Um curioso texto de história
cristã, na China do nosso tempo, que nos informa sobre a existência da Igreja
Cristã na China, provavelmente já por efeitos da missionação de S. Francisco
Xavier por terras do Oriente, em tempos recuados e por conta da globalização de
agora. Mas o facto é que a Igreja da versão católica se tornou ali clandestina,
perseguida desde Mao, e se quiser singrar, a Igreja na China só pode ser a
patriótica, dos defensores do povo segundo a concepção comunista. Um texto
muito elucidativo sobre mais um caso de perseguição e luta por ideais
religiosos, que lembra o dos cristãos novos, judeus “convertidos” ao
cristianismo por cá, para escaparem aos tentáculos da Inquisição.
«A Igreja no Império de Mao», de P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA,
um texto elucidativo sobre mais umas andanças do cristianismo, cujas
perseguições pelos romanos pagãos o imperador Constantino conseguiu eliminar, e
um pouco mais tarde o imperador Teodósio I conseguiu impor como religião
oficial do império Romano. Mas trata-se agora do catolicismo na China, um
catolicismo politizado para ser bem acolhido, fruto de outra evolução,
naturalmente. Uma curiosa lição de história.
A Igreja no Império de Mao
OBSERVADOR, 10/2/2018
Na China, está-se a tentar a substituição dos bispos clandestinos pelos
da chamada igreja patriótica, o que está a causar uma profunda consternação nos
católicos chineses.
Reza a história que a actual China era denominada, pelos seus
habitantes, Zhong-guo, ou seja, o Império do Meio. O nome
reflectia uma visão imperialista do mundo, centrado na própria China, que então
estava rodeada de Estados tributários, submetidos ao imperador, o Filho dos
Céus. A concepção monárquica deu lugar à actual estrutura republicana, mas a
China continua a ser um império, embora eufemisticamente disfarçado de
democracia popular. Depois da estrepitosa falência dos regimes comunistas
europeus, sobretudo graças a São João Paulo II, a China manteve-se fiel ao
marxismo, numa das suas mais mortíferas versões: o maoísmo. Não obstante
a liberalização da sua economia, o regime político continua autoritário e
contrário aos direitos humanos, como o massacre da praça de Tiananmen
evidenciou.
Na China comunista, a Igreja católica é perseguida, principalmente os
seus bispos e padres. Muitos, com efeito, estão detidos, ou impedidos de
exercerem o seu ministério. Como já acontecera com a Revolução Francesa, as autoridades comunistas
chinesas promoveram uma igreja católica cismática, que recebe o nome de
patriótica, por oposição à verdadeira Igreja, que seria portanto antipatriótica.
Escusado será dizer que só os bispos e padres da igreja patriótica têm
liberdade de acção; a
Igreja clandestina não goza de quaisquer direitos e os seus bispos e padres só
podem exercer o seu sagrado ministério de forma oculta e com perigo da própria
vida.
Com São João Paulo II e, sobretudo, Bento XVI, que escreveu uma carta a
este propósito, têm sido muitos os esforços do Vaticano para estabelecer boas
relações com a China, que se espera que venha a reconhecer a liberdade
religiosa dos fiéis da única Igreja católica chinesa, dita clandestina. Com
efeito, os bispos da igreja patriótica, ao não terem sido ordenados com mandato
pontifício, embora tenham recebido o episcopado, estão automaticamente
excomungados, também pela sua atitude cismática em relação a Roma. Bento XVI tentou que as nomeações
dos bispos católicos na China fosse feita por acordo entre a Santa Sé e as
autoridades chinesas, por forma a pôr termo à existência das duas hierarquias
paralelas.
Já no actual pontificado, a diplomacia vaticana parece estar a tentar
uma nova solução, mas pela via da substituição dos bispos clandestinos pelos da
chamada igreja patriótica. Uma tal medida está a causar uma profunda
consternação nos católicos chineses, nomeadamente o Cardeal Zen, bispo emérito
de Hong-Kong que, por este motivo, foi expressamente a Roma, para protestar
pelo que considera ser a venda, pelo Vaticano, da Igreja católica na China.
O Cardeal Zen, que é um símbolo vivo da resistência católica no seu
país, conseguiu entregar uma carta ao Papa Francisco, a quem expôs a situação
na China e denunciou as tentativas de substituição da Igreja clandestina pela
patriótica. Pequim veria com bons olhos a existência de uma Igreja católica
nacional totalmente dominada pelo regime, como até à data tem sido a igreja
dita patriótica. O Papa Francisco, depois de ler a carta do cardeal Zen e de o
receber, assegurou-lhe que deu instruções para evitar o que o bispo emérito de
Hong-Kong denunciou. Também garantiu que segue de perto as diligências do
Vaticano sobre este particular.
Contudo, outro parece ser o entendimento do Secretário de Estado da
Santa Sé, que chefia a diplomacia vaticana. Numa recente entrevista, o Cardeal
Pietro Parolin disse: “Se a alguém se lhe pede um sacrifício, pequeno ou
grande, deve ter presente que isso não é um preço político, mas faz parte de
uma perspectiva evangélica de um bem maior, o bem da Igreja de Cristo”. Como
só a Igreja clandestina obedece a Roma, é óbvio que o sacrifício não pode ser
outro que o da substituição da sua própria hierarquia pela patriótica,
supostamente “para o bem da Igreja de Cristo”. Só assim se poderia chegar, como
Parolin deseja, “a já não ter que falar de bispos ‘legítimos’ e ‘ilegítimos’,
‘clandestinos’ e ‘oficiais’ na Igreja chinesa, mas de um encontro entre irmãos,
aprendendo de novo a linguagem da colaboração e da comunicação”.
Ora, como George Weigel recentemente escreveu, sempre que a
diplomacia vaticana optou por colaborar com regimes totalitários, os resultados
foram desastrosos. Com efeito, as concordatas com Mussolini e Hitler não
impediram que o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão perseguissem a
Igreja católica, que denunciou aqueles dois regimes por via das encíclicas Non
abbiamo bisogno, de 1931, e Mit brennender Sorge, de 1937, ambas de Pio XI.
Também são preocupantes as declarações do chanceler da Pontifícia
Academia das Ciências, o arcebispo argentino Marcelo Sánchez Sorondo que, no seu
regresso de uma viagem a Pequim, declarou que “os chineses são, de momento, os
que melhor põem em prática a Doutrina Social da Igreja”! A afirmação esquece que a China não só
desrespeita os mais elementares direitos humanos – recorde-se, por exemplo, o recurso
frequente à pena de morte, a sua política repressora da natalidade, a ausência
de liberdade política, religiosa, etc. – como também é, na actualidade, um dos
países em que os católicos são mais perseguidos.
Sánchez Sorondo permitiu-se até exaltar a ‘superioridade moral’ da China
comunista. Segundo o chanceler da Academia das Ciências, Pequim “defende a
dignidade da pessoa humana” (!!) e, mais do que outros países, está a levar à
prática as recomendações da encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, “assumindo
uma chefia moral que outros abandonaram”, numa clara alusão aos Estados Unidos
da América!!!
Não sei se a China continua a ser o Império do Meio, mas certamente
ainda é, infelizmente, o Império de Mao, que em português soa ao que
verdadeiramente é. Nesta hora difícil para os heroicos católicos chineses,
valha-lhes a oração dos seus irmãos na fé, a solidariedade dos verdadeiros
democratas, a promessa do Papa Francisco ao Cardeal Zen e, sobretudo, a divina
certeza de que nem o mal, nem o Mao, prevalecerão contra a Igreja de Cristo (Mt
16, 18).
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