Maria João Avillez faz uma
análise pertinente e elegantemente apurada de um acontecimento que, não sendo
necessário, se tornou condição suficiente para manter um partido que, repentinamente
nos evoca o rio Tejo, ao que se diz, morto, e, sobretudo, actualmente mortífero.
A gravidade do caso torna a expressão “Não havia necessidade”, do
diácono Remédios, inadequada, no seu humor, ao sentimento de tristeza ou de tragédia que com aquela
contrasta. Maria João Avillez, ainda assim, propõe um delicado “benefício de
dúvida”. Estamos demasiado calejados e alguns, envelhecidos, para concedermos, desportivamente,
tal benefício.
Preferimos colocar um comentário (de André Ondine) ao
texto de Maria João Avillez de confirmação pelo que diz de Passos Coelho, e o
texto esclarecedor de Rui Ramos sobre a odisseia futura do PSD:
I - PSD mudou para melhor?
OBSERVADOR, 21/2/2018
Um mínimo de seriedade face ao PSD reclama um mínimo de benefício da
dúvida. Não se sabe é onde ir buscar o empolgamento. O das manhãs do início de
uma nova aventura política.
1. O assombroso hotel Ritz, ex-libris quase mítico de Paris, foi
para obras. Em mais de cem anos já deve ter tido outras intervenções, mas estas
últimas dispensaram cerca de dez mil variadíssimas peças decorativas que irão
para leilão em Abril. Uma pena, mas ainda bem que há leilões e não é apenas por
concederem o dom de outra vida aos objectos, é também por certificarem a sua
irrelevância ou ausência de qualidade minima. Lembrei-me do PSD ao ler a
notícia. Sendo evidentemente desnecessário dizer que ele não é
irrelevante, não era má ideia que parte fosse leiloada (há compradores para
tudo), pois resolveria alguns magnos problemas.
Se algumas das peças de que o partido é feito têm, já se sabe, alto
valor – convivendo embora com tralha antiga ou sem qualidade, mas isso são os
partidos –, parte do lote entrado no último fim de semana simplesmente presta
pouco e atrapalha muito. Não presta publicamente, isto é, o país sabe-o. A surpresa, o espanto desagradado — nalguns
casos, irado — de vários elementos do núcleo duro de Rui Rio ao saberem de
algumas das “peças” escolhidas é disso a mais desencorajadora das provas para
quem inicia um “novo ciclo”. De modo que talvez um leilão abrigasse tais
peças para que nos livrássemos delas: ao estarem em relevo na mais importante
estrutura de decisão política do maior partido da oposição, estão
automaticamente inscritas na vida pública do próprio país. Uma vergonha.
Ou deveria dizer um insulto?
E como querem que “se” fale de outra coisa se esta acende tantos sinais
vermelhos?
2. Rui Rio habituou-nos a um certo tom de exigência quase
reivindicativo quando se tratava da Justiça. O que me permite perguntar
hoje: estava ele a brincar — estou a ser delicada — quando nos falava de ética
e dos problemas que afligiam a nossa Justiça, ou está a brincar agora com a
transformação de Elina Fraga em sua colaboradora próxima e dilecta?
O teor do discurso de Luis Montenegro e o alarido que suscitou são um
chapeuzinho de chuva de chocolate ao pé da gravidade disto: há uma dupla na
nova direcção politica do PSD — Elina/Malheiro — a contas com a própria
Justiça. Não é dizer pouco e, no caso, calha que é sinalizar muito, tamanha
a (inexplicável) contradição. Insisto: o novo líder social democrata
concorda, aplaude, recomenda, as ideias, o modelo, a atitude
agressivo-populista de Elina Fraga no que toca ao seu entendimento sobre o
funcionamento da Justiça portuguesa? Rui Rio que sempre denunciou, temeu e
atacou a justicialização da política – evocando-a aliás uma vez mais no
Congresso – não se incomoda que a ex-bastonária seja uma óptima intérprete e
praticante disso mesmo, com os duvidosos gestos e desastradas opções que já lhe
conhecemos (e sem que nada indique que não se repetirão)?
Por este andar o PSD desaguará nas mais obscuras águas da Justiça ou
alguém se espantaria que o Presidente do partido, agora aconselhado pela sua
dilecta conselheira, lhe desse, também ele, para advogar a não recondução da
actual procuradora-geral da República? Onde estão os interesses do país?
