Eis o texto da minha Exposição
de ontem, no lançamento do livro «Permanência em fabulário de mudança”, que
decorreu na «Chiado Editora», que para mim foi um momento bonito, graças
à simpatia das pessoas que foram, à apresentação das pessoas da mesa e as de
colegas intervenientes – Rosa Sousa e Irene Bernardo - e aos bons
augúrios sobre o êxito da obra:
«Uma redacção da minha
terceira classe permaneceu num caderno escolar que a minha mãe guardou, e que
durante os tempos de Coimbra e mais tarde, de retorno a África, me acompanhou
igualmente, em narcísico apego pessoal a um escrito feito na escola de uma
aldeia onde iniciei a aprendizagem das letras e que guardei, com outros
cadernos posteriores, mas que o retorno a Portugal Continental em 74, fez esquecer
e abandonar no sótão do lar africano, na precipitação da partida em fuga.
Outras referências poderia
apontar dos meus êxitos de escrita, no “vanitas vanitatum” de um exibicionismo
naturalmente condenável, mas da minha redacção sobre “A Primavera”, fixei, em
espanto posterior, uma estrutura circular expositiva, em texto feito com oito
anos de idade, o seu igual começo e a conclusão próprios de uma consciência
estilisticamente, e julgo que precocemente, subjectiva, na dita redacção,
retomado o seu início no final, em frase simples, naturalmente, mas conclusiva
e impondo ritmo, a descrição encaixada entre o mesmo começo e o mesmo fim – «Eu
gosto muito da Primavera».
A referência vem a
propósito deste Fabulário com que fui entretendo ociosidades na derradeira fase
da vida, de vez em quando refazendo, nos livros e na Internet, memórias de
escritores que a marcaram e serviram, para melhor conseguir compreender ou
discordar, em permanente empenhamento participativo, embora obscuramente
captado na sociedade em que me integrei.
De facto, de escritores
parti, como mestres primeiros do meu encontro com o mundo, descontando,
naturalmente, as influências da família, na estruturação da própria
personalidade, além da natureza específica desta. Daí, o sentimento de gratidão
que me acompanha sempre que os leio, a esses escritores primeiros, como, de
resto, aos de hoje, que vou lendo nos livros ou nos jornais, facultados muitas
vezes pela Internet do meu assombro constante, na imediatez das respostas que
facilita às nossas dúvidas ou ânsias de melhor explicitação.
Sempre os mitos e as
fábulas favoreceram a minha curiosidade, mais atreita a leituras fáceis ou
mesmo mistificatórias, de evasão do real, ou de finais felizes, para a crença
no mundo bom e fuga da implacabilidade do Mal, com que a cada passo topamos,
mas em que o renovar da vida em cada criança que nasce e cresce ou em cada flor
ou folha que desabrocham em primaveras sucessivas, nos torna gratos a algo de
superior que nos cobre de bênçãos, mau grado os sofrimentos e as torpezas
também constantes no mesmo Mundo.
E as fábulas servem de
distracção, mas de reflexão também. Sobre o que é Bem, sobre o que é Mal. E,
sobretudo, de divertida ponderação, nos simbolismos de que são portadoras.
Daí o ter resolvido a certa
altura, em mero desafio de diversão e de simultânea aplicação aos casos vividos
na nossa actualidade política e social, de um paralelismo a merecer julgamento
crítico, fazer delas uma tradução em liberdade discursiva, mas respeitando o
pensamento clássico, para, seguidamente – ou mesmo como introito – estabelecer
o confronto e a conclusão, concordante ou desviada da moral antiga, no balanço
final de uma sociedade em mutação, mas eternamente firme, no jogo dos
sentimentos da alma, que a característica da abstracção torna imutáveis.
Sei bem quanto alguma
referência aos casos particulares da nossa especificidade nacional poderá
desvirtuar o seu alcance e reduzir-lhes a dimensão, pelo desconhecimento ou
indiferença do mundo, mas a universalidade crítica está bem saliente nas
próprias fábulas – de Esopo, de Fedro, de La Fontaine ou de Florian – que com
tanto prazer traduzi, sem distorcer-lhes o pensamento, mas nelas apondo, por
vezes, facetas de subjectividade ao sabor dos ritmos, do pensamento e da
melodia íntima, e os exemplos das nossas particularidades serão apenas casos
que nelas se encaixam, da nossa própria vivência nacional, embora facilmente
reconhecíveis por experiências mundanais análogas, os nomes citados tornados
puras abstracções genéricas do confronto irónico. Daí o acreditar neste livro,
como importante e educativo, para todas as classes, mais letradas ou menos
esclarecidas, estas últimas saboreando nelas o prazer do seu imediato
reconhecimento.
O ter usado um estilo mais
ou menos poético na sua estrutura formal, vem, pois, de encontro à frase
simples da minha redacção da terceira classe, estruturada já dentro de um
sentido harmónico, a conclusão retomando, circularmente, a introdução – “Eu
gosto muito da Primavera”.
Porque é de melodia também
que no livro se trata, as frases das traduções, como as dos comentários,
deslizando em ritmo facilmente captável, num pensamento facilmente perceptível,
o humor e a ironia possibilitando o sorriso ligeiro da adesão ou, concedo, o
esgar de desaprovação, da envolvência possível, nem sempre homóloga.
Estrutura circular também
poderemos adaptar, pois, a cada texto - e eis a razão da minha referência
primeira à tal redacção primária, pese embora a diferença, na escassa
abrangência do exemplo. Nos textos do livro, a fábula clássica funciona como um
centro fulcral, o universo humano girando em seu torno, ao longo dos séculos,
semelhante, diferente, uma “permanência em fabulário de mudança”, da análise
definitiva, se é que as contingências que nos limitam, de uma evolução
assustadoramente transformista, permitem a crença na durabilidade de qualquer
“definitivo”.
Termino, agradecendo:
- À minha Irmã, à Ilda e
à Alice, no seu companheirismo de bom humor paciente e sólido;
- Aos meus Filhos, pela
Família bela que souberam construir, no Companheiro e Companheiras, nos seus
Filhos, meus Netos, e nos Filhos das minhas duas Netas mais velhas, meus
Bisnetos, e que tive sempre a felicidade de poder manter no calor da
proximidade e da alegria que neles gosto de sentir, em convívio frequente, nos
anos que se vão;
- A Todos os que alguma
vez me leram e apoiaram em comentário caloroso – envolvendo nesses, os Amigos
que a morte levou;
- Ao Vitorino, meu bravo
Companheiro na viagem desta margem;
- À Paula, que no meu
livro está presente, no escrito do interior da contracapa e no discurso de
apresentação ao meu lado.
- À Isabel Teixeira, que
tão gentilmente acedeu a apresentar aqui hoje uma ocasional e temporária
companheira de percurso formativo, companheirismo suficiente, todavia, para o
reconhecimento de uma prestação mutuamente eficaz, forjadora de estima
permanente, mau grado as distanciações trazidas pelas dispersões das vidas, mas
que ressurge em momentos de reencontro, de uma simpatia sem emulação.
- Ao Luís, que deixou a
sua marca, de conceito eventualmente negativo – de resto, algum tanto
concordante com o sentido da mensagem do texto – no Homem claro e escuro da
capa;
- A Todos os que se
deslocaram aqui, no sacrifício das suas ocupações;
- À Memória, sempre
estremecida, dos meus Pais;
- E, finalmente, a Todos
os que, na Chiado Editora, contribuíram para a organização deste livro,
especialmente o Sr. Luís Raimundo, que acompanhou, com a paciência e o
entusiasmo atentos, a sua organização, e o apresenta aqui, e o Sr. César Adão,
que tratou dos trâmites da sua publicação:
Repito, o meu grande
obrigado.
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