceridade para isso; onde se vai ao jardim ou à terra buscar azevinho, musgo e bagas vermelhas com que enfeitar casas, presépios e árvores de Natal; onde o tempo tem tempo e não é mais essa lâmina fina a cortar-nos a vida; onde as coisas adquirem importância porque querem de facto significar alguma coisa, dos livros que se lêem à música que se ouve, aos gestos que se têm. Sobretudo ao como se pensa sobre o que inquieta, interpela e dói, e nestes dias dói mais. Quanto pesa a mochila do lutos e da perda, a quantas vai a nossa própria contabilidade das coisas da vida? Dizer “amanhã” que sentido tem? Não que a distância silenciosa do tropel citadino recupere o irrecuperável ou sequer amacie a inquietação. Mas por breves, concretos instantes, troca-se a ameaçadora incerteza dos dias pela convicção praticada de duas ou três certezas. Haverá mais certo, quero eu dizer, que a promessa do Natal e do seu anúncio? Que a luz e o espírito desta quadra tão portadores de promessas? Que a família, reunida e animada pelos muitos que vêm de longe, sabendo que é do seu cais que partimos e a ele que sempre voltamos? Haverá enfim mais certo do que a vontade de querer guardar a sete chaves tudo isto? Puerilidade? Nenhuma. Nostalgia? Imensa. Verdade? Toda. Simplismo? Ainda bem. Não costumam as certezas ser simplicíssimas quando são fortes como âncoras?
4. Falei acima de música, coros e orquestras e lembrei-me do Concerto de Natal de Mafra, um lugar onde vou e volto, sempre com o gosto intacto. Desta vez eram as vozes do Coro Lisboa Cantat dirigido por Jorge Alves, atapetando musicalmente os nossos primeiros passos em direcção ao Natal. E que bem deram a ouvir Haendel, Briten, Vasco Pearce de Azevedo, João Vaz e ouviu-se também o órgão do Evangelho, onde se sentou o próprio João Vaz e o órgão da Epístola, tocado por Sérgio Silva. Já aqui falei várias vezes de Mafra e da excelente direcção que lhe imprime Mário Pereira, director do Palácio. Este conjunto raríssimo, jóia da coroa do património português (os seus seis órgãos são os únicos no mundo construídos para tocarem em conjunto) vale todos os desvios mas por vezes tenho a sensação que os lisboetas valsam entre a preguiça e talvez a ignorância. Não sabem o que perdem. Mas quando descobrirem a moldura da Basílica e o som dos seus órgãos tocando a quatro, a dois ou a seis (um must absolutíssimo) talvez se lembrem desta pobre escriba que lhes deseja um Santo Natal.
5. Boas Festas! E um Dezanove que não nos envergonhe muito.
COMENTÁRIOS
victor guerra: Gente fina é outra missa
Filipe Nunes: Um artigo com a sensibilidade adequada ao NATAL. Para combater - sim, de uma luta se trata quando intelectualóides boçais tomam conta dos artigos de opinião - esses esquerdistas bacocos que só sabem vir com diatribes sobre o NATAL. E são tão toscos e ignorantes nos seus escritos. Por isso, é uma lufada de ar fresco ler um artigo com classe e com uma perspectiva enlevada com a realidade do NATAL. Porque o NATAL é isso: Encanto. Puro e sublime encanto.


