segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Uma notícia, um comentário e uma crónica

Parecem coisas distintas, mas fazem parte do nosso status quo. Fizessem-se estatísticas e o status quo superiorizar-se-ia, a revelar degradação – nas mentes, nas políticas, nos truques de sobrevivência, na boçalidade de um povo que não respeita, industriado por “políticos” que também não. Ainda ontem ouvi Miguel de Sousa Tavares, entrevistado, salvo erro, por José Rodrigues dos Santos - o do tique da piscadela de olho noticiarística afável, com que se despede diariamente de nós, mesmo que não sejamos coniventes, sobretudo após notícias tão de amargor – ouvimos a afirmação de Miguel Sousa Tavares - de quem o Público publicou, há meses, foto como de um dos grandes das refeições do “status” – que o salazarismo fora algo de degradante na nossa orientação política, (que antes dele – Salazar – andava em rixas constantes e constantes dívidas). Salazar, ao que parece, pôs cobro a isso, exigindo respeito, e, ao que se diz, “reduzindo o povo à miséria e à iliteracia”, povo que nunca fora outra coisa senão isso, desde tempos imemoriais, tempos esquecidos convenientemente na gaveta para melhor se acusar o ditador. Um ditador a quem governos posteriores e o povo iletrado – ou menos - vandalizam – ou permitem que se vandalize – não só nas afirmações de toleima gratuita, como essa que ouvi ontem de MST, mas nos sítios onde Salazar esteve e onde caiu, para gozo da maralha e dos governos que se aproveitaram dos dinheiros que ele juntou, por conta do cotão dos seus bolsos, riscando, igualmente, como suas, de Abril, iniciativas ou monumentos com o seu nome.
Enfim, o exemplo do forte que desrespeitamos, tanto como a excelsa figura que lá viveu, coloco-a no mesmo nível com que o governo de agora, ao que parece, não segue o trilho anterior – não o da austeridade, mas o das reformas que o de Passos Coelho pensava fazer, após a austeridade, e que este de hoje já não faz, apesar da austeridade, embora disfarçada em falsa bonança, segundo Rui Ramos, que explica o caso com muita clareza.
Daí esta junção de textos, aparentemente tão díspares, mas pertença das mentes de um povo ávido e de patranha:

1º - A Notícia:
OBSERVADOR, 8/2/18
«Autarquia lamenta falta de iniciativa para recuperar forte de Santo António da Barra.»
«O presidente da Câmara de Cascais lamenta a falta de iniciativa do Estado para a recuperação do forte de Santo António da Barra, que está degradado e vandalizado, sublinhando que a solução está no Ministério das Finanças
"A tutela está na Direção Geral de Património do Estado, dependente do Ministério das Finanças. Se fosse um património privado a câmara tinha mecanismos que podia ativar, como expropriação ou posse do edifício. Sendo património do Estado, nós que também somos Estado, mas Estado local não temos capacidade legal para nos pudermos sobrepor", disse hoje à agência Lusa, Carlos Carreiras. …
Muitos azulejos históricos foram vandalizados e as janelas e o pouco mobiliário estão destruídos. ….
Os painéis decorativos de azulejos instalados no forte de Santo António da Barra são alusivos aos Descobrimentos, mas a maior parte encontra-se vandalizada: desenhos com temas marítimos e estrofes de "Os Lusíadas" de Luís de Camões e também um excerto de "A Mensagem" de Fernando Pessoa.
A referência mais recente ao mar é o desenho do veleiro "Cutty Sark", mas encontra-se no rótulo de uma garrafa de uísque estilhaçada junto a uma parede onde está colocada uma placa de mármore branco descerrada em novembro 1973 pelo então Presidente da República, Américo Thomaz que recorda que Salazar ocupou o forte "nos meses de verão" entre 1950 e 1968.
No dia 3 de agosto de 1968, uma queda no chão de pedra do forte de Santo António da Barra provocou um hematoma a Salazar e a consequente degradação do estado de saúde do ditador que viria a morrer em 1970.
Junto ao portão do forte, uma das poucas frases percetíveis pintadas por desconhecidos diz: "esta cadeira mata fachos", escrita com tinta azul, a única referência política ao incidente que acabou por vitimar Salazar.
O portão do complexo tem um pequeno aloquete que aparenta ser novo e que impede a entrada de veículos, mas a rede ao lado das grades está cortada deixando o espaço exposto de dia e de noite.»

2º- Eis um comentário à notícia sobre a degradação do forte onde Salazar caiu da cadeira:
De Antonio Lobo, in OBSERVADOR
«Uma vergonha o estado de abandono e degradação em que está o forte de Santo António no Estoril. Tenho um amigo que já lá entrou e apanhou do chão um azulejo. Não há guardas e há poucos dias puseram um cadeado que uma criança pode rebentar.»

3º - Eis a Crónica sobre trilhos governativos em paralelo:
Já não estamos no trilho, Sr. Presidente
OBSERVADOR, 9/2/2018
Esta maioria formou-se precisamente para mudar de trilho, não em relação à “austeridade”, mas em relação às “reformas” que a governação de Passos Coelho ameaçava fazer. Era aí é que estava o problema.
Esta semana, o Presidente da República resolveu evocar um “trilho”: o “trilho aberto” com “inquestionável mérito” pela “governação substituída em 2015”, de “sensibilização para a prioridade nacional do saneamento das contas públicas e do crescimento da economia portuguesa”. Tudo isso, segundo o Presidente, teria proporcionado ao actual governo uma “oportunidade única” para “manter o rumo financeiro” e “ir mais longe nos incentivos à iniciativa privada”.
Eis o que faz Pedro Passos Coelho já não estar no PSD: pode-se finalmente contar o que aconteceu. Eis, também, o que faz António Costa estar no governo: não se pode ainda falar do que está acontecer. E o que está a acontecer é que já saímos do trilho. Mas depois de ter explorado a ilusão da ruptura (o “fim da austeridade”), a maioria parlamentar vive agora da ilusão da continuidade (“o mesmo rumo”).
A prioridade de Passos foi controlar as contas públicas para regressar aos mercados, o que conseguiu, com a ajuda do BCE. Em 2014, porém, ainda ninguém podia adivinhar o turismo. Sentiu, por isso, que devia ser cauteloso nas devoluções de salários, pensões e subsídios. Em 2016, Costa devolveu tudo mais depressa, mas como também não previu a conjuntura actual, compensou com impostos indirectos e cativações. Não houve, portanto, o anunciado keynesianismo. Houve, até, mais cortes no investimento e nos serviços públicos. Foi tentador, por isso, clamar, a partir do Verão de 2016, que afinal estávamos no mesmo trilho. Não estamos.
Esta maioria formou-se precisamente para mudar de trilho, não em relação à “austeridade”, que teria sido sempre remodelada (alguém imagina um governo, com dinheiro, a recusar “devoluções”?), mas em relação às “reformas” que a governação de Passos Coelho ameaçava fazer. Era aí é que estava o problema. Agora, o presidente sugere ao governo que prepare “condições estruturais mais sólidas de competitividade e produtividade, para converter o conjuntural em sustentável”. Mas essas “condições estruturais”, como o presidente saberá certamente, não são politicamente neutras. As chamadas “reformas” consistem na diminuição do condicionamento estatal da economia. Põem assim em causa aqueles que dependem desse condicionamento, e que são também aqueles que as esquerdas decidiram, há anos, transformar em clientelas. Reformar é, portanto, atingir a actual maioria parlamentar, não apenas na sua ideologia estatizante, mas no seu eleitoralismo. Daí que as reformas “arrepiem António Costa”. Daí também que se tenha abstido delas. Agora, porém, a simples abstinência reformista já não basta ao PCP e ao BE. Exigem a reversão das duas iniciativas mais notórias da anterior governação, as das leis do trabalho e do arrendamento urbano. Haverá talvez quem pense que se trata apenas de manobra pré-eleitoral. Mas mostra por que caminho segue esta maioria parlamentar, e como certas expectativas só podem ser apreciadas enquanto malícia.
A Comissão Europeia prevê que a economia portuguesa volte a divergir da Europa. O problema não é só empobrecermos relativamente. É a economia não corresponder aos compromissos que temos. Portugal só pode prosperar significativamente através dos mercados globais, e para isso precisa de uma economia mais competitiva e flexível. A França, sob Emmanuel Macron, percebeu finalmente isso. Fazer de Portugal um paraíso fiscal para os reformados da Europa do norte não chega. Entretanto, o sobressalto das bolsas antecipa um ambiente de juros altos, menos confortável para sociedades endividadas. Talvez lamentemos um dia ter saído do trilho.



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