Isto disse a nossa amiga,
depois de uma observação de desgosto da minha irmã pelo alastramento entre nós
de casos ditos de corrupção, mas a nossa amiga até o disse com donaire, quando
frisou a amplitude destes casos na nossa sociedade, explicando que a
generalização era por demais visível, alargada a todos os domínios sociais. Eu bem
que quis arriscar sobre a qualidade dos ditos, que agora já se espalharam pela
classe dos juízes, em princípio os mais sabedores e letrados, que fazem as leis
e as estudam, estão continuamente a estudá-las e mais às que se lhes sucedem,
que escorrem continuamente sobre as suas cabeças, já dizia um meu amigo Dr.
juiz, que aquilo é um nunca acabar de novos decretos, um ver se te avias
ininterrupto e cansativo que os juízes têm de fixar, para serem juízes a valer.
Por isso é que às vezes se sucedem os desvios, tão chocalhadas ficam as cabeças
deles que devem perder mesmo a noção do próprio significado do que é lei e do
que é pena, daí a baralhação que os faz chafurdar também no delito, julgando
que é o certo.
Isto quis eu explicar, com a minha habitual
doçura, que até já me valeu da parte da nossa amiga o epíteto de madre Teresa,
o que eu refutei modestamente, provocando a posterior extinção desse seu
panegírico, com grande frustração minha. Mas num fulgor evocativo, desistindo
de investir nas parecenças com a santa de Calcutá, e optando pelo de zoilo, escudei-me
com o Malhadinhas, que já nos seus tempos e da sua Brízida tinha uma má
impressão da Justiça, os juízes sendo para ele uma choldra de ladrões, o que
desfazia a minha anterior convicção de modernidade na participação criminal da
Justiça, pois a sua profusão tem mais a ver, seguramente, com o excesso de
informação de hoje, por dá cá aquela palha, o que torna os exemplos mais
visíveis, criando o nosso mal-estar, de respeitadoras da ordem.
Mas vejamos o seguinte passo em que o ambicioso
e justiceiro Malhadinhas mostra a sua opinião sobre os juízes do seu tempo:
«Sabem os meus fidalgos,
eu só queria ser rei um dia. Um dia não era cabonde; mas uma semana. Se fosse
rei uma semana, afianço-lhes que mondava Portugal. Uma fogueira em cada oiteiro
para os ministros, os juízes, os escrivães e os doutores de má morte. Para
estes decretava ainda uma cova bem funda, com obrigação de cada homem honrado
lhes pôr um matacão em cima. Uma choldra de ladrões!»
O mal é que, a crermos nos
repentes da nossa amiga, já não há homens honrados para os matacões do
Malhadinhas, prevalecendo os das fogueiras.
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