domingo, 25 de março de 2018

Convulsão



Uma Editorial – de Manuel Loff – dando conta dos destrambelhos de Donald Trump, a abrir caminho para uma próxima guerra, sem ninguém a contrariar manobras de alguém pretensioso e desequilibrado que não crê em desastre ambiental. Uma Crónica de António Barreto, mais uma vez exprobando imprevidências e más políticas e má Justiça  nacionais, além de uma foto alusiva à degradação da nobre zona do Rossio, o Teatro D. Maria II, airoso e nobremente artístico, transformado em espaço de repouso exterior, como mostra a fotografia, pés pendendo de gente escarrapachada na amurada, discutindo da vida, indiferente à arte …
Ai das gerações que seguem, ai da nossa Terra, das nossas terras, dos nossos sucedâneos, filhos dos nossos filhos, a quem cantamos com entusiasmo sempre os “parabéns a você”, desejando felicidades e vida longa! Que estamos a preparar? Como se defenderão eles? Recordemos Adamo e a sua “Queda” da neve, por motivos de afastamento amoroso, esse, por motivos de susto, nós:

Tombe la neige
Salvatore Adamo, Laurent Voulzy

Tombe la neige
Tu ne viendras pas ce soir
Tombe la neige
Et mon coeur s'habille de noir
Ce soyeux cortège
Tout en larmes blanches
L'oiseau sur la branche
Pleure le sortilège
Tu ne viendras pas ce soir
Me crie mon desespoir
Mais tombe la neige
Impassible manège
Tombe la neige
Tu ne viendras pas ce soir
Tombe la neige
Tout est blanc de desespoir
Triste…

Editorial
Os senhores da guerra
Se o nomeado para a CIA é o ideal para satisfazer a sede nacional-populista do Presidente, o homem que agora segreda ao ouvido do Presidente é perfeito para fomentar acções militares.
MANUEL LOFF
PÚBLICO, 24 de Março de 2018,
Já não há dúvidas sobre a estratégia: Donald Trump quer ir para a guerra. A nomeação de John Bolton para conselheiro de Segurança Nacional é a confirmação de que a ideia de um conflito militar agrada ao Presidente. Bolton quer bombardear o Irão, atacar a Coreia do Norte e esvaziar as Nações Unidas de competências e fundos.
Os “falcões” tradicionais da política externa gostam de usar a força, mas por regra recorrem a ela como um recurso para algo: para conseguir sentar à mesa de negociações um adversário, para ganhar poder negocial visando uma estratégia de longo prazo ou para assustar potenciais inimigos. Bolton não. Bolton quer apenas que a América ponha o mundo a arder — porque pode. O conceito de diplomacia sem bombas é algo que o novo conselheiro de Segurança Nacional desconhece e se mostra repetidamente incapaz de entender.
E é este homem que vai agora sentar-se numa Administração que está cercada e que cada vez tem menos margem de manobra. É cada vez mais expectável que, quando a situação apertar, Trump opte por iniciar um conflito que desvie as atenções do processo judicial. Agora tem na equipa o homem ideal para liderar esse processo: John Bolton. Se o nomeado para a CIA é o ideal para satisfazer a sede nacional-populista do Presidente, o homem que agora segreda ao ouvido do Presidente é perfeito para fomentar acções militares. Este movimento é o sinal do isolacionismo que vai colocar os EUA longe dos aliados e distante das instituições internacionais. Um conflito com o Irão ou a Coreia do Norte, os alvos preferenciais de Bolton, será uma desgraça para o planeta e irá isolar ainda mais os EUA. Mas é o cenário cada vez mais provável.
Como uma guerra com a China seria inviável, Trump tomou a única opção possível para atacar Pequim: lançou tarifas sobre a importação de alumínio e o aço, isentando todos os grandes produtores, excepto o gigante asiático; ao mesmo tempo colocou obstáculos ao investimento de empresas tecnológicas chinesas num montante que pode chegar a 50 mil milhões de dólares. A China poderá responder com a imposição de tarifas na agricultura e na indústria, garantindo como consequência um aumento do desemprego, que irá afectar o eleitorado tradicional de Trump. Esta permanente instabilidade é a modalidade preferida de uma Casa Branca que não gosta do mundo actual e que quer mudá-lo através do reforço do Estado-nação. Daí as guerras.

