segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

«Já não há doutros»


Isto disse a nossa amiga, depois de uma observação de desgosto da minha irmã pelo alastramento entre nós de casos ditos de corrupção, mas a nossa amiga até o disse com donaire, quando frisou a amplitude destes casos na nossa sociedade, explicando que a generalização era por demais visível, alargada a todos os domínios sociais. Eu bem que quis arriscar sobre a qualidade dos ditos, que agora já se espalharam pela classe dos juízes, em princípio os mais sabedores e letrados, que fazem as leis e as estudam, estão continuamente a estudá-las e mais às que se lhes sucedem, que escorrem continuamente sobre as suas cabeças, já dizia um meu amigo Dr. juiz, que aquilo é um nunca acabar de novos decretos, um ver se te avias ininterrupto e cansativo que os juízes têm de fixar, para serem juízes a valer. Por isso é que às vezes se sucedem os desvios, tão chocalhadas ficam as cabeças deles que devem perder mesmo a noção do próprio significado do que é lei e do que é pena, daí a baralhação que os faz chafurdar também no delito, julgando que é o certo.
 Isto quis eu explicar, com a minha habitual doçura, que até já me valeu da parte da nossa amiga o epíteto de madre Teresa, o que eu refutei modestamente, provocando a posterior extinção desse seu panegírico, com grande frustração minha. Mas num fulgor evocativo, desistindo de investir nas parecenças com a santa de Calcutá, e optando pelo de zoilo, escudei-me com o Malhadinhas, que já nos seus tempos e da sua Brízida tinha uma má impressão da Justiça, os juízes sendo para ele uma choldra de ladrões, o que desfazia a minha anterior convicção de modernidade na participação criminal da Justiça, pois a sua profusão tem mais a ver, seguramente, com o excesso de informação de hoje, por dá cá aquela palha, o que torna os exemplos mais visíveis, criando o nosso mal-estar, de respeitadoras da ordem.
 Mas vejamos o seguinte passo em que o ambicioso e justiceiro Malhadinhas mostra a sua opinião sobre os juízes do seu tempo:
«Sabem os meus fidalgos, eu só queria ser rei um dia. Um dia não era cabonde; mas uma semana. Se fosse rei uma semana, afianço-lhes que mondava Portugal. Uma fogueira em cada oiteiro para os ministros, os juízes, os escrivães e os doutores de má morte. Para estes decretava ainda uma cova bem funda, com obrigação de cada homem honrado lhes pôr um matacão em cima. Uma choldra de ladrões!»
O mal é que, a crermos nos repentes da nossa amiga, já não há homens honrados para os matacões do Malhadinhas, prevalecendo os das fogueiras.

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