3. Escolher mal é mau sinal e em política é péssimo. Face ao que
aí ficou, não se pode fazer de conta. A escolha de Fernando Negrão para
a liderança parlamentar, pelas reacções de consternação e desagrado que,
embora em surdina, suscitaram em alguns deputados afectos ao próprio Rui Rio
(!), num atabalhoado e precipitado processo político, permite todas as dúvidas
e foi um duplo erro: nem Negrão será afinal respeitado como o mais dotado
politicamenta para ir ao leme da embarcação, como sobretudo a ausência
de Rio das bancadas do Parlamento ampliará ao máximo a importância do palco
parlamentar na caminhada do PSD (e conhecemos de cor a saga infeliz dos líderes
ausentes dos parlamentos). Mais valia terem lá deixado o rapaz Soares:
conhecia a casa, descodificava a bancada com segurança, tinha verve (na qual, é
verdade, se teria apostado com dificuldade, mas a politica é fértil em
surpresas).
4. E o resto? O resto não pode ser desligado do que acima
escrevi, as coisas são o que são, mesmo retendo o empenhado esforço de Santana
e de Rio na produção de um “clima de unidade”: a) ficou no ar a sensação de alguma descaracterização;
b) a Comissão Política não tem ninguém
com menos de 40 anos (!); tem tralha antiga e, com honrosas excepções, parece
pouco inspirada politicamente, deixando de fora alguma gente de primeira que
Rio poderia ter ido buscar às suas próprias fileiras; tem uma fraquíssima
representação feminina; não supreendeu nem convenceu; c) admitindo que não se esperavam um rol de
soluções salvíficas, ideias geniais ou medidas milagrosas houve mais
diagnóstico – trivial — que substância para o futuro, pese embora o enfoque e a
promessa de atenção a alguns sectores cruciais; d) permanece brumosa a futura relação com o PS
apesar da manifesta vontade de Rio para acordos e compromissos — encontrar o justo equilíbrio entre a
vital necessitade de acordos de regime para Portugal e os interesses próprios
do PSD na manutenção de uma larga frente de centro direita vai exigir mais
ponderação, lucidez, preparação, do que aquilo que se ouviu ou pressentiu;
e) o desenrolar do Congresso permitiu algum pesado embaraço: Passos Coelho
(aplausos assim só vi na ópera), teve sozinho a maior moldura de aplausos na
FIL; o discurso de Luis Montenegro foi mais vibrantemente acolhido nas
constantes interrupções das palmas (palmas de críticas a Rio, sublinhe-se) que
os, como dizer?, mais esmorecidos aplausos dirigidos ao novo líder, para não
falar dos apupos, de alguns ódios à solta, de (indisfarçáveis) sinais de
divisão.
É o começo, dir-se-á. É. Por isso um mínimo de seriedade reclama
um mínimo de benefício da dúvida. Rui Rio ganhou, teve o mérito da sua vitória
política. Não se sabe é onde ir buscar o empolgamento. O das manhãs do início
de uma nova aventura política.
5. O lado “laranjinha” de Marcelo (que é fortíssimo) terá
forçosamente uma leitura menos desalentada que a minha que não sou
“laranjinha”, não tenho cartão e nunca tive militância. Mas o Presidente da
República vai ter mais trabalho pela frente. Sobretudo menos previsibilidade
política, coisa que ele detesta.
6. Pequena mas não dispiscienda nota final. Passos levou
quatro anos a ouvir insultos e mentiras sobre o governo e sobre ele próprio.
Depois ganhou as eleições. A seguir levou dois anos a ouvir que era “mau” na
oposição findo o que Rui Rio teve menos votos que ele, Passos Coelho, em
qualquer das eleições internas em que o ex-lider concorreu no PSD.
Um tipo decente, Pedro Passos Coelho (e que bom discurso o seu).
II - Comentário:
ANDRÉ ONDINE
Concordo, e elogio, inteiramente. "Um tipo decente, Passos
Coelho". De facto, a sua saída retira decência ao parlamento. À vida
política nacional. Não votei nele, mas convenceu-me. Pela coragem, no governo.
Pela sobriedade e sensatez, na oposição. Rio tem muito boa imagem de si
próprio. Julga-se um exemplo perfeito de honestidade, austeridade e moralidade.
Não é, como vemos. Aliás, na questão do líder parlamentar, o comportamento de
Rio lembra muito o de António Costa. É o regresso da pior política e o
afastamento de alguém que a credibilizava.
III - RUI RIO: Isto começou mal e vai acabar mal
OBSERVADOR, 23/2/18
O destino de Rui Rio não
é ser oposição ao governo, mas ao próprio PSD. Foi sempre assim
quando, no passado, o PSD foi posto na situação em que Rio o colocou, de
subordinação ao PS.
Não deve uma política, como
alguém disse, ser julgada pelos resultados? Talvez, mas neste caso já temos
resultados suficientes. Em menos de uma semana, Rui Rio conseguiu que uma sua
vice-presidente fosse vaiada no congresso, e que o seu candidato a líder do
grupo parlamentar não fosse votado pela maioria parlamentar. Pelo meio,
voltou a pôr Santana Lopes com dúvidas.Não vale a pena distribuir culpas.
É mais importante registar o significado de tudo isto: o destino de Rui Rio
não é ser oposição ao governo, mas ao próprio PSD. E vai ser assim, porque foi
sempre assim quando, no passado, o PSD foi posto na situação em que Rio o
colocou, de subordinação ao PS. Não haverá paz.
As personalidades terão
certamente alguma parte em tudo isto. Mas seria um erro começar por aí. O
que está em causa é uma opção de fundo. Ao aproximar-se do PCP e do
BE, António Costa iria fatalmente provocar uma de duas coisas: ou fazia o
PSD explorar a bipolarização, e clamar, como diz Assunção Cristas, que a partir
de agora os portugueses têm de escolher entre dois blocos, e quem não quiser o
PCP e o BE na área do poder tem de eleger 116 deputados do PSD e do CDS; ou
então, o PSD seria tentado a entrar num jogo de equívocos com o PS.
O engano aqui seria
presumir que, só por a direcção do PSD ter optado pelo jogo com o PS, haverá
mais tranquilidade (ou “normalidade”). Não: haverá menos. É verdade que PS, PSD
e CDS têm em comum a integração europeia. Sem isto, este regime seria
impossível. Mas esses grandes princípios não condenam os partidos à
harmonia, na medida em que não significa que só possa haver um tipo de soluções
institucionais ou opções de governação. Dir-me-ão: noutros países, os
grandes partidos entendem-se para governar. Sim, na Alemanha — onde, depois de
anos de coligação, a CDU e o SPD nunca estiveram tão divididos e valeram tão
pouco. O mesmo, aliás, aconteceu ao PSD e ao PS em 1985, após o Bloco Central.
Por isso, por mais interessados que estejam em extrair capital de uma “nova
fase” de consenso, nem PSD nem PS estão à vontade para se comprometer, com medo
de alienar dirigentes e eleitores.
O primeiro efeito do
corrente jogo será, portanto, uma grande cacofonia. Do lado do PS, por cada
porta-voz que saúde a disponibilidade do PSD para pactos, haverá outro
porta-voz a dizer que não haverá pactos nenhuns. Do lado do PSD, por cada
dirigente que queira transformar os debates com o primeiro-ministro em
fraternais “sessões de trabalho”, haverá outro dirigente a clamar que um “governo
de esquerda” lhe “repugna”. Aliás, curiosamente, nenhuma direcção do PSD terá
usado a palavra “esquerda” com tanto nojo como a actual. Nada disto é inédito.
Ninguém como Sousa Franco, em 1978, ou Mota Pinto, entre 1983 e 1985, se
mostrou tão impaciente e quezilento com o PS: é quem tem expectativas que mais
se zanga.
Mas então, como fazer as
“reformas”? Bem, para começar, as reformas são as reformas que só o PSD e o CDS
querem fazer. Porque haveria António Costa de lhes facilitar a vida?
O PS já explicou que só está interessado “em acordos com todos os partidos.
Seria, portanto, preciso imaginar soluções de que estivessem igualmente convencidos
CDS, PSD, PS, BE e PCP. Poderíamos, a esse respeito, assentar numa regra: fora
de uma emergência, tudo em que partidos tão diferentes concordarem tenderá a
ser, ou detalhes técnicos, ou manigâncias à custa dos contribuintes (como o financiamento
partidário), à custa do equilíbrio dos poderes (como a governamentalização
do Ministério Público), ou à custa do Estado (como a feudalização agora
conhecida por “descentralização” ). Em suma, neste contexto, ninguém fará “reformas”, e
as que se fizerem – será melhor que não sejam feitas.
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