A prova de fogo
ANTÓNIO BARRETO               
 DN, 25/3/18
Os incêndios de floresta de 2017, dos piores da história de Portugal, dos mais mortais da Europa e do mundo no último século, deixaram feridas não cicatrizadas nas famílias, nas autarquias, nos campos e na natureza. Assim como na segurança colectiva e na confiança dos cidadãos. Agora, há relatórios de investigações, ao que parece competentes e independentes. O que, mesmo havendo polémica, como em tudo, já é um progresso. A conclusão essencial é devastadora: confirma-se, se é que era necessário, o falhanço dos sistemas de prevenção, de protecção e de socorro. Por outras palavras, a segurança foi muito deficiente. Mas aplaude-se o pagamento de indemnizações, o que, além de humano, é o reconhecimento de responsabilidades.
Há também relatórios sobre o desaparecimento de armas e munições das Forças Armadas e das polícias. Relatórios mais discretos e não inteiramente públicos, não se percebe porquê. A conclusão primordial, a partir do que se sabe, comprova o que era evidente: fracassaram os sistemas de vigilância e de segurança.
O problema da segurança colectiva é muito grave. Dos mais sérios que se conhece. Mas, entre nós e nos tempos que correm, questão tão séria quanto a da segurança é certamente a da Justiça e do Estado de direito, o que implica apuramento de responsabilidades e capacidade de correcção de erros e negligências. Eis por que os próximos meses serão absolutamente decisivos. Serão a prova dos nove e a prova real para a nossa justiça. Poderemos verificar se tudo será diluído pelo sistema político e pela ineficiência. Ou se, pelo contrário, por uma vez, a justiça vai até ao fim.

As minhas fotografias
Residentes no Teatro Nacional D. Maria, em Lisboa.
Há uns anos que parte do Rossio, ruas adjacentes e Largo de São Domingos se transformaram em ponto de encontro de africanos, muçulmanos, asiáticos e, por vezes, uns europeus. Nos acessos ao teatro, há sempre uns velhotes a descansar ao sol, a jogar às cartas, a conversar, a intrigar, a trocar notícias de outros continentes. Ali perto, fica A Ginjinha, frequentada mais por turistas e lisboetas. Lojas de roupa “étnica”, produtos longínquos e géneros exóticos dão cor e vida. Todo aquele local encontra-se hoje em mudança. Há vários riscos para a evolução futura daquele bairro e daquelas paragens. Transformar-se em bairro degradado e marginal é uma hipótese. Outra é a da operação de limpeza étnica. Qualquer delas é odiosa. Manter a doçura cosmopolita e cuidar da qualidade urbana, preservar a humanidade, tratar da beleza do sítio e garantir a limpeza e a segurança… Estas seriam as boas hipóteses. Sempre as mais difíceis.
fotografia de antónio barreto

Obcecados com as questões sociais (os de esquerda) ou económicas (os de direita), os governos portugueses estão a deixar instalar-se uma deriva de impunidade e de ineficiência da justiça. O assunto é sério: é a erosão do Estado de direito.
A segurança colectiva e a protecção civil constituem apenas um capítulo da fragilidade crescente do Estado. A privatização e a reprivatização de empresas e grupos, feitas em condições de poucas garantias, deixaram o país mais fraco. Até porque, em certos casos, algumas privatizações tiveram como destinatários Estados estrangeiros, o que é irónico e arriscado. Um Estado fraco e endividado vende de qualquer maneira.
Coladas às operações de privatização, as desventuras da banca portuguesa aumentaram a fragilidade do país. Constituíram a mais drástica destruição de valor levada a cabo na história recente, só comparável aos efeitos económicos da revolução de 1975 e às consequências económicas da descolonização. Além desse estranho fenómeno que é o da destruição de valor, assistimos, nas sucessivas crises bancárias, à apropriação de recursos e ao desvio de capitais, mais próprios do roubo do que da falência. Como muitos desses bens e recursos eram de milhares de pessoas, vieram os contribuintes compensar as vítimas dos assaltos. É uma nova figura de culto em Portugal: os custos públicos dos roubos privados.
Com a destruição de valor e o roubo de capitais, verificou-se ainda, sob a capa da internacionalização, um autêntico massacre de empresas que tinham conseguido uma posição interessante em áreas de inovação e desenvolvimento, como no caso dos cimentos, das telecomunicações e da energia. Esta reconversão de serviços públicos e de grupos nacionais em redes internacionais foi levada a cabo por gestores sem escrúpulos. Nada do que precede se fez sem intervenção directa do Estado, sem a colaboração de governos e sem a cumplicidade de governantes.
Mais uma vez: a Justiça em causa. Há, na verdade, dos incêndios às armas, entre o BES e o BPN, entre a PT e a EDP, entre Angola e a China, entre o Brasil e a Venezuela e entre os vários grandes processos em curso, verdadeiras causes célèbres, um fio condutor: é o da ineficiência da Justiça.
Tudo está em saber se a democracia e o Estado de direito podem sobreviver à ausência da Justiça.
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