sábado, 29 de dezembro de 2018

Fantasias de antigamente transpostas ao presente


Duas histórias contadas por Salles da Fonseca, mais ou menos epigramáticas, ou de leitura amena.
Quanto à primeira – de amor, generosamente provado - também nós, portugueses, tivemos um caso de oferta de cidades, não somos menos do que os americanos. É certo que foi no dote da princesa Catarina de Bragança, quando casou com o rei Carlos II de Inglaterra, não, pois, como preito à beleza feminina, mas como negócio matrimonial: demos Tânger ao Rei, de mistura com muito chá. Hoje, essas histórias de bem querença limitam-se, por cá, a empréstimos de palacetes à beira-mar, por familiares muito amigos, mais ou menos arredados da história, mas evocados com a ternura necessária à sua plausibilidade perante a desconfiada media. Não sei se estava no pensamento subtil de Salles da Fonseca a analogia.
Quanto à história das máscaras de Carnaval, é assunto hoje banalizado, mas que nos conta as suas origens, afinal bem sinistras, e hoje só servindo de referência inócua de sátira, pois, nos tempos que correm, já nem se precisa de máscara. Qualquer pode usurpar o seu condado, bem às claras, desde que tenha arte para tal.
Mas é com Schiller que fecham as anotações do blog “A Bem da Nação”, a destacar-se altivamente da teoria democrática, libertadora de todos os instintos:  “A voz da maioria não é garantia de justiça”.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 28.12.18
Da Wikipédia extraio que William Tecumseh Sherman foi um soldado, empresário, educador e autor norte-americano.
General no Exército da União durante a Guerra de Secessão, foi reconhecido como um estratega militar visionário.
Nascimento: 8 de fevereiro de 1820, Lancaster, Ohio, EUA
Falecimento: 14 de fevereiro de 1891, Nova Iorque, Nova Iorque, EUA
Cônjuge: Ellen Ewing Sherman (de 1850 a 1888)
Enterrado no Calvary Cemetery & Mausoleum, St. Louis, Missouri, EUA
Filhos: Thomas Ewing Sherman, Eleanor Sherman Thackara

Do romance «Música de praia» de Pat Conroy[1], extraio que o personagem principal é Jack McCall, nascido em Waterford, na Carolina do Sul, crescido até quase aos dois metros e que já referi  num texto anterior sobre a palavra «perfunctório». Contei então que a mulher dele, Shyla, se suicidara ao atirar-se duma ponte por não ser capaz de continuar a suportar as vozes que a esquizofrenia a fazia ouvir constantemente.
A mãe de Jack transformara-se de stripper analfabeta quando era solteira em cicerone da sua própria casa, histórica, depois de casada com um juiz e mãe de cinco filhos em que Jack era o primogénito. Ali acediam (pagando, claro) grupos de turistas, tanto locais como forasteiros.
Quando o rapaz estava a concluir o liceu, a casa foi visitada pela sua turma de finalistas e ele próprio foi, como turista, ouvir a mãe explicar tudo o que o rodeara desde que nascera. Como seria de esperar, a mãe não cobrou a visita da turma do filho.
E naquela sala, a «biblioteca», a mãe explicava que, quando os ianques ocuparam Waterford logo no início das hostilidades, a dona da casa se tinha recusado a fugir e passara toda a Guerra Civil sob ocupação nortista e fingia que lia uma carta emoldurada e pendurada na parede em que o General Sherman escrevia à antiga-antiga dona daquela casa pedindo para transmitir um recado à sua ex-amada, Elizabeth, a filha da dita Senhora:
Cara Senhora Cotesworth,
«Lembro-me do serão que passei em sua casa com imenso prazer (em que pedira ao pai a mão de Elizabeth, que anuíra, mas que as obrigações militares do putativo noivo impediram a concretização) e muita tristeza. Soube da morte do seu marido em Charleston e a notícia causou-me grande pesar. Contaram-me que a carga de cavalaria que ele comandava rompeu as nossas linhas infligindo pesadas perdas. Teve uma morte honrosa e espero que isso a console.
Já deve ter ouvido que vou atacar as forças confederadas que defendem Colúmbia. O Sul está aniquilado e a guerra em breve terminará. Gostaria igualmente de apresentar os meus cumprimentos à sua filha, Elizabeth, e muito apreciaria que lhe dissesse que ainda a tenho em grande estima. Não estou certo de que a guerra contra o México e as grandes vitórias alcançadas pelas forças americanas sejam merecedoras da perda de Elizabeth. Enquanto o meu exército avança através do Sul e se aproxima inexoravelmente do lugar que Elizabeth tornou mágico pela sua mera presença, penso muito nela.
Ficar-lhe-ia muito grato se fizesse chegar às mãos de sua filha um recado: diga a Elizabeth que lhe ofereço a cidade de Charleston.
Muito sinceramente,
Wiliam T. Sherman
General do Exército
 Na época em que os finalistas do liceu de Waterford visitavam a casa de Jack, a sua futura mulher, Shyla, ainda namorava com um outro colega de turma e, à saída, a mãe chamou o filho com uma frase sonante que a todos fez virar para trás: - Eh, bonitão! Não me digas que te vais embora sem me dares um beijo de despedida. O rapaz voltou a subir as escadas para beijar a mãe, quase caiu de joelhos perante ela e recebeu uma festa na cara. Foi então que do grupo de liceais se soltou uma voz feminina bradando – General Sherman! General Sherman! Vamos embora! Ao que a mãe de Jack respondeu - Ele vai já, Elizabeth!
Era Shyla que o tinha chamado e que assim declarava a toda a gente mudar de namorado.
 * * *
 Acredito nas informações da Wikipédia mas não acredito numa única linha do romance. E dado que parte importante da história se passa em Roma, digo como os italianos: «Se non è vero, è ben trovato».
De qualquer modo, gostei da qualidade literária do cenário romanceado e por isso o trago aqui.
Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
 [1] - Ed. Círculo de Leitores, Setembro de 1996, pág.215 e seg.
 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,  27.12.18
CARNAVAL DE VENEZA 
O rosto da mulher estava tapado por uma máscara, mas a minha imaginação desenhava-lhe as feições. Mascaradas, todas as mulheres se transformam em beldades famosas que todos os homens conquistam pelo seu encanto. A mulher com quem dançava pôs-se a fazer-me perguntas em italiano. Se eu dissesse uma palavra, todo o país ficaria ao corrente de que eu era americano.
- Ah! – exclamou ela numa voz cantante. – Esperava que fosse chinês.
- Então, sou chinês – disse eu em italiano.
- Sou condessa – disse com orgulho. – A minha família descende do décimo segundo Doge.
- É verdade? – perguntei.
- Esta noite, tudo é verdade. No Carnaval, todas as mulheres são condessas.
O meu italiano tinha chegado aos seus limites, assim, falei-lhe em inglês.
- A máscara torna a mentira mais fácil?
- A máscara torna a mentira necessária – respondeu-me.
- Então, não é condessa.
- Sou condessa, todos os anos, na mesma noite. E espero que toda a gente me preste as homenagens que mereço.
Dei um passo atrás e fiz-lhe uma profunda vénia.
- Minha condessa adorada.
- Meu servo – disse ela e, fazendo uma reverência, desapareceu na multidão.
 MÚSICA DE PRAIA – Pat Conroy - Círculo de Leitores, ed. Setembro de 1996, pág. 62
  Henrique Salles da Fonseca  27.12.2018  

COMENTÁRIO
Olá! Henrique 
A Sereníssima tinha um governo ditatorial. Havia várias bocas de leão para se depositarem denúncias anónimas. Desgraçados dos que entrassem por "aquela" porta, dentro do palácio dos Doges.
Perante isto, recorrendo à sua forte imaginação e apurado sentido de humor, os venezianos foram alargando a época do Carnaval, alargaram tanto que a Sereníssima teve de o datar.
Já deve saber isto tudo. Eu relembro o pavor de venezianos a falarem das bocas de leão e do humor a falarem nas máscaras. 
Chegaram a andar mascarados seis meses. A capa preta fazia parte do traje diário e a máscara preta era usada nas muitas pestes.
Gena Múrias

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇão, 28.12.18

A voz da maioria não é garantia de justiça
Friedrich von Schiller



sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Sem remédio


Mais uma arremetida quixotesca de JMT - e seus comentadores - contra moinhos de vento que vão moendo estranhos processos de vivência neste país de muitos gigantes na sobrevivência:
OPINIÃO -  Freitas do Amaral loves Ricardo Salgado
Há textos que explicam um regime inteiro, e um desses textos foi publicado por Diogo Freitas do Amaral no PÚBLICO de quarta-feira.
JOÃO MIGUEL TAVARES    PÚBLICO, 22 de Dezembro de 2018
Os senhores de colete amarelo, que ontem se manifestaram pelo país a atravessar passadeiras com grande empenho, fartaram-se de resmungar diante das câmaras de televisão acerca dos políticos e do tamanho da Assembleia da República – mas para quem quer realmente perceber Portugal, os jornais continuam a ser bastante mais úteis do que as manifestações. Há, aliás, textos que explicam um regime inteiro, e um desses textos foi publicado por Diogo Freitas do Amaral no PÚBLICO de quarta-feira. Chamava-se “BES e GES – um só responsável? Novos ataques a Ricardo Salgado”, e lê-lo com alguma atenção é perceber como é que Salgado foi possível, como é que a queda do BES foi possível, como é que Sócrates foi possível, como é que a bancarrota foi possível, como é que Zeinal Bava foi possível, como é que a queda da PT foi possível, e por aí fora. E tudo foi possível, em primeiro lugar, por causa da cupidez dos próprios; e, em segundo lugar, por causa de políticos – melhor: de senadores – como Diogo Freitas do Amaral.
A teoria de Freitas do Amaral é fácil de resumir em três pontos. 1) Ricardo Salgado não fez tudo sozinho. 2) Há mais responsáveis pela queda do BES, incluindo o governador do Banco de Portugal e Passos Coelho, que o queria substituir por José Maria Ricciardi (porque é que não o substituiu, então, é mistério que fica por explicar). 3) Se o governo da altura tivesse dado uma mãozinha, o banco ainda aí estaria, todo forte e viçoso. A interligar os vários pontos estão duas ou três teorias da conspiração delirantes, mais aquele provérbio português que é sempre piamente evocado nestas situações: não se bate em quem está no chão. Devo dizer que me apetece sempre bater em quem nestes contextos diz que não se bate em quem está no chão. Para Salgado, o chão, no presente, é uns motoristas, umas secretárias, umas assessoras e talvez umas empregadas a menos. Já o chão, para mim, é o Linhó.
Contaram-me que Ricardo Salgado, após sair do BES, instalou o seu gabinete (coitadinho) no Hotel Palácio do Estoril, onde todos os dias era servido por um funcionário do hotel que tinha perdido as suas poupanças na queda do banco. Estar no chão, para os Salgados e os Sócrates desta vida, é andar dez e 15 e 20 anos a lutar na justiça, continuando a almoçar em restaurantes Michelin e a fazer férias em hotéis de cinco estrelas. Tudo isso graças a leis que políticos como Freitas do Amaral fizeram, e à forma como advogados pagos com dinheiro tantas vezes adquirido de forma ilegal conseguem multiplicar as manobras dilatórias, até ao ponto de os clientes já estarem demasiado velhos ou demasiado doentes para ir para a cadeia.
Ricardo Salgado não é, com certeza, o único responsável pela queda do BES. Mas é o maior. E a quilométrica distância de todos os outros. Ele era – mesmo – o Dono Disto Tudo, e entre redes financeiras, redes políticas e redes familiares, tinha meio país na mão. Como eu não conseguia explicar o despropósito do texto de Freitas do Amaral, fui à Wikipédia. No capítulo “família” encontrei isto: “Filho de Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral e de sua mulher, Maria Filomena de Campos Trocado, sobrinha-bisneta do 1.º Barão da Póvoa de Varzim. Casou em Sintra, a 31 de Julho de 1965, com Maria José Salgado Sarmento de Matos, escritora, com o pseudónimo de Maria Roma, sobrinha paterna de Henrique Roma Machado Cardoso Salgado e prima-irmã do banqueiro Ricardo Salgado.” Bendita Wikipédia, que nos ensina tantas coisas.
COMENTÁRIOS
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José Teixeira Gomes, Porto 24.12.2018: Na "mouche" João Miguel! Depois de tudo o que os portugueses viveram nos últimos anos, o texto do Sr Amaral é obsceno!
CHINTZ,  Porto 23.12.2018:: Salgado teve a sorte de encontrar o rei dos corruptos, Sócrates. Sem poder mexer os cordelinhos que faziam Sócrates dançar, Salgado não tinha conseguido nada. Ambos gozam de boa saúde e estão a banhos. Os milhões aldrabados pelo duo estão mal mas esta é a justiça dos tempos socialistas. Milhões de portugueses gostam.
Carla Moreira, 23.12.2018: Custa a acreditar naquilo em que se converteu esta figura sinistra chamada Freitas do Amaral. Obrigada, JMT!
António Cunha,  22.12.2018: O texto de Freitas do Amaral veio expor um ponto muito sensível às vozes da extrema direita: a infantilização da narrativa 'saída limpa' e as incongruências diabólicas do governo da direita radical de Passos, Portas, Albuquerque e Louçã. Temos pena. Responder
Rebelde, Aveiro 23.12.2018: Quê? Alguém entendeu?
Esnor-Escoramentos do Norte Lda, 23.12.2018: O que é que o governo de Passos Coelho tem a ver com a extrema direita? Que se saiba foi o único que lhe fez frente e acabou com a pilhagem ignóbil desse trafulha do Salgado.
Visitante da Noite En un lugar de La Mancha, ou por aí perto 22.12.2018: O artigo do Freitas deu-me vergonha alheia. O texto do JMT é absolutamente demolidor e era necessário. Parabéns!
Aónio Eliphis,  Algures nos pólderes da ordem de Orange! 22.12.2018: JMT a incorrer na falácia do argumento ad hominem. O que é que intetessa as relações familiares de Freitas do Amaral? Também posso dizer que os argumentos de JMT anti-Sócrates são inválidos, porque o último colocou sobre o primeiro um processo de difamação?
Álvaro Athayde, Coimbra 22.12.2018: O que acho e não acho normal: 1. Acho normal que uma pessoa defenda um familiar que considera estar sendo injustamente acusado, ou vítima de um ‘linchamento mediático’. 2. Não acho normal que o faça sem assumir claramente que é isso que está fazendo. Acontece que foi exactamente isso que Diogo Freitas do Amaral e Miguel Sousa Tavares fizeram. Os gregos que inventaram o termo ‘oligarquia’  para designar “uma forma distorcida, degenerada e negativa de ‘aristocracia’” estavam cheio de razão, os melhores não fazem coisas destas.  Quanto ao resto…  [1]  Acho que João Miguel Tavares está cheio de razão quando afirma que os Sistema Ultra-Garantístico vigente tem como consequência que, na prática, exits uma Justiça para Ricos e uma justiça para pobres.? [2] Acho que João Miguel Tavares faz mal em embarcar na onda do linchamento mediático de Ricardo Salgado.?[3] Acho que o ambiente de “denúncia institucionalizada” e de “linchamento mediático” em que vivemo é, esse sim “Uma Questão de Civilização”.
nelsonfari, Portela-Loures 22.12.2018 Falando também de parentesco: a filha de Miguel Sousa Tavares, Rita Sousa Tavares, é casada com um filho de Salgado. Compadres, portanto. JMT está a meio caminho entre os advogados agregados em Sociedades que nos minam a vida e a Plataforma de crowdfunding de que os enfermeiros se estão a servir para fintarem a trindade Governo-Patrões-Sindicatos. Passo a explicar: o ISF da França que fez saltar para a ribalta os "Gilets Jaunes" está na base da revolta. Mas é preciso contar a história: O ISF foi suprimido mas em sua substituição foi erigido o IFI (Imposto sobre a fortuna imobiliária). Em suma: o que conta é a tributação sobre o imobiliário, uma grande abébia para quem detenha activos financeiros que, ao abrigo da Lei, podem ser incorporados como "bens profissionais" e serem considerados como activos das empresas detidas pelos ricos. Uma jogada da classe dominante em ordem à "financeirização da economia". Jogos jurídicos... Ora, tudo isto encerra ensinamentos para Tiago Caiado Guerreiro, Morais Sarmento e José Miguel Júdice, advogados de negócios. Os enfermeiros, fartos do jogo estéril da trindade atrás referida, fizeram inovação social na luta sindical, na esteira de Nuno Markle. O duo CGTP/UGT que se acautele e, por tabela, os partidos que ditam as regras dentro destas estruturas. Pode ser uma viragem - reconheça-se engenho nisto (os privados estão a interferir? Teoria duvidosa). Os dois lados da luta estão aqui representados: à argúcia dos advogados de negócios contrapõem os enfermeiros uma nova forma de pressão social. Onde está JMT nisto tudo? JMT é lento, o Freitas, da Quinta da Marinha, aluno dilecto de Marcelo Caetano, familiar e vizinho de Salgado...Estão no mesmo saco. JMT foi curto... Isso pode ser verificado, embora a bastonária tenha garantido que as situações-limite foram todas acauteladas. Do que se trata é que as centrais sindicais estão aburguesadas e não lutam. Até a historiadora Bonifácio, noutro local deste Jornal de hoje, já se conciliou com o que se passa: isto é incontrolável. Eu digo: a causa remota está na década de 80: vide Reagan, Dama de Ferro e a queda do muro e, last but not least. a querida Alemanha, com grandes culpas no cartório dos ditos "social-democratas" (SPD). Os sindicatos têm andado numa actuação estranha: o líder da CGTP assobia para o ar ao declarar que o patronato não franqueia as portas aos órgãos representativos dos trabalhadores.