quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Não prestei atenção


A presença vibrante e sincera de Passos Coelho, na sua última sessão como chefe do seu partido, ofuscaria quaisquer outras participações, apesar das suas palavras de estímulo ao novo líder - bem como a Santana Lopes, que obteve excelente resultado na disputa pela presidência, segundo afirmou, para quem chegou tarde à corrida, na sua tentativa de obstar a uma mudança radical de orientação com mais essa figura ambígua, que se diz “habituada a ganhar”, parece que “custe o que custar”, no seu sorriso “figé”, pronto a desferir projectos de autoridade pessoal, para conquista do seu espaço futuro, e não, como Passos Coelho, para limpar o nome de um país estrondosamente submerso numa dívida obscena. Não, não prestei atenção a Rui Rio, presa que fui à voz bem timbrada e às palavras de desprendimento pessoal e de ausência de demagogia, mas não de inteligência crítica, de Passos Coelho. Pareceu-me, todavia, que se tratou ainda de um discurso pouco relevante na definição de estratégias que definissem posicionamentos drásticos futuros.
Outros o precisam melhor - desvendando intuitos, o de Manuel Carvalho, que se refere a Rui Rio, na sua EDITORIAL como alguém que se posiciona numa linha de mudança, alguém em disputa contra opositores internos. Revelando as dificuldades sentidas já por Rui Rio, segundo João Miguel Tavares - dificuldades criadas internamente, pelos que se lhe opõem no partido, dificuldades criadas externamente, na pretensão de convencer uma nação rendida a António Costa, para o suplantar.
Mas Rui Rio parece uma força de ambição pessoal. Ontem encontrou-se amistosamente com António Costa. Oxalá seja para bem da nação, uma política de alianças.

EDITORIAL
Rui Rio a fazer prova de vida
No encerramento do Congresso do PSD o novo líder deixou finalmente um esboço do que quer para o partido. Fez-se uma luz ténue pelo que disse, mas também pelo que omitiu.
MANUEL CARVALHO
Público, 19 de Fevereiro de 2018
E ao terceiro dia do Congresso, Rui Rio despiu então a capa de candidato a líder do PSD para ensaiar a sua primeira prestação como candidato a primeiro-ministro. O seu discurso de encerramento desconsiderou os estados de ânimo de um partido ainda em tumulto e deixou no ar o esboço do que será o PSD sob a sua liderança. Não foi um discurso arrebatador, abundante de ideias inovadoras, de rupturas, de propostas concretas ou de exaltações. Mas para um líder que cultiva o rigor nos conceitos e a austeridade nas palavras também não foi um discurso vazio como o que largou na abertura do congresso.
Nas entrelinhas da sua mensagem continua a haver ainda muitas dúvidas e ambiguidades. No enunciado das suas propostas persistem mais continuidades do que rupturas. Mas a sua longa dissertação é pelo menos suficiente para três definições: o PSD recupera as bandeiras do estado social, do combate à pobreza, do culto da classe média ou da condição dos idosos que o levam para a área tradicional da social-democracia; o PSD regressa à era pré-Cavaco e assume que não haverá reformas num Estado “irracionalmente concentrado e centralizado” sem um plano que levará o partido ao limiar da Regionalização; e, num posicionamento mais duro e próximo da direita clássica, Rui Rio promete ser o campeão da luta contra “as clientelas corporativas”, contra o facilitismo dos que julgam que há “direitos sem obrigações” ou contra os valores de uma educação pública que olha os professores como “animadores de salas de aula”.
Quem pediu um PSD mais ao centro, obteve, senão uma resposta, ao menos uma luz. Rui Rio quer regressar aos anos de 1990 para colocar Portugal a crescer acima da média europeia e nessa viagem vai baixar bandeiras de Passos Coelho. Não parece haver lugar a uma maior comparticipação privada nas pensões ou a liberdade de escolha financiada pelo Estado na Educação. O PSD mais neoliberal que queria libertar o país do Estado enterrou-se com o ajustamento, a saída limpa e o sucesso de António Costa.
O que sobra? O reforço do “centrão” com a nota artística de Rui Rio. Entre o diálogo social e os acordos de regime que o povo “entende bem melhor do que nós possamos pensar” o que fará a diferença no PSD será o estilo do seu líder e não a densidade doutrinária ou programática. Esqueçam-se pois as decepcionantes votações das suas listas, os apupos a Elina Fraga ou a audácia de Luís Montenegro. Os que subestimaram Rui Rio acabaram sempre por perder.
OPINIÃO
Sem a ajuda do PCP, Rui Rio não tem salvação
Não me recordo de um líder recém-eleito ter sofrido o nível de acinte e desgaste com que Rio se está a debater ainda antes de chegar ao congresso.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 17 de Fevereiro de 2018
Anda toda a gente entretida a tentar adivinhar a equipa que Rui Rio vai propor no congresso deste fim-de-semana, mais os futuros presidente e vice-presidentes da bancada parlamentar do PSD, mas o homem que mais pode contribuir para que Rui Rio tenha um futuro político relevante à frente do partido nem sequer foi convidado para estar no Centro de Congressos de Lisboa. Chama-se Jerónimo de Sousa e, na ausência manifesta do diabo, é o único que pode salvar Rio de uma muito desgraçada e muito curta carreira como líder do PSD.
É uma verdade indesmentível, como escrevia Ana Sá Lopes há dias no jornal i, que o pior cargo do país é o de líder de oposição”. Ainda assim, não me recordo de um líder recém-eleito ter sofrido o nível de acinte e desgaste com que Rio se está a debater ainda antes de chegar ao congresso. Nem António José Seguro levou tanta pancada nas primeiras semanas. Da violentíssima carta-reprimenda de Miguel Pinto Luz à péssima gestão da futura liderança parlamentar, passando por bateres de porta estrondosos como o de Carlos Abreu Amorim, Rui Rio chega ao congresso debaixo de um fogo inaudito por parte dos seus camaradas de partido. Está a cheirar-lhes a líder fraco, não porque Rui Rio não tenha características pessoais para ser um líder forte – aliás, a gestão do silêncio com que tem andado entretido cheira a cavaquismo por todos os lados –, mas porque o tempo que tem para se afirmar como alternativa é ridiculamente curto.   
Rio vai assumir a liderança efectiva do PSD este fim-de-semana, quando falta pouco mais de ano e meio para as eleições legislativas. Com o país a crescer 2,7%, com o primeiro-ministro a celebrar o “maior crescimento da economia portuguesa em 17 anos”, com o desemprego a baixar para próximo dos 8%, com o défice controlado, e com folga nos cofres do Estado para um orçamento razoavelmente eleitoralista em 2019, que espaço de manobra tem Rui Rio para se conseguir afirmar como alternativa a António Costa? Quase nenhum. Nada indica que a economia mundial afunde no próximo ano e meio, certamente não vão morrer mais 112 pessoas no Verão, e embora o papel do Estado se deteriore a olhos vistos graças à política cega de cativações, não se está a deteriorar à velocidade que Rio precisaria para convencer o eleitorado a substituir o António Costa cor-de-rosa pelo António Costa cor-de-laranja.
Que esperanças lhe sobram, então? Só vejo uma: a extrema-esquerda de 2018 voltar a parecer-se com a extrema-esquerda de 2012, com o PCP a pôr gente na rua, dando novamente corda a Mário Nogueira e a Arménio Carlos, atirando-se à lei laboral, acusando António Costa de intimidade excessiva com o grande capital. Somente se Bloco e PCP tentarem arrastar o PS para junto de si é que se pode abrir algum espaço ao centro para o PSD crescer – e é nesse sentido que Jerónimo de Sousa é muito mais importante para Rui Rio do que Nuno Morais Sarmento, Fernando Negrão ou Salvador Malheiro.   

Infelizmente para Rio, mesmo isso me parece cada vez mais improvável. O Bloco e o PCP vão rosnar até 2019, com certeza, mas não acredito que cheguem a morder – a melhoria da economia torna pouco compensador o risco de se afastarem do governo em vésperas de eleições, permitindo ao PS celebrar sozinho a alegada recuperação do país. A vida está dura para os lados da São Caetano à Lapa. Se uns têm estados de graça, Rui Rio corre o sério risco de passar o próximo ano e meio em absoluto estado de desgraça